15 Novembro 2009
O professor da Unidade de Ciências da Comunicação da Unisinos, Bruno Lima Rocha, vê uma importância relativa na Conferência Nacional de Comunicação, “proporcional à capacidade de nossas esquerdas a assumirem como sua pauta, de compreenderem o direito à informação, comunicação e cultura”. Ao mesmo tempo, ele vê a “lucidez (tantas vezes ausente) ao compreender que a garantia e a ampliação desse direito não passa tanto por forçar o diálogo com o empresariado (...), mas por construir uma agenda de luta onde todos participem pela construção dos sistemas público-estatal e principalmente, do público-não estatal”.
Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, para a IHU On-Line, Bruno declara que “se os participantes da conferência compreenderem que a política é um jogo de arenas múltiplas, simultâneas e com tempos distintos; se os setores do movimento de comunicação não abandonarem suas pautas históricas em função de algum oportunismo tático (e limitado, por consequência), então a Conferência terá sua relevância”.
Bruno Lima Rocha possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e mestrado e doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Atualmente participa de três grupos de pesquisa: Emerge (UFF-IACS), Nupesal (UFRGS-IFCH) e Cepos (Unisinos- PPG em Comunicação). Atualmente, é professor na graduação da Unisinos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais os principais pontos que devem ser discutidos na Conferência Nacional de Comunicação?
Bruno Lima Rocha - Entendo que os pontos mais relevantes são aqueles que atingem a formação e definição regulamentar dos três sistemas de comunicação previstos na Constituição de 1988. A saber, os sistemas público, privado e estatal. Precisamos definir conceitos e formas de funcionamento. Por exemplo, definir o conceito de público-estatal e, por consequência, defender o funcionamento das TVs educativas como o modelo da BBC, onde o conselho da entidade (da fundação mantenedora, por exemplo), seja soberano em relação ao governo de turno. O mesmo deveria acontecer no funcionamento do sistema público não-estatal, cujo embrião de funcionamento está sendo construído nas rádios comunitárias. Outro fator importante é debater os limites da publicidade, em especial os seus apelos. Por exemplo, as crianças e jovens estão muito expostos a apelos publicitários de tipo abusivo. É preciso ultrapassar os limites da autorregulação do capital (através de conselhos de propaganda ou a pretensão da ANJ, da Abert e companhia) de discutir a portas fechadas conteúdos que podem implicar nos destinos da sociedade brasileira. Nesse sentido, é fundamental modificar o padrão de concessão de outorgas (via Casa Civil e indicação da cota parlamentar), para retomar o combate à representação - definindo a proibição de que parlamentares sejam donos ou sócios de emissoras de rádios e TVs –, além de modificar o mecanismo que retira e não renova as outorgas. É um absurdo o país ter como rito a exigência de votação nominal de dois quintos quando a maior parte das votações do Congresso se dá por acórdão de colégio de líderes ou no rito secreto (como para a cassação de um colega). Outros pontos relevantes são os que giram em torno da universalização da banda larga. Vejo como urgente a aplicação dos recursos contingenciados do FUST e do FUNTEL na implantação de sistemas de Info Vias Públicas de alta performance. O modelo preferencial seria através da tecnologia Wimax, onde há tecnologia abundante no país e sem passar pela concessão para as transnacionais de telecomunicações. Mesmo não sendo uma conferência vinculante, esta é a primeira de provavelmente várias, de modo que os conceitos agora debatidos em planos mais genéricos podem se transformar em leis complementares dos artigos da Comunicação Social na Constituição.
IHU On-Line - Qual a importância de realizar esse evento pela primeira vez no Brasil?
Bruno Lima Rocha - Vejamos os processos como são, e não como aparentam ser. Na etapa em que a luta popular se encontra marcada pela confusão e com a presença marcante de um governo aliado de setores inimigos históricos dos setores populares organizados, é importante marcar uma pauta e debates públicos. Mas, por outro lado, vivemos uma era onde muito se discute entre especialistas e termina-se por aceitar as condições estabelecidas, evitando a luta direta. O problema é que não há outra forma de arrancar conquistas ou mesmo garantir os direitos adquiridos do que praticar a organização social de base e acumular força em projetos de poder com o povo como protagonista. Isto implica em luta e conflito para alargar as margens de manobra nas conjunturas e modificar, em parte, estruturas de dominação.
Ou seja, se os participantes da conferência compreenderem que a política é um jogo de arenas múltiplas, simultâneas e com tempos distintos; se os setores do movimento de comunicação não abandonarem suas pautas históricas em função de algum oportunismo tático (e limitado, por consequência), então a Conferência terá sua relevância. Como momento histórico, tem lá sua importância, mas seria mais relevante a luta popular pelo Sistema Brasileiro de TV Digital, que se deu entre 2005 e 2006 e o povo perdeu. Fomos derrotados pelo governo e seu ministro Hélio Costa, homem de confiança do grupo empresarial líder do oligopólio. Não por acaso nós perdemos para um projeto entreguista e que atende à Rede Globo e a sua sócia, a NEC japonesa. E não podemos esquecer, agora, a luta dos comunicadores de rádios comunitárias e a comunidade científica em defesa do Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD). Vejo assim, uma importância relativa, proporcional à capacidade de nossas esquerdas a assumirem como suas pautas, de compreenderem o direito à informação, comunicação e cultura; e, ao mesmo tempo, a lucidez (tantas vezes ausente) ao compreender que a garantia e a ampliação desse direito não passa tanto por forçar o diálogo com o empresariado (tanto o nacional dos radiodifusores como as transnacionais das telecomunicações, onde se inclui a OI), mas por construir uma agenda de luta onde todos participem pela construção dos sistemas público-estatal e, principalmente, do público-não estatal.
IHU On-Line - Qual a relevância e o peso do Intervozes, considerando que são poucas pessoas no país?
Bruno Lima Rocha - Esta pergunta retrata a carência de quadros e militantes experientes na base do movimento. O Intervozes é um exemplo de um grupo coeso, muito bem formado, com coerência interna e ativistas líderes legítimos. Infelizmente, e aí está a discrepância, a opção desses ativistas é pela via da pressão institucional, muitas vezes, autorreferenciada e que termina por substituir representações com bases sociais reais, ainda que sem o preparo deles. O paradoxo é tão grande, e esta crítica é fraterna e não destrutiva, que se os ativistas do Intervozes decidissem militar socialmente com a mesma profundidade como executam suas formulações e transitam por espaços institucionais ou semi-institucionais, este coletivo seria a maior força política do movimento de comunicação. Eles poderiam, até com certa tranquilidade, animar algumas Abraços estaduais (associações de radiodifusão comunitária) e talvez até sindicatos de jornalistas (onde, de fato, têm um pouco mais de presença). O problema de fundo não é endemoniar o Intervozes, mas sim avaliar o equívoco da estrutura desse movimento. Ao contrário dos países “hermanos”, onde a comunicação popular latino-americana é marcada pela presença de setores de base e radicalizados, o Brasil ainda se restringe a especialistas de tipo profissional, acadêmico ou militantes do setor com décadas de experiência. Entendo que esta experiência deva estar a serviço do movimento popular, participando de instâncias amplas (como a Abraço-RS) e aí o acúmulo se transforma em energia para militar na base do movimento, produzindo conteúdo, peleando como jornalista ou produtor cultural, criando audiovisual alternativo e brigando para politizar e complexificar o lazer dos trabalhadores.
IHU On-Line - Como avalia as sete propostas das centrais sindicais?
Bruno Lima Rocha - Pelo que li e vi, as sete propostas são muito corretas, embora bastante genéricas. Entendo que o movimento sindical e seus recursos deveriam ser aplicados desde agora na construção da rede pública não estatal, fortalecendo a mídia popular e interrompendo os gastos e publicidade na mídia corporativa. Enquanto essa ação não se der, e simultaneamente passem a ver a comunicação social como elemento estratégico para a construção de um poder que surge debaixo, teremos o duplo discurso. Perante o governo de turno, os dirigentes de sindicatos demandam pautas legítimas. E, diante da decisão de executar os recursos obtidos com a contribuição sindical e o imposto taxado do trabalhador, terminam por atender interesses imediatos e de pouca ou nenhuma visão de longo prazo. Enfim, as propostas são genericamente corretas, mas estas entidades devem executá-las em suas internas também. São elas:
1. Fortalecer a rede pública de comunicação;
2. Estabelecer um novo marco regulatório para o setor;
3. Fortalecer as rádios e TVs comunitárias e combater a repressão do Estado a essas mídias;
4. Ampliar e massificar a inclusão digital, com banda larga para todos;
5. Fixar novos critérios para a publicidade oficial;
6. Elaborar novas formas de concessão pública;
7. Exercer controle social.
IHU On-Line - Quais os caminhos para fortalecer a rede pública de comunicação?
Bruno Lima Rocha - Tenho de ter a modéstia de compreender que o problema é mais complexo do que a opinião individual de alguém. Mas refletindo (e compartilhando de forma coletiva nos espaços onde milito ou trabalho, como é o caso da Unisinos e do Grupo Cepos), vejo que há um déficit de formação e motivação. O fortalecimento da rede pública de comunicação passa por reconhecer o modelo hegemônico, a linguagem do poder que reproduz relações injustas, e buscar fazer o oposto. Como respondi acima, passa pela definição do conceito de público-estatal (com vocação educativa e sob controle dos conselhos); de estatal, que conformaria a mídia dos poderes (como a TV Justiça ou a NBR, que serve ao Poder Executivo) e diferente de ambas, do sistema público não-estatal. É preciso definir em termos de conceitos para saber do que estamos falando e pelo que uma parte dos brasileiros e brasileiras está dedicando suas vidas para ajudar a construir. Nesse sentido, fortalecer a rede (ou melhor, as redes) pública implica em financiamento, formação e controle. Financiamento viria de fundos soberanos destinados ao fomento desses sistemas, e não necessariamente pela publicidade de governo com recurso de Estado. Particularmente vejo que as redes públicas não devem atender às necessidades de proselitismo de governos de turno. É necessário arrancar recursos permanentes, e, ao mesmo tempo, esvaziar o caixa das mídias privadas com a destinação de verbas estatais somente para a mídia pública estatal e pública não-estatal.
O controle passa pelo estabelecimento de conselhos de comunicação social em municípios e estados, além de reformular a representação (hoje torta) no conselho nacional de comunicação social. Nesse item, a Lei Federal 9612/98 que regula (de forma chula e incompleta) as emissoras comunitárias tem muito a aportar. A exigência de se constituir conselhos comunitários e a eleição de diretorias eleitas mediante assembleias, sendo que nestas associações qualquer cidadão pode entrar como sócio (em tese, pois ainda há muito controle), marca um caminho de participação popular através de setores minimamente organizados. Por fim, a rede se fortalece não atuando e nem reproduzindo os formatos do padrão tecno-estético hegemônico, cujo modelo mais conhecido é o da Rede Globo, agora seguido de perto pela Rede Record. Não podemos nunca, jamais, reproduzir este modelo (e isto ocorre todo o tempo!) nas chamadas mídias alternativas e populares sob o risco de recebermos contrabando ideológico sem sequer compreender o que se passa. Neste item, entra a formação para a rede pública, a vocação do jornalismo para os interesses coletivos, pela pulverização do poder decisório em sociedade, e não a reforçar as estruturas de poder já existentes como vemos na mídia comercial.
IHU On-Line - O que deveria fazer parte de um novo marco regulatório para o setor da comunicação no Brasil?
Bruno Lima Rocha - Este marco, como já disse antes, deve reconhecer a existência – de fato e não apenas de direito – dos três sistemas, sendo que o estatal tem diferenças de mídia de poderes para mídia pública estatal. Além da regulação dos sistemas, é necessário compreender o momento de transição tecnológica que vivemos. A convergência digital implica em transformar todos os conteúdos em códigos binários e podem ser carregados e enviados de forma não física. Isto implica em que todos – em tese – se minimamente alfabetizados na produção midiática, podemos nos tornar possíveis produtores de conteúdo.
Desse modo, vejo que é fundamental rever o conceito de comunicação e de telecomunicações, de modo a compreender o papel que as transnacionais têm na oferta de serviços de comunicação mediante concessão do Estado e, por isso mesmo, fazer o possível para evitar a sua influência na sociedade brasileira e menos ainda permitir que estas corporações produzam e distribuam conteúdo por cabo, satélite, MMDS ou radiofrequência (Rádio ou TV). O novo marco regulatório passa pelo controle das verbas de publicidade do Estado brasileiro em seus três níveis de governo e, também, a garantia de decisões ágeis para o direito de resposta dos setores afetados pelas coberturas ou produções de sentido das mídias corporativas (grupos econômicos que também operam como “partido” político).
IHU On-Line - As universidades têm se mostrado preparadas a contribuir com a formulação de políticas públicas de comunicação?
Bruno Lima Rocha - Sim e não. Sim na enormidade do campo de estudos da comunicação social no Brasil. O país tem uma academia pujante nestes estudos e com uma capacidade razoável de influência no movimento. E não porque as universidades pecam em três aspectos.
Primeiro, em geral, reproduzem a miragem do mercado de trabalho, muito escasso e sem vagas para a maior parte dos egressos das habilitações de comunicação social. Essa falta de postos de trabalho e a censura em que impera nos meios privados deveriam orientar os cursos para formar para os três sistemas. Segundo, porque a formação é cada vez mais voltada para supostas “técnicas” quando na verdade nossos estudantes deveriam ter um mergulho de conteúdo nas ciências humanas em geral, de modo que possam compreender a sociedade que elas e eles irão intermediar, narrar e interpretar. Terceiro, porque os meios de comunicação das universidades como um todo terminam por reproduzir formatos, hierarquias, funcionalidades de uma empresa de tipo capitalista. Isto gera um efeito terrível que, junto da autocensura, fortalece a concepção da comunicação social como um negócio – que por sinal – como todo negócio no Brasil, vive de sua relação com o Estado brasileiro e seus favorecidos. Se aproximássemos a formulação da academia com a produção midiática dos meios de comunicação das universidades, teríamos o laboratório e a semente dos modelos para as redes públicas que tanto lutamos.
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"’É fundamental rever o conceito de comunicação’’. Desafio da 1ª Confecom. Entrevista especial com Bruno Lima Rocha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU