Por: Patricia Fachin | 10 Abril 2018
O estudo Contas Econômicas Ambientais da Água, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e pela Agência Nacional da Água – ANA, com o apoio do Ministério do Meio Ambiente, apresentou os primeiros dados de como a água tem sido utilizada no país tanto pelos cidadãos quanto pelas atividades econômicas. Segundo Michel Lapip, economista do IBGE responsável pela pesquisa, os dados demonstram, “de forma integrada, como se usa a água no Brasil, desde sua retirada, consumo e orçamento, ou seja, o quanto se paga por essa água em todas as atividades econômicas. Dessa forma, é possível mapear quem está consumindo a água, quem a está retirando do meio ambiente, como ela está sendo usada, quanto está se pagando por esse uso, quem está lançando a água de volta ao meio ambiente etc. É possível ter um mapeamento completo de todo esse insumo na cadeia”, explica.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Lapip frisa a importância de separar dois conceitos do estudo, o conceito de uso e o de consumo. “O uso é o que chega de água para as atividades econômicas: neste caso pode ser tanto pela retirada por meio da captação própria — retira direto do ambiente — ou pode vir de um setor de abastecimento, por exemplo. E o consumo é a água que chega menos a água que é lançada, essa diferença é o consumo”, diz. Essa distinção é importante para caracterizar como a água tem sido utilizada nos diversos setores econômicos. A energia elétrica, por exemplo, é a atividade que mais utiliza água no país, sendo responsável por 97% do uso. Entretanto, pondera, essa água tem uma característica “não consuntiva, ou seja, ela devolve ao meio ambiente, praticamente com a mesma qualidade, quase toda a água utilizada”. Em relação ao consumo, informa, a atividade agrícola é a que mais consome água. “Se pararmos de falar em uso e começarmos a falar em consumo, a atividade econômica que mais consome água é a agrícola, com cerca de 77%, seguida pela indústria de transformação, com 11%, e depois atividades de água e esgoto, com 7,5%”.
De acordo com Lapip, embora o impacto da retirada de água do meio ambiente seja pequeno, da ordem de apenas 1% em relação aos recursos hídricos disponíveis, “esse dado nos dá a impressão ‘torta’ de que temos água demais, temos abundância em todo o país, mas isso não é verdade”. Ele frisa que isso ocorre “porque a região Amazônica — a região Norte de modo geral — tem um volume de água muito grande, mas outras regiões do país, não”.
Michel Lapip | Foto: IBGE
Michel Lapip é o coordenador da pesquisa Contas Econômicas Ambientais da Água e técnico das Contas Nacionais do IBGE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — O que a pesquisa Contas Econômicas Ambientais da Água, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e a Agência Nacional da Água - ANA, com apoio do Ministério do Meio Ambiente, revela sobre o uso da água no Brasil? Foi possível verificar se o uso da água tem sido eficiente ou não?
Michel Lapip — O estudo é pioneiro no país e é integrado com um sistema de contas tradicionais. Assim, ele utiliza uma metodologia conjunta, de modo que possa coletar dados no sistema de contas. O estudo mostra, de forma integrada, como se usa a água no Brasil, desde sua retirada, consumo e orçamento, ou seja, o quanto se paga por essa água em todas as atividades econômicas. Dessa forma, é possível mapear quem está consumindo a água, quem a está retirando do meio ambiente, como ela está sendo usada, quanto está se pagando por esse uso, quem está lançando a água de volta ao meio ambiente etc. É possível ter um mapeamento completo de todo esse insumo na cadeia.
Esse estudo é muito importante porque essas informações possibilitam que os criadores de políticas públicas identifiquem onde existe falta de recursos e quais são os principais agentes que consomem água, de modo que eles possam criar políticas públicas para se poder fazer um uso racional da água. Apesar de esse ser um bem disponível no nosso dia a dia, e às vezes nos dá a impressão de que ele é renovável, temos que ter consciência de que a água é um recurso finito. Portanto, é preciso fazer uso racional desse recurso.
IHU On-Line — Segundo a pesquisa, o equivalente a 3,2 trilhões de metros cúbicos foram retirados do meio ambiente para as atividades econômicas e o consumo das famílias em 2015. O que esse percentual significa e representa considerando a quantidade de água disponível no território brasileiro?
Michel Lapip — O estudo é feito para o território nacional, mas precisamos fazer algumas observações sobre isso. O Brasil é um país muito grande e tem certas diferenças regionais, inclusive acerca da abundância ou não de recursos hídricos. Sabemos, por outros estudos, que os recursos hídricos são concentrados, principalmente, na região Norte, que possui cerca de 70% do recurso hídrico nacional, e a maior parte da população brasileira não vive na região Norte — cerca de 8,3% da população vive nessa região.
Sendo assim, quando pensamos no consumo da água em nível nacional, chegamos a uma estimativa de que o impacto da retirada é muito pequeno. Em relação à água renovável, retiramos do meio ambiente apenas 1% de água. Esse dado nos dá a impressão “torta” de que temos água demais, temos abundância em todo o país, mas isso não é verdade. Isso se dá porque a região Amazônica — a região Norte de modo geral — tem um volume de água muito grande, mas outras regiões do país, não. O estudo não conseguiu avançar ainda nesse sentido, porém a nível nacional sabemos que o 1% que se retira da água é renovável e 0,5% desse total acaba sendo devolvido para os rios.
IHU On-Line — Especificamente sobre o consumo de água das famílias, a pesquisa revela que cada pessoa usou 108,4 litros por dia em 2015. Esse gasto é excessivo ou normal?
Michel Lapip — Chegamos ao cálculo de que cada pessoa usa 108,4 litros por dia a partir de informações do ano de 2015. A Organização Mundial da Saúde - OMS já publicou que é razoável que cada cidadão tenha de 50 a 100 litros de água por dia a seu dispor para poder fazer suas atividades básicas, como higiene, entre outras. Então, estamos um pouco acima dessa margem, mas o número é razoável.
IHU On-Line — A pesquisa também revela que, a cada R$ 1 gerado pela economia brasileira em 2015, foram consumidos, em média, seis litros de água. Como você interpreta esse dado?
Michel Lapip — Chegamos a essa estimativa de que para cada R$ 1 de valor bruto são consumidos, em média, cinco litros de água. A estimativa é difícil de mensurar em termos de comparação, porque são poucos os países que já fizeram esse estudo, o qual é um estudo pioneiro que a ONU pede para os países realizarem. Como são poucos os países que fazem esse estudo, a comparação de se estamos bem ou mal fica difícil de ser feita. Além disso, é preciso entender que os países são muito distintos.
Se a nossa economia fosse comparada a de um país menor e turístico, o nosso consumo de água seria muito maior do que outros que consomem menos. Se fôssemos uma economia totalmente agrária, o consumo seria muito maior. O ideal para este indicador é acompanhar o próprio país ao longo do tempo. Nos próximos anos, vamos poder acompanhar esse uso da água, e ele vai se tornar mais eficiente com o passar dos anos.
IHU On-Line — Quais são as atividades econômicas que mais utilizam água na sua produção?
Michel Lapip — Primeiro, é importante separar dois conceitos do estudo: um é o conceito de uso e o outro é o de consumo. O uso é o que chega de água para as atividades econômicas: neste caso pode ser tanto pela retirada por meio da captação própria — retira direto do ambiente — ou pode vir de um setor de abastecimento, por exemplo. E o consumo é a água que chega menos a água que é lançada, essa diferença é o consumo. Eu explico essa diferença para entendermos a atividade econômica.
A atividade econômica que mais usa água no país é a de energia elétrica, porque nossa matriz elétrica é muito forte e baseada na energia hidráulica. Isso faz com que, comparadas as atividades econômicas, 97% do uso da água vá para o setor energético. Mas essa água tem uma característica não consuntiva, ou seja, ela devolve ao meio ambiente, praticamente com a mesma qualidade, quase toda a água utilizada. É preciso levar isso em consideração para chegar a outros aspectos do estudo.
Se pararmos de falar em uso e começarmos a falar em consumo, a atividade econômica que mais consome água é a agrícola, com cerca de 77%, seguida pela indústria de transformação, com 11%, e depois as atividades de água e esgoto, com 7,5%.
IHU On-Line — Nessas outras atividades também há um percentual de água devolvido ao meio ambiente, como acontece no caso da energia elétrica?
Michel Lapip — O valor é menor, porque o uso não consuntivo é característico de algumas atividades. O caso da energia elétrica é um exemplo padrão e fácil de compreender, pois a água passa pelas usinas, gira as turbinas e depois desce no leito do rio. Na agricultura não acontece assim, porque há captação, retirada e consumo grande de água e um lançamento menor para o meio ambiente. Agora, algumas atividades têm um consumo maior e outras, menor, dependerá muito de cada atividade.
IHU On-Line — A maior parte da água utilizada nas atividades econômicas vem do setor de abastecimento ou é captada de outras fontes?
Michel Lapip — A principal origem da água para a atividade econômica é o meio ambiente. Se colocarmos a atividade de energia elétrica na conta, 99% da água utilizada em atividades econômicas vem do meio ambiente. Se retirarmos a atividade elétrica da conta e também o setor de água e esgoto, que tem atividades intrínsecas ao uso da água, 73,5% da água ainda assim é retirada diretamente do meio ambiente. A atividade econômica, predominantemente, retira água do meio ambiente ao invés de receber água por meio do setor de abastecimento.
IHU On-Line — Por que é importante para um país elaborar sua conta econômica da água? Como as Contas Econômicas Ambientais da Água podem servir de subsídio para a elaboração de políticas públicas?
Michel Lapip — Nós vimos, nos últimos anos, o que uma crise hídrica pode causar para algumas regiões, como aconteceu nos anos de 2014 e 2015 em São Paulo, que é o maior estado industrial do país e que tem a maior capacidade produtiva. Isso já mostra uma consequência econômica que a falta de água pode causar. De outro lado, a água é um bem necessário para a sobrevivência, então precisamos do uso racional desse recurso. Para isso, o estudo dá informações para mostrar em que medida os usuários estão utilizando essa água, e esses dados podem fomentar políticas públicas para melhorar o uso dessa água.
IHU On-Line — Essa pesquisa terá continuidade ou alguma parceria com o setor público para elaboração de políticas?
Michel Lapip — O estudo foi realizado pelo IBGE em conjunto com a ANA e tem o apoio do Ministério do Meio Ambiente. Esse estudo deve ser bianual e vamos avançar em detalhes, como a regionalização dos dados, para demonstrar as diferenças regionais e apresentar um quadro mais adequado de cada região no sentido de verificar em quais regiões há mais abundância e quais sofrem com a escassez de água.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Michel Lapip — Para nós é importante que os dados dessa pesquisa cheguem à população, para que ela possa discuti-los e cobrar dos políticos para que haja melhor utilização dos recursos hídricos no país.
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A conta econômica e ambiental da água brasileira. Entrevista especial com Michel Lapip - Instituto Humanitas Unisinos - IHU