13 Julho 2009
Em maio deste ano, foi posto abaixo o monumento-oratório criado em homenagem à figura de Sepé Tiaraju na cidade de São Gabriel/RS. Uma das responsáveis pela construção deste monumento foi a família Abib, que vive há muitos anos neste município. A IHU On-Line entrevistou por e-mail Guilherme Abib, um dos integrantes desta família, que tem muito apreço e respeito pelo povo Guarani. Ele falou sobre como a derrubada do oratório pelo Poder Municipal de São Gabriel repercutiu dentro de sua família e entre o povo da cidade. “As pessoas ficaram perplexas, sem entende o motivo, pois a própria prefeitura, a pedido da proprietária da área onde estava o Oratório, usava-o para divulgar o município pelo Brasil e mundo afora”, disse.
Guilherme Abib é arquiteto.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Para sua família, que apoiou a construção do oratório à Sepé Tiaraju, quais as repercussões da derrubada desse monumento?
Guilherme Abib – A questão não se limita ao fato de minha família ter apoiado e até mesmo construído o monumento Sepé Tiaraju. A questão é que, para o povo indígena Guarani, o monumento tinha uma expressão muito forte e sua derrubada atinge este povo que já sofreu e ainda sofre muito.
IHU On-Line – Em que circunstância o oratório-monumento foi criado?
Guilherme Abib – O Oratório foi criado para comemoração dos 250 anos da morte de Sepé Tiaraju, quando foram realizados três dias de oficinas, shows com músicos missioneiros e peças teatrais, ocorrido naquele espaço onde historicamente é conhecido como local da morte de Sepé.
IHU On-Line – Qual o envolvimento da sua família com a história de Sepé Tiaraju?
Guilherme Abib – Nossa família tem admiração pelo povo indígena, respeito por sua história e identidade.
Monumento quando ainda não havia sido derrubado |
Acima de tudo, por ser um povo que deixou de ser livre, na medida em que foi dominado e roubado, assemelhando-se com a grande massa de pessoas que não índios vivem hoje, sob o mesmo domínio dos sucessores daquela classe dominante. Dentre meus antepassados, tive um tio – Miguel Abib –, que foi irmão jesuíta, inclusive está enterrado em São Leopoldo-RS, no cemitério dos jesuítas, o que demonstra que nossa identificação com os índios vem desde outras gerações. Meu tio trabalhou por longa data junto à missão indígena de Diamantino, no Norte do Mato Grosso. Também tivemos um tio, padre jesuíta – Francisco Abib – professor de Teologia, que nos fornecia materiais literários relacionado com as missões jesuíticas, fruto de pesquisas originadas da Biblioteca do Colégio Cristo Rei de São Leopoldo.
Nosso envolvimento com a História de Sepé Tiaraju se dá por lutarmos pela não opressão do povo pela ganância de poucos, como objetivava Sepé Tiaraju e os ensinamentos de Deus.
IHU On-Line – O que significa, para sua família, a derrubada do oratório à Sepé Tiaraju? Vocês creem na chance da reconstrução?
Guilherme Abib – Cremos não só na reconstrução do oratório, mas em muitas outras obras que serão construídas em São Gabriel. As coisas são entrelaçadas entre si. Nenhum fato é isolado. Em São Gabriel, dizia-se que nenhum sem-terra se assentaria no município. Hoje, são em torno de 24 mil hectares destinados para reforma agrária, com cerca de mil e duzentas famílias. Cito este exemplo, para demonstrar que existem coisas que nós acreditamos sem saber explicar com exatidão, mas elas acontecem, como o exemplo que acabei de dar em que nós desde o começo acreditamos e apoiamos.
IHU On-Line – Como o povo de São Gabriel reagiu à derrubada?
Guilherme Abib – As pessoas ficaram perplexas, sem entender o motivo, pois a própria prefeitura, a pedido da proprietária da área onde estava o oratório, usava-o para divulgar o município pelo Brasil e mundo afora. Inclusive, consta, na nova Lei do Plano Diretor, como monumento de interesse cultural, sendo usado até mesmo como cartão postal de São Gabriel. No entanto, sem procurar os responsáveis pela sua construção – diversas pessoas como o Irmão Cechin –, resolveram destruir o monumento, numa total falta de respeito pelo povo Guarani.
IHU On-Line – São Gabriel é conhecida como a cidade do latifúndio. Sua família tem uma história de luta, tem na memória a história e o exemplo de Sepé Tiaraju, lutam junto aos movimentos sociais. Como vocês veem o desenvolvimento da cidade e como se sentem vivendo nela?
Guilherme Abib – Nossa família é constituída do pai, da mãe e sete irmãos, um já falecido. Destes, há dois irmãos que residem em outros municípios.
Nos sentimos bem em morar em São Gabriel. Claro que, assim como recebemos apoio por parte de algumas pessoas por nossa posição declarada de apoio aos movimentos sociais, existe, por parte de outras pessoas, uma certa perseguição, fruto da inveja, raiva e outros sentimentos que carregam consigo. Normalmente, estas pessoas possuem estes sentimentos, não só em relação a nossa família, mas com tudo a que se contrapõem. Então, entendemos que são pessoas raivosas e sem ideologia concreta, merecendo apenas nosso sentimento de pena pelo que diariamente pensam e carregam consigo, mais pena ainda de seus filhos que ficam condicionados a conviver com tais sentimentos.
É de se salientar que existe, na cidade e fora dela, por interesse de alguns, uma falsa impressão, explico: primeiro que estas pessoas ditas ruralistas, não se confundem com os produtores rurais, pois, estes estão divididos em dois grupos: 1) proprietários de terras que de fato nela produzem e; 2) arrendatários de terra que hoje somam tranquilamente mais de 80% da produção no município. Assim, o primeiro grupo – proprietários/produtores – não está preocupado com o barulho dos ditos ruralistas, pois, de fato são produtores. Já o segundo grupo – arrendatários – é, na grande maioria, explorado pelos tais ruralistas, mas sabem que o fato de terem terra para arrendar se deu pelo reflexo da reforma agrária. Quando os latifúndios improdutivos precisaram criar índices minimamente aceitáveis de produção, procuraram os colonos – na maioria da metade Norte do Estado – para que em suas terras produzissem, claro, sob forte arrendamento. Portanto, mesmo que sufocados e proibidos de falar, estes verdadeiros produtores são gratos à reforma agrária, muitos deles hoje assentados, pois assim determina a Lei. Quem lá produz e arrenda, lá ficará com seu lote, ou seja, a reforma agrária não só desconcentra como é socialmente inclusiva.
Retirando os dois grupos de que falei acima, sobram os ditos ruralistas, composto por alguns latifundiários que não produzem, políticos que com eles gritam em proveito próprio e outras pessoas sem identidade definida que andam juntas para fazer barulho e elevar o ego dos ditos ”ruralistas”, conhecidos popularmente como “puxa-sacos”.
Portanto, levando em consideração a questão de como vivemos na cidade, respondo que somos uma família unida e respeitada, com grandes laços de amizade, nos sentindo enormemente bem de estarmos afinados com o propósito cristão de libertação.
Quanto à questão do desenvolvimento de São Gabriel, é promissor na medida em que o Incra já começa a investir em torno de 50 milhões no município para implantação e desenvolvimento dos assentamentos, valor que representa quase um orçamento bruto anual do município, onde só dispõe em torno de 10% para investimento, sendo o resto para custeio.
Contudo, o desenvolvimento passa muito mais pela questão cultural do que qualquer outro fator, que também começa a ser transformada em São Gabriel, com diversas reuniões e seminários que começam a se realizar nas comunidades, grupos de pessoas e bairros do município, discutindo os mais diversos temas “crise global e identidade das classes de trabalhadores”, eventos até então nunca vividos por São Gabriel, que agora passa a ter pessoas com o propósito de organizar o povo em prol de seus objetivos, tirar o povo da inércia, mostrar as ferramentas que possuem para atingir seus objetivos, com o fito de demonstrar que só o povo organizado se liberta.
No aspecto geral, os comerciantes e empresários já sentem os frutos da reforma agrária na economia e desenvolvimento de São Gabriel.
IHU On-Line – Em sua opinião, como a história e a cultura dos povos Guarani estão presentes na cultura e na identidade do povo de São Gabriel?
Guilherme Abib – Na região da campanha, não existem vestígios das comunidades indígenas. São Gabriel só tomou conhecimento da epopeia guaranítica a partir do primeiro grito da terra, movimento iniciado através da Pastoral da Terra em 07/02/1978 que se realizou no local da Batalha de Caiboaté.
A cultura indígena foi sufocada pelo movimento tradicionalista alinhado com os interesses dos latifundiários, que prega a submissão do trabalhador ao patrão (dono da propriedade).
Com os acontecimentos por ocasião dos festejos dos 250 anos da morte de Sepé Tiaraju, o povo de São Gabriel e região começaram a ter uma nova imagem de identificação cultural com a História dos índios Guarani, trazendo dados até então desconhecidos. Acreditamos que, a partir desta data, a própria história da região mudará, visto que as Escolas já adotam uma nova postura em seus currículos, mostrando o contraditório até então ensinado.
IHU On-Line – Sépe Tiaraju sonhou com a “Terra sem Males". Como o senhor vê essa questão hoje?
Guilherme Abib – Essa pergunta é extremamente difícil de responder em poucas palavras. Primeiro porque, na visão do índio, natureza e homem se confundem de maneira sadia, pois, o índio respeita a natureza, no momento que seus valores são de sobrevivência racional. Partindo deste enfoque, poderíamos dizer que a “Terra sem Males” é a terra onde o homem vive de maneira respeitosa com a natureza, consumindo racionalmente o que ela oferece, enxergando a terra como um bem social de uso comum. É muito difícil para nós, não-índios, imaginarmos a “Terra sem Males”, pois estamos totalmente desvirtuados espiritualmente. Hoje, a Terra sem Males passa prioritariamente em parar de agredir a natureza, passando a ensinar para as atuais e futuras gerações, que os valores humanos não estão atrelados ao consumismo supérfluo, que tem efeito cascata, e leva à destruição generalizada do homem, física e espiritualmente.
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A demolição do Oratório dedicado a Sepé Tiaraju. Entrevista com Guilherme Abib - Instituto Humanitas Unisinos - IHU