Por: Patricia Fachin | Edição: João Vitor Santos | 12 Abril 2018
“Eu sou paraense, eu moro aqui e vivo aqui desde que nasci. E não consigo compreender como é que entregam a floresta, entregam nossos rios ao capital estrangeiro”. O desabafo é de uma cidadã do estado do Pará que não se conforma ao ver indústrias multinacionais jogarem seus expurgos no meio ambiente sem uma intervenção efetiva do poder público. Simone Pereira é professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pará que reflete sobre os efeitos de mineradoras no ecossistema local. Disposta a mudar a realidade da comunidade de Barcarena, a cerca de 100 quilômetros da capital Belém, a cientista se viu assombrada pelos resultados de sua pesquisa. “Quando fiz esse estudo, achei que teria problema com três elementos: o chumbo, o alumínio e o fósforo, mas, dos 21 elementos pesquisados, 20 deram acima ou do controle ou das referências mundiais”, destaca.
O estudo a que se refere é uma pesquisa feita com amostras de fios de cabelo das pessoas que vivem na região. Simone achou necessário coletar essas amostras depois de constatar grande contaminação no solo e em reservas hídricas. Há presença de chumbo em 90% dos poços artesianos das comunidades pesquisadas e, em 80% da população analisada, as amostras revelam a contaminação também por chumbo. Em fevereiro deste ano, uma das empresas teve parte das operações embargadas pelo Ministério Público Federal assim que foram constatados dutos que liberavam rejeitos industriais de forma irregular. “Essa exposição vem de anos, talvez de décadas, além disso não posso afirmar que é apenas por uma rota. Talvez não seja somente por meio da água de consumo”, lamenta a pesquisadora.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Simone faz um relato detalhado que revela o drama da comunidade. “A situação é de calamidade pública: temos pessoas morando no local que estão totalmente expostas a várias rotas de entrada de elementos tóxicos”, aponta. Diante desse cenário, reconhece que é difícil não se envolver com a questão além da pesquisa. “No dia da entrega dos resultados, fiz questão de não olhar nomes, porque muitas daquelas pessoas se tornaram minhas amigas ao longo de 11 anos ali na área”. Ela conta o caso do filho de oito anos de Érica, uma das moradoras locais. “Ela fala que ele está caindo. Diz que está de pé e, de repente, cai, desmaia. Não é nenhum tipo de doença conhecida, já levou ao médico e não sabe o que é. Ele está com níveis de alumínio 100 vezes acima [do aceitável]”, conta.
A pesquisadora reconhece que depois da repercussão dos dados sobre a contaminação das pessoas, algumas ações começaram a ser feitas. Mas ainda é pouco. “Descobri que algumas pessoas que participaram desse estudo já morreram. Ou seja, você se esforça para fazer um estudo e percebe que para algumas pessoas isso foi tarde demais. Esse resultado demorou muito para ser entregue e não tem mais jeito. Conseguem compreender a gravidade disso?”, questiona.
Mais do que ações de saúde pública e atenção àquelas pessoas, é preciso efetividade do poder fiscalizador das mineradoras no Pará. “Simplesmente a empresa vai lá e faz sua pressão, não tem licença de operação e começa a jogar lama vermelha ali, sem nenhum estudo e numa área que é de proteção ambiental, que tem várias nascentes de rios importantes daquela região”, dispara. E provoca: “se o desenvolvimento sustentável é utopia, eu não sei, mas as indústrias lucram em torno de 300 milhões de reais por ano na venda desse alumínio. Não é possível que não invistam para fazer o tratamento [de efluentes]”.
Simone Pereira | Foto: UFPA
Simone Pereira coordena o Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará - UFPA. Possui graduação em Engenharia Química e Licenciatura em Química pela UFPA, especialização em Educação e Problemas Regionais pela mesma instituição e doutorado em Química pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Atualmente é professora associada da UFPA, onde também é líder do grupo de pesquisa de Química Analítica e Ambiental.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Como foi desenvolvida a sua pesquisa, que apontou a presença de substâncias cancerígenas em moradores que residem no polo industrial de Barcarena? A senhora já tinha alguma hipótese ou evidências de que a população de Barcarena poderia estar contaminada por essas substâncias?
Simone Pereira — Em 2012, o Ministério Público Federal foi acionado pela comunidade e o procurador Bruno Valente solicitou à Universidade um estudo da água de consumo. Nós fizemos esse estudo entre 2012 e 2014, e em 2014 foi entregue o relatório. A conclusão geral do estudo foi de que as 26 localidades pesquisadas — incluindo a cidade de Barcarena e a Vila dos Cabanos, que são os dois maiores aglomerados urbanos, com cerca de 90 mil pessoas — estavam com contaminação da água, principalmente por alumínio, fósforo e chumbo. A partir do estudo da água, o Ministério Público Federal entende a urgência da situação, porque quem bebe água contaminada acaba sendo contaminado. Além disso, houve contaminação da rede pública, no sistema de abastecimento das cidades de Barcarena, Vila dos Cabanos, Distrito Industrial, Vila do Conde e outros locais em que se tinha a captação de água subterrânea e essa água era distribuída para a população local.
Esse estudo também foi realizado na área das ilhas, que é uma área rural, onde também encontramos essa contaminação, mais atenuada, mas também extrapolando os níveis permitidos pela legislação número 2.914 de 2011 do Ministério da Saúde. Com isso, evidenciou-se que essa população estava em risco e o Ministério Público Federal solicitou esse estudo “do cabelo” [em que as análises são feitas em amostras de fios de cabelo dessa população]. Já em 2014, nós iniciamos o processo de licença para poder fazer pesquisas em humanos, entramos com o processo no Comitê de Ética e Pesquisa da universidade e depois obtivemos a liberação pela Comissão Nacional de Ética e Pesquisa - Conep.
A partir da liberação, em 2015, iniciamos a coleta em fevereiro e ela se estendeu até agosto de 2015. Também fomos atrás de recursos, pois, infelizmente, o Ministério Público Federal solicitou esses estudos, mas não tem recursos para bancar. São exames caros e que necessitam de bastante apoio para que possam ser feitos. Em 2016 conseguimos esses recursos por meio de outros projetos que conseguimos aprovar, e começamos os estudos. Eles seguiram até 2017, quando tivemos uma quebra do equipamento e ainda faltava a análise de quatro metais importantes — arsênio, mercúrio, bário e cádmio. Não queríamos passar o relatório incompleto, mas, infelizmente, não foi possível conseguir mais recursos em 2017. Por isso decidi, agora em 2018, entregar o relatório, mesmo incompleto.
Essa foi a história de como fizemos essa pesquisa. Basicamente, o estudo foi feito por uma hipótese de que essa população estaria sujeita à contaminação por metais tóxicos advindos da água de consumo. O estudo que fizemos constatou essa contaminação da água.
IHU On-Line — A contaminação da água extrapola a região do Polo Industrial?
Simone Pereira — Sim. Nós fizemos coleta na Trambioca, que é uma ilha. Aqui tudo é perto, na verdade, de Belém a Barcarena são 20 quilômetros em linha reta, de Belém à Vila do Conde são cerca de 40 quilômetros, onde está o Polo Industrial e onde estão localizadas as grandes empresas, tanto na Vila dos Cabanos quanto em Vila do Conde, que são aglomerados urbanos longe de Barcarena. Então, as empresas foram se instalando, as pessoas ali morando, e as comunidades tradicionais permaneceram. Essas pessoas nunca foram remanejadas de lá.
Além das populações tradicionais, houve invasões na área, o que aumentou ainda mais o problema. Isso porque tem indústria num lado, com uma bacia de deposição de rejeitos ácidos, como é o caso da bacia da Imerys, e, no outro lado da rua, a comunidade vive. Ou seja, a bacia — que rompeu em 2007 — é dividida apenas por uma estrada. Em 2007, quando rompeu a bacia e tivemos aqui a “mini Mariana”, foram mais de 460 mil litros de rejeitos e efluentes ácidos que foram para os rios, que ficaram brancos.
IHU On-Line — Como o vazamento da bacia de rejeitos em 2007 foi resolvido?
Simone Pereira — Não foi resolvido. Foi feito Termo de Ajustamento de Conduta - TAC de 10 milhões de reais entre a empresa e o Ministério Público Estadual, e foram tomadas algumas medidas depois que rompeu a bacia. Para se ter ideia, foram obrigados pelo TAC a fazer a impermeabilização da bacia, que nem isso tinha. Veja: as bacias da Imerys não eram impermeabilizadas. A empresa já tinha três bacias de sedimentação e nenhuma delas era impermeabilizada.
Comunidade afetada pelo vazamento na barragem de rejeitos da mineradora Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Então, provamos que os poços da área estavam todos com o PH extremamente ácido e também com a presença de bário, que é o elemento que rastreia o caulim. Isto é, se vemos bário alto, sabemos que houve despejo de caulim. A empresa foi obrigada a colocar um tratamento de efluentes, mas só para a correção de PH e turbidez. O problema é que percebemos que não há uma efetividade desse controle de efluente.
Agora não está mais sendo jogado no Curuperé, que era um pequeno igarapé que tinha sua nascente dentro da área da empresa, na bacia 1. Tudo era jogado nesse local, que já estava morto, e também no rio Dendê, que eram os dois rios mais afetados da região. Esses dois rios são afluentes do rio Pará, o grande rio que abastece e contribui para a formação da Bacia do Guajará e do rio Guamá, que acaba abastecendo a cidade de Belém. Quando foram despejados esses 460 mil litros de rejeitos ácidos nesses rios, não houve no TAC o cuidado de obrigar a empresa a recuperar os rios. Portanto, tudo o que foi lançado nesses rios está lá até hoje, há mais de 11 anos.
IHU On-Line — Que acidentes ambientais aconteceram na região entre 2015 e 2017? Quais são os empreendimentos que atuam na região?
Simone Pereira — Nós temos muitos problemas ambientais na área de Barcarena. Mas os problemas ambientais, a maior parte deles, são causados por duas empresas basicamente: a Hydro Alunorte, que processa a bauxita e é a maior indústria de alumínio do mundo — a produção gera em torno de seis milhões de toneladas de alumínio por ano e, em um cenário otimista, a cada tonelada de alumínio produzida eles produzem uma tonelada de rejeito tóxico; e a Imerys, que recebe, através do mineroduto, o caulim, o qual é extraído em Ipixuna do Pará. Esse material vem pelo mineroduto, é processado, sofre branqueamento pelo uso do ácido sulfúrico e esse rejeito ácido é depositado junto com os efluentes em bacias — a Imerys já tem cinco bacias. Além da Imerys, tem também a Pará Pigmentos, que tinha duas bacias. A Imerys acabou comprando a Pará Pigmentos, tornando tudo uma só empresa, de capital francês, que usa essas bacias para fazer depósito de rejeitos.
O problema dessas duas empresas aqui é a chuva. Elas foram pensadas para uma situação normal de chuvas, então quando tem um inverno mais rigoroso não é possível dar vazão ao tratamento de efluentes. As estações de tratamento de efluentes são subdimensionadas, não tem condições de receber volumes grandes de chuva. Com isso, há o despejo desses efluentes diretamente no rio, sem tratamento algum. Nenhuma das duas empresas faz retirada de metais tóxicos, elas só fazem controle de PH e turbidez. Para esses controles, acabam adicionando substâncias propaladoras e fazem a adição, no caso da Imerys, de soda cáustica, e, no caso da Alunorte, de ácido clorídrico. Uma neutraliza a soda cáustica e a outra neutraliza o ácido sulfúrico.
O problema é que, quando vem a chuva, esses rejeitos, juntamente com o efluente, acabam no rio. Sempre recebemos denúncias da comunidade. Eles fazem fotos da praia que, às vezes, está ou branca ou vermelha. Então, já sabemos o que é quando aparecem essas manchas vermelhas no rio Pará, porque aqui nossas águas são brancas — barrentas — e qualquer alteração é visível pelo pescadores e ribeirinhos.
A Alunorte e a Albras têm o Estudo de Impacto Ambiental - EIA e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental - Rima, e é até possível acessar por meio da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e ver as áreas de atuação e influência da empresa. Mas a Imerys não tem EIA-Rima. É bem difícil entender uma situação dessas: uma empresa que vai produzir milhares de litros de efluentes tóxicos, no caso com bário, corrosivo e também outros metais, se instalar em um lugar próximo a um rio sem qualquer estudo de impacto ambiental. Eles dizem que tem, mas não apresentam. Gostaria de saber o que essa empresa colocou no EIA-Rima sobre o tratamento desse efluente, que só foi começar a ser tratado a partir de 2007 quando houve o rompimento da bacia três. Lembrando: não é tratamento para metais, é tratamento somente para a correção de PH e turbidez.
A partir do momento em que essas empresas se instalam, em 1996, começam a acontecer problemas. Eu estou naquela área desde a década de 1980 — antes da instalação dessas empresas — e vi a evolução da degradação ambiental na região. Nunca havia feito exame da população, esse é o primeiro, mas já fizemos análise dos rios, tanto do rio Gurupi quanto do rio Pará. Fizemos um grande estudo, incluindo a foz do Amazonas, e vimos qual era a situação do rio Pará. Hoje, vemos o alumínio em altas concentrações, e está aparecendo arsênio e mercúrio. Outros estudos têm confirmado a presença de chumbo, de cromo.
Portanto, é uma situação de calamidade pública. Mas por quê? Porque essas empresas parecem não ter compromisso com o meio ambiente, nem com as pessoas que moram ao redor da empresa. Vivem só para ganhar dinheiro e, na medida em que acontece qualquer problema extra, a saída é jogar tudo no rio. Foram descobertos vários canais clandestinos, um grande canal que joga milhares de litros de efluentes sem tratamento no rio. Ainda estamos descobrindo outras coisas por denúncias da população, porque as secretarias de Meio Ambiente não veem nada, não localizam nada. Na verdade, quem localiza são as pessoas, pois elas fazem as denúncias e encaminhamos os responsáveis para verificar o que está acontecendo.
O rio contaminado acaba atingindo também o lençol freático, e a maior parte dessas pessoas consome água de poços rasos, que são recarregados no rio. É como se elas estivessem bebendo diretamente do rio. Os moradores reclamam muito que, quando vão tomar banho, acabam com coceira no corpo. Imagine, é soda cáustica e ácido sulfúrico, duas substâncias que temos de um lado e de outro. Com isso, muitas pessoas estão perdendo o cabelo, várias estão com problemas de pele, muitas crianças e idosos estão com a saúde debilitada. É uma situação terrível que está acontecendo aqui e que vem acontecendo ao longo de 20 anos.
Eu costumo falar com a empresa, porque querem associar esse vazamento com o problema da exposição dos metais pelo estudo que fiz. Descaracterizo imediatamente essa afirmação, falo e repito: essa exposição vem de anos, talvez de décadas, além disso não posso afirmar que é apenas por uma rota. Talvez não seja somente por meio da água de consumo — a água de consumo já avaliei e constatei —, pois já analisei o solo e constatei a presença de chumbo e outros metais. Assim como analisei plantas e peixes e encontrei chumbo nos peixes. A situação é de calamidade pública: temos pessoas morando no local que estão totalmente expostas a várias rotas de entrada de elementos tóxicos.
IHU On-Line — Considerando o tipo de empreendimento existente na região, é possível resolver o problema de contaminação da água na região? O tratamento de rejeitos seria suficiente para evitar a contaminação da água?
Simone Pereira — Tenho algumas hipóteses, umas estão se confirmando, outras não. Estão surgindo coisas muito estranhas que precisam ser confirmadas com mais estudos. Esse é um estudo preliminar apenas de avaliação, não é um estudo completo e é preciso mais análises complementares. Assim, na medida em que não temos as respostas definitivas, posso dizer que a empresa tem responsabilidade, pois nunca se viu tanto alumínio e metal tóxico nos rios. Antes, sempre que avaliávamos a presença de chumbo, cádmio, os resultados eram muito abaixo do que o determinado pela legislação. Situação diferente da de hoje.
Como se resolve essa situação? Apenas com tratamento de efluentes não será possível resolver, porque não é só essa questão. Você tem queima de combustível ali e nesses combustíveis também há metais pesados na sua constituição. Na medida que se queima esse combustível, elementos vão para a atmosfera, se combinam com vapor de água, voltam na forma de chuva e acabam contaminando tudo. Ainda não se fala dessa questão da poluição atmosférica, pois a universidade não tem um grupo de pesquisadores que cuidem dessa área. O meu laboratório cuida da parte dos ecossistemas aquático e terrestre e também humano. Mas com ecossistemas atmosféricos não trabalhamos. Então, como responder essas questões? De onde estão vindo? Qual a origem desses elementos tóxicos? São perguntas que precisam ser feitas. Além disso, quais são as indústrias que estão contribuindo para o aporte desses elementos no meio ambiente? Como isso pode ser respondido?
As indústrias abriram as portas para a universidade? Infelizmente não. Até nos ameaçam quando tentamos alguma entrada. Às vezes, conseguimos que algum procurador dê ordens para que possamos ir até lá fazer coletas, mas eles dizem que não podemos divulgar os resultados, que as análises devem ser feitas com acompanhamento da empresa, uma série de coisas. E, além do mais, eles não podem produzir provas contra eles mesmos.
IHU On-Line — Como o resultado da sua pesquisa tem repercutido tanto entre as empresas que atuam em Barcarena, quanto no poder público e entre os pesquisadores da área da saúde?
Simone Pereira — Esse relatório está sendo finalizado. Quando fiz esse estudo, achei que teria problema com três elementos: o chumbo, o alumínio e o fósforo, já que outros elementos não apareceram em níveis altos — até apareceram, mas não na média de todas as localidades. Assim, pensei que só teria problemas com três elementos, mas, dos 21 elementos pesquisados, 20 deram acima ou do controle ou das referências mundiais. Agora, estou tendo de discutir cada um deles, e numa área, já que estamos falando de humanos, que é a ecotoxicologia. E essa parte da toxicologia médica é uma área em que não atuo. Estou tendo de ler muita coisa, observar, fazer cruzamentos, por isso esse relatório não está concluído.
Minha intenção é entregar o relatório agora dia 16. Isso para que o Ministério Público possa tomar as providências cabíveis nesse caso. Por isso não há repercussão ainda da entrega do relatório, apenas da entrega dos resultados individuais, que foi feita no dia 2 de abril à população. Minha obrigação é com a população e, depois, com o Ministério Público Federal. Mas só o fato de ter entregado os resultados para a população, sem haver nenhum tipo de apresentação mais aprofundada dos estudos, já teve uma repercussão imensa.
Lago contaminado Dona Maria (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Também pedi à Secretaria de Saúde que tomasse as providências e, felizmente, foram tomadas. A partir do dia 17 vão começar a coletar exames de sangue das pessoas. Tudo isso mostra a importância de um estudo desses, embora reconheça que seja realizado com uma pequena parcela da população. O laboratório não tem condição de fazer exames em duas mil pessoas como tem, por exemplo, o [Instituto] Evandro Chagas ou a própria Secretaria de Saúde, que inclusive conta com pessoas da área médica que podem auxiliar nas avaliações. Nós, aqui, não temos ninguém da área médica. Somos um laboratório analítico, não temos como analisar as pessoas, ver como elas estão.
Eu descobri que algumas pessoas que participaram desse estudo já morreram. Ou seja, você se esforça para fazer um estudo e percebe que para algumas pessoas isso foi tarde demais. Esse resultado demorou muito para ser entregue e não tem mais jeito. Conseguem compreender a gravidade disso?
É uma situação muito difícil em que não é possível continuar a não ter o tratamento adequado desses efluentes, não ter o controle efetivo dessas emissões atmosféricas, não ter a garantia que essas bacias estão sendo destinadas corretamente. Se abre uma nova bacia como a DRS 2 sem licença de operação. Como isso é possível? Simplesmente a empresa vai lá e faz sua pressão, não tem licença de operação e começa a jogar lama vermelha ali, sem nenhum estudo e numa área que é de proteção ambiental, que tem várias nascentes de rios importantes daquela região. Absurdos são cometidos com anuência das secretarias de Meio Ambiente que permitem que isso ocorra.
Há dois anos eu recebo denúncias de que estão lá fazendo a bacia sem a licença adequada. Isso foi dito e perguntado e a Secretaria de Meio Ambiente [do Estado] disse que não tinha nada a ver com isso, que era a secretaria de Barcarena que tinha dado a licença, enquanto não é atribuição da secretaria do município conceder licença para nenhum empreendimento no Estado do Pará. Quem tem atribuição é a própria Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Percebe como as coisas acontecem? Quando o poder econômico se junta ao governo e ao poder político, se começa a ver que as pessoas e o meio ambiente são só detalhes.
Eu sou paraense, eu moro aqui e vivo aqui desde que nasci. E não consigo compreender como é que entregam a floresta, entregam nossos rios ao capital estrangeiro. E isso não é papo de comunista e socialista. Até pode entregar, mas entregue com responsabilidade. Querem vir para cá? Venham, pois precisamos de emprego para desenvolver a região, mas com responsabilidade. Se o desenvolvimento sustentável é utopia, eu não sei, mas as indústrias lucram em torno de 300 milhões de reais por ano na venda desse alumínio. Não é possível que não invistam no tratamento. Uma empresa que tem filiais no mundo inteiro não tem como fazer isso?
Quando nos reunimos com o procurador, dissemos que na Bahia há uma central de tratamento de rejeitos. Chegaram a visitar o Polo Petroquímico de Camaçari e ficaram impressionados, depois vieram e propuseram fazer parcerias para criar algo semelhante aqui, mas não conseguiram fazer nada. Essa indústria não quer. Nunca gastaram um único Real com reparação ambiental e com indenização à população do entorno. Mesmo em 2009, quando ocorreu o grande vazamento, o rio Murucupi ficou completamente vermelho, o rio Pará também. A empresa foi processada e o Ibama aplicou uma multa de 17 milhões de reais. E quanto foi pago ao longo desses anos todos? Nada. Repararam o rio? Não. Indenizaram as pessoas, as famílias que vivem do rio? Não.
Sei de um rapaz que estava no rio na hora do vazamento e que nunca mais ficou bom de saúde, até falecer. Já houve outro vazamento, fora esse crime de lançar efluentes sem tratamento por dutos que estamos descobrindo agora e obrigando a que sejam fechados. Mas eles vão deixar de fazer isso? Não vão. Quando voltar a haver chuvas intensas e a coisa apertar, eles jogarão os dejetos novamente. E não são só esses que descobrimos, tem mais. Até porque a população sempre denuncia outros dutos. O diretor da empresa falou que não sabia. Mas como assim? Como você não sabe que existe um duto por onde você joga o excesso de efluentes? É difícil de acreditar.
IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?
Simone Pereira — Estou muito preocupada, porque estou fazendo um estudo da questão do alumínio. Essa substância foi encontrada 27 vezes acima do controle. Tem crianças que estão com índices 300 vezes acima da classificação. Estou fazendo esse estudo sobre o alumínio, que não é um elemento essencial, que não tem qualquer função biológica e que está sendo associado ao mal de Alzheimer. Não há definitivamente um estudo que ateste isso, mas estão apontando para essa questão do sistema nervoso.
Eu, no dia da entrega dos resultados, fiz questão de não olhar nomes, porque muitas daquelas pessoas se tornaram minhas amigas ao longo de 11 anos ali na área. Tem a dona Érica, que vive lá, que tem um filhinho de oito anos de idade e ela fala que ele está caindo. Diz que está de pé e, de repente cai, desmaia. Não é nenhum tipo de doença conhecida, já levou ao médico e não sabe o que é. Ele está com níveis de alumínio 100 vezes acima [do aceitável]. Em estudos específicos, estou verificando que a maior quantidade de alumínio está nos grupos de idosos e crianças. O maior nível de alumínio está numa criança de cinco anos. Esses estudos mais aproximados, quase que estudos de caso, vão ter de ser desenvolvidos.
O chumbo, por exemplo, em 91% da população avaliada está acima do controle. E isso considerando uma população não exposta da Amazônia. Quando se parte para uma população mundial, com estudos que acontecem fora do Brasil, se vê que o nível de chumbo nas amostras de cabelo baixa muito. Aqui, em vez de três vezes acima, se está com seis vezes acima do nível mundial.
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Mineradoras do Pará degradam floresta e contaminam população com metais pesados. Entrevista especial com Simone Pereira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU