06 Junho 2012
“A crise representa um perigo à unidade da Europa, em particular por causa da política da senhora Ângela Merkel, a premier da Alemanha, que faz uma política contra o interesse da União Europeia”, declara o economista italiano.
Confira a entrevista.
Em 1944, delegados membros de 44 nações se reuniram no Mount Washington Hotel, em Bretton Woods, para estabelecer as regras de funcionamento do sistema comercial e financeiro internacional entre os países mais industrializados do mundo. O encontro deu origem ao Acordo de Bretton Woods que, entre outras coisas, estabeleceu o dólar como moeda internacional.
Hoje, quase sete décadas depois, as soluções para a crise econômica e política dependem da realização de um novo acordo que defina as regras financeiras internacionais a serem seguidas daqui para frente, avalia o economista italiano Stefano Zamagni. “Não é possível que esse conselho seja formado apenas por representantes dos países ocidentais. Devem participar representantes de vários países, inclusive dos Brics [1], e o Brasil é o primeiro desse grupo de países que deve tomar decisões junto com os outros”, assegura.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Zamagni também analisa as consequências da crise na Europa, especialmente na Itália, e menciona que as maiores implicações são em relação ao desemprego, pois o país ainda possui uma economia real forte. “Este é um verdadeiro perigo, porque o desemprego não é distribuído entre a população; ele está concentrado entre os jovens. E quando os jovens ficam desempregados, conhecemos as consequências”, alerta.
Com um extenso currículo, o economista italiano Stefano Zamagni (foto abaixo, quando este esteve no IHU, 05-06-2012) recentemente ganhou destaque mundial por ter sido um dos principais consultores e assessores do Papa Bento XVI na redação da encíclica Caritas in Veritate, publicada em 2009, acerca do “desenvolvimento humano integral”.
Zamagni esteve no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, na manhã de ontem, onde ministrou a palestra Crise Econômica Global e a Economia Civil - possibilidades e desafios.
É professor da Universidade de Bolonha, na Itália, e já lecionou na Universidade de Parma e na Universidade Comercial Luigi Bocconi, em Milão. Desde 1991, é consultor do Conselho Pontifício “Justiça e Paz”, do Vaticano, e, entre 1994-1995, foi membro do comitê de iniciação da Pontifícia Academia das Ciências Sociais. É autor de inúmeros livros, dentre os quais destacamos Microeconomia (Ed. II Mulino, 1997), Profilo di Storia del Pensiero Economico (Ed. Nuova Italia Scientifica, 2004), Per una Nuova Teoria Economica della Cooperazione (Ed. Il Mulino, 2005) e L'Economia del Bene Comune (Ed. Città Nuova, 2007). Em português, publicou recentemente Economia Civil: Eficiência, Equidade e Felicidade (Ed. Cidade Nova, 2010), com coautoria de Luigino Bruni.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os efeitos políticos e econômicos da crise na Europa, especialmente na Itália?
Stefano Zamagni – As consequências são muito sérias. Primeiro, porque a crise representa um perigo à unidade da Europa, em particular por causa da política da senhora Ângela Merkel, a premier da Alemanha, que faz uma política contra o interesse da União Europeia. Hoje em dia a Alemanha é um país muito desenvolvido e não tem a necessidade de defender a Comunidade Europeia.
Segundo, porque se trata também de uma crise política, uma crise de lideranças. Hoje, não existem líderes políticos capazes de adotar uma estratégia cooperativa entre os países. Tudo isso é, obviamente, amplificado em um país como a Itália, que tem um governo técnico, e não um governo político no sentido próprio da palavra. Isso significa que a classe política não é capaz de indicar uma mudança. Essa é a razão pela qual a sociedade civil da Itália, ou seja, associações, fundações e a Igreja, buscarão uma medida para sair da crise. Veremos que daqui alguns meses irá se produzir algo de novo na Itália. Estou seguro de que em setembro ou outubro algo de importante será produzido, porque a situação presente não é sustentável.
Enfim, a crise tem uma implicação maior sobre o ponto de vista do desemprego. Existem muitos desempregados na Europa, e também na Itália. Este é um verdadeiro perigo, porque o desemprego não é distribuído entre a população; ele está concentrado entre os jovens. E quando os jovens ficam desempregados, conhecemos as consequências. Então, diria que no caso da Itália não há problema em relação à economia real, da estrutura econômica, porque a estrutura econômica é muito forte, mas a estrutura financeira é fraca. Esse é um ponto de diferença em relação à Espanha, Grécia e Portugal, os quais não têm uma estrutura econômica real.
IHU On-Line – A Comunidade Europeia surgiu com o objetivo de unir os países do bloco europeu, mas por conta da crise os países se dividem e as economias mais fortes defendem a austeridade fiscal. Qual a melhor medida a ser tomada em relação ao euro?
Stefano Zamagni – Ainda não é possível avaliar o futuro do euro. É preciso aguardar umas duas semanas, porque o Conselho Europeu tem de tomar uma decisão muito importante em relação a ele. Estou otimista porque acredito que o Conselho irá tomar uma decisão em favor da manutenção da moeda, visto que ninguém quer que a Grécia abandone a União Europeia. Até porque essa atitude seria perigosa do ponto de vista econômico, cultural e político. Especialmente na Itália e na Espanha, as associações da sociedade civil estão pressionando os governos para obterem esse resultado em favor do euro.
IHU On-Line – O senhor concorda com as visões neokeynesianas de que é preciso regular o mercado? Como deveria ocorrer a regulação?
Stefano Zamagni – Essa é uma questão fácil de compreender, mas difícil de aplicar, porque vivemos no período da globalização. Quer dizer, o mercado hoje em dia é global e sua política é universal. Mas as autoridades políticas são racionais. Então, alguns dizem que essa situação não é sustentável, porque os mercados e as economias globais não conseguem se autorregular.
Temos a necessidade de realizar uma reunião como a que aconteceu em 1944, quando o Bretton Woods [1] deu início à regulamentação internacional. Entretanto, tem-se que ter a seguinte condição: a de que não é possível ser esse conselho formado apenas por representantes dos países ocidentais. Devem participar representantes de vários países, inclusive dos Brics [2], e o Brasil é o primeiro deste grupo de países, que deve tomar decisões junto com os outros. Esta é a grande novidade hoje.
IHU On-Line – Filmes como Inside Job e Margin Call mostram que economistas que eram professores na academia sabiam da existência da crise. Como o senhor vê o comprometimento dos economistas acadêmicos neste caso?
Stefano Zamagni – Hoje em dia, os economistas acadêmicos estão divididos em dois grupos: um grupo é particular da Escola de Chicago; são os neoliberais, que defendem a ideia de que o mercado tem a capacidade de se autorregular, e não há necessidade de as autoridades o regularem. Esse grupo é muito perigoso, porque não tem razão e sustenta uma ideologia perigosa.
O outro grupo de economistas, como Paul Krugman, dos EUA, dizem que o mercado não tem a capacidade de se autorregular e, portanto, há a necessidade de realizar o que chamam de um novo Bretton Woods. Estou seguro de que em curto prazo a segunda escola irá avançar, porque a primeira escola não tem capacidade de conseguir resultados.
IHU On-Line – A partir da sua compreensão de economia civil, como é possível pensar alternativas para a crise internacional atual?
Stefano Zamagni – O paradigma da economia civil é uma forma de teoria econômica que considera um princípio de reciprocidade como essencial ao bom funcionamento do mercado. Mas a diferença está só aqui. A economia neoliberal considera que é suficiente a existência do Estado e do mercado. Para a economia civil, há a necessidade de ter o Estado, o mercado, mas também uma sociedade civil organizada. Isso tem um impacto muito grande sobre o princípio da democracia.
Temos de organizar a democracia novamente, pois não é suficiente votar a cada quatro anos. Há a necessidade de a população e as associações da sociedade civil se organizarem. Depois, há a necessidade de que as empresas que operam o mercado passem a considerar a sua responsabilidade, o que chamo de responsabilidade social da empresa. Porque não é possível aceitar que as empresas não se responsabilizem sobre o meio ambiente, sobre os trabalhadores etc. Estou convencido de que a perspectiva da economia civil irá se desenvolver futuramente.
IHU On-Line – Mas de que modo a economia civil pode dialogar com a ecologia? Ou uma economia civil também é antropocêntrica?
Stefano Zamagni – Nunca será possível desenvolver o problema ecológico se não considerarmos a perspectiva da economia civil, porque o princípio básico da economia civil é o princípio de reciprocidade. O que é o problema ecológico? É um problema de reciprocidade entre a geração presente e a geração futura, entre a natureza e os homens que vivem na sociedade. Este é o ponto fundamental. E se não temos a capacidade de veicular o conceito de reciprocidade, o problema ecológico não será resolvido.
IHU On-Line – Hoje, o mercado tomou as rédeas da política, colocando em crise as instâncias supranacionais. Nesse contexto, é possível realmente estabelecer uma “autoridade pública global” com autoridade?
Stefano Zamagni – Tudo depende de como se interpreta a autoridade. Existem duas interpretações: governantes e governança. Necessitamos de uma governança, não de governante. Mas quando se fala de autoridade política, este é um conceito ambíguo. Por isso há de se especificar o que é governança. Temos de especificar o que se quer. Se se entende uma autoridade no sentido da governança, minha resposta é sim, é possível estabelecer uma autoridade global. Mas se se entende no sentido de governante, minha resposta é não.
NOTA
[1] Brics: grupo político de cooperação formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China, e África do Sul. Não se trata de um bloco econômico ou uma associação de comércio formal, como no caso da União Europeia, mas os países membros do Brics, por seu crescente poder econômico, se reunem para ter maior influência geopolítica. Desde 2009, os líderes do grupo realizam cúpulas anuais.
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"Necessitamos de uma governança, não de governante". Entrevista especial com Stefano Zamagni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU