18 Setembro 2012
“O estado de Mato Grosso foi o recordista de desmatamento nos últimos 15 anos. Tudo isto para produção de soja”, informa a bióloga.
Confira a entrevista.
Entre as propostas de alteração do novo Código Florestal, foi aprovada a redução de 20 para 15 metros da recomposição de APPs em margens de rios. Sobre as implicações desta medida para o Pantanal, a bióloga do Instituto Homem Pantaneiro, Viviane Fonseca Moreira, explica que “o problema da definição de APPs no Pantanal é que elas são variáveis, pelo pulso hídrico da região, o que dá a vida a todo o complexo pantaneiro. Se já não era contido o desmatamento com a metragem de preservação maior (20 metros) reduzir isso será ainda pior para a conservação do bioma. O caso do Pantanal e de outros biomas deveria merecer um tratamento em lei específica. Certamente os interesses dos produtores deverão prevalecer e as medidas de recuperação não atenderão em tempo hábil o processo de recuperação”. Na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line, Viviane ressalta que “o Pantanal é Patrimônio Nacional na Constituição Federal (1988), Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera pela UNESCO (2000), além de uma das maiores áreas úmidas contínuas do planeta. Entretanto, nos últimos anos, as nascentes dos principais rios (Sepotuba, Cuiabá e Paraguai), vêm sofrendo com a degradação ambiental severa decorrente de desmatamentos. Os impactos das atividades externas ao Pantanal são um ameaça ao bioma e a sua biodiversidade”.
Viviane Fonseca Moreira é bióloga do Instituto Homem Pantaneiro, e gestora do Programa de Meio Ambiente, especialista em Ecoturismo e mestre em Estudos Fronteiriços pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais são, hoje, os fatores que mais ameaçam, ambientalmente, o Pantanal? Como a biodiversidade do Pantanal está sendo alterada com o passar dos anos?
Viviane Fonseca Moreira - Os impactos ambientais estão na área de planalto nos afluentes do Paraguai, onde estão localizadas as monoculturas de soja, milho, arroz e a pecuária extensiva, que, em geral, com base no mau uso do solo, promovem desmatamentos provocando erosões nos rios. Um grande problema apontado pela pesquisadora Débora Calheiros (EMBRAPA/PANTANAL), são as usinas hidrelétricas nos afluentes do rio Paraguai. “As hidrelétricas já afetam a principal bacia do sistema, a do rio Cuiabá. Os principais rios dessa bacia possuem hidrelétricas ou estão em construção e a bacia do rio Cuiabá é responsável por 40% das águas do rio Paraguai”. Para se ter noção dos impactos das hidrelétricas nesta região, uma redução de 25 centímetros no nível do rio Paraguai, decorrente de represamento ou eclusas, poderia gerar uma queda de até 22% na área inundada do Pantanal. O fenômeno teria efeito devastador, não só na flora e fauna, mas na própria economia da região. Existe também uma preocupação quanto ao efeito das barragens no trecho do rio onde pode se isolar, parcial ou totalmente, o trecho de um rio ou de outro. (Pierre Girard, 2002). O maior exemplo é a Hidroelétrica do Manso acima de Cuiabá. Ela alterou os processos de cheias no pantanal interferindo nos processos reprodutivos.
IHU On-Line - Quais são as razões do desmatamento na região das nascentes do Rio Paraguai?
Viviane Fonseca Moreira - Segundo dados da imprensa, embora o bioma seja o mais preservado comparando com os biomas nacionais, é, em contrapartida, a segunda região mais atingida pelo desmatamento. Muitas das ameaças graves ao Pantanal são de origem externa, ocorrendo nas regiões das cabeceiras, como o desmatamento da vegetação riparia, erosão de solo e consequente sedimentação dos rios, barragens para a geração de energia e poluição por agroquímicos, utilizados na agricultura de larga escala. Todos estes processos ocorrem pontualmente em áreas de planalto, mas afetam todo o sistema de áreas úmidas na planície, reforçando a ideia de conexão ecológica entre estas duas unidades. Desta forma, toda a Bacia do Alto Paraguai deve ser considerada como a unidade de planejamento ambiental, principalmente em relação aos ecossistemas aquáticos. O estado de Mato Grosso foi o recordista de desmatamento nos últimos 15 anos. Tudo isto para produção de soja. O desmatamento das cabeceiras deu-se em razão exclusiva da agricultura. As nascentes do rio Paraguai, Sepotuba e Cuiabá lamentavelmente não estão protegidas como unidades de conservação. Isto foi alertado há 20 anos no projeto Prodeagro do Banco Mundial que colocou inclusive recursos para estas aquisições. Segundo o PRODES / INPE, que acompanha anualmente a taxa de desmatamento, o Estado de Mato Grosso, mesmo havendo uma redução nos últimos anos na taxa de desmate, é juntamente com o Pará um dos estados que mais desmata. O que é demonstrado pela tabela e gráfico a seguir.
IHU On-Line - Por que somente agora o Ministério Público irá investigar os casos de desmatamento na região?
Viviane Fonseca Moreira - A Procuradoria de Mato Grosso do Sul somente foi alertada agora deste problema. Lamentavelmente o Ministério Público de Mato Grosso não tinha conhecimento. Acreditamos que haverá um alinhamento de ações entre as duas procuradorias.
IHU On-Line - Em que outras regiões predominam o desmatamento?
Viviane Fonseca Moreira - Em vários trechos do rio Paraguai a problemática nas margens é visível e isso está relacionado ao aumento da área agrícola e pastagem. Com o solo exposto é possível identificar as áreas de desmatamento o que possibilita a consequências graves de erosão na calha do rio, porém ainda não se sabe exatamente os efeitos provocados por esse uso no ecossistema.
IHU On-Line - Confirma-se o uso de agrotóxicos nas culturas agrícolas e, consequentemente, a contaminação dos rios pantaneiros?
Viviane Fonseca Moreira - Não temos dados suficientes para afirmar isso. O Instituto Homem Pantaneiro - IHP em conjunto com o SENAI – RJ está delineando um projeto para monitoramento da qualidade da água do Rio Paraguai. A EMBRAPA Pantanal deve ter informações e estudos sobre este item.
IHU On-Line - Entre as propostas de alteração do novo Código Florestal, foi aprovada a redução de 20 para 15 metros da recomposição de APPs em margens de rios. Quais as implicações desta medida para o Pantanal?
Viviane Fonseca Moreira - O problema da definição de APPs no Pantanal é que elas são variáveis, pelo pulso hídrico da região, o que dá a vida a todo o complexo pantaneiro. Se já não era contido o desmatamento com a metragem de preservação maior (20 metros) reduzir isso será ainda pior para a conservação do bioma. O caso do Pantanal e de outros biomas deveria merecer um tratamento em lei específica. Certamente os interesses dos produtores deverão prevalecer e as medidas de recuperação não atenderão em tempo hábil o processo de recuperação.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Viviane Fonseca Moreira - Consideramos extremamente importante para manutenção do fluxo hidrológico da Bacia do Alto Paraguai e, consequentemente a qualidade dos processos ecológicos do Pantanal, a proteção e recuperação de áreas que incluam as nascentes do Rio Sepotuba, Cuiabá e Paraguai. Vale ressaltar que o Pantanal é Patrimônio Nacional na Constituição Federal (1988), Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera pela UNESCO (2000), além de uma das maiores áreas úmidas contínuas do planeta. Entretanto nos últimos anos as nascentes dos principais rios (Sepotuba, Cuiabá e Paraguai), vêm sofrendo com a degradação ambiental severa decorrente de desmatamentos. Os impactos das atividades externas ao Pantanal são um ameaça ao bioma e a sua biodiversidade. O numero de espécies no Pantanal é significativo e deveria merecer atenção do governo federal. Existem rios, como o Taquari, onde a perda é irreversível. Outro aspecto a destacar é que a falência da atividade tradicional e da cultura pantaneira representa de fato a maior ameaça para a parte interna do Pantanal. Este homem e sua atividade econômica foram durante 300 anos determinantes para conservação de inúmeras espécies e esta atividade hoje está condenada pela falta de incentivos e apoio do governo.
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Pantanal: um bioma ameaçado pelo desmatamento. Entrevista especial com Viviane Fonseca Moreira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU