22 Junho 2009
Neste domingo, dia 21-06, fez cinco anos que Brizola morreu. Era um homem polêmico, com uma presença marcante na política gaúcha e brasileira e que tem influência ainda hoje no desenvolvimento do país. A IHU On-Line conversou, por telefone, com o jornalista F.C. Leite Filho, que escreveu o perfil biográfico de Brizola, intitulado El Caudillo (São Paulo: Aquariana, 2008).
Nesta entrevista, Leite Filho, fala da imagem que ficou de Brizola, de quem foi amigo, e conta como começou a amizade que mantiveram. Ele também comenta da mágoa que Brizola tinha de Lula e analisa como seria a reflexão que ele faria do governo federal de hoje. “O Brizola apoiaria integralmente a política externa do Lula. O resultado dela aumentou muito as exportações brasileiras, a presença e a importância do Brasil no cenário internacional. Hoje, o Brasil é um país ouvido, antes era marginal. Por causa da presença do Lula, tem outra dimensão internacional”, descreveu.
Francisco das Chagas Leite Filho é jornalista, formado pela Universidade de Brasília. Atua também como analista político e assessor de imprensa na Liderança do PDT.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – No dia 21 de junho, fez cinco anos que Brizola faleceu. Brizola é um mito?
F.C. Leite Filho – Um mito propriamente dito não, porque ele sofreu uma campanha muito violenta dos meios de comunicação e continua sendo um tipo de patinho feio da política brasileira. Mas ele deixou uma marca que dificilmente será apagada, porque a história, como diria ele próprio, é feita pelos vencedores. Às vezes, os vencidos têm a sua vez, por isso digo que ele deixou a sua marca de nacionalista, de grande administrador e, principalmente, no campo da educação. Hoje, no Brasil, você não consegue falar de educação, de um ponto de vista sério, sem falar do Brizola, por exemplo.
IHU On-Line – O senhor escreveu um livro biográfico sobre Brizola. Como se deu sua aproximação com a história deste político brasileiro?
F.C. Leite Filho – Na verdade, eu, como todo jovem, era um jornalista bastante informado e me alimentava das notícias da mídia tradicional. E, como tal, eu tinha certo receio em relação ao Brizola. Meu pai era udenista, mas respeitava muito o Brizola. Quando chegou em 1979, ele resolveu fazer uma reunião dos trabalhistas do Brasil com os trabalhistas no exílio, situação na qual ele se encontrava. Eu estava, por um acaso, na Alemanha, fazendo cobertura da primeira reunião do Parlamento Europeu. O jornal onde eu trabalhava me deslocou para Lisboa a meu pedido. Pensei que seria importante fazer essa cobertura, pois a anistia já estava próxima de ser decretada. Eu fui lá através do Correio Braziliense, no qual publiquei várias matérias sobre a reunião e, também, uma entrevista com o Brizola. A partir daí, nós ficamos ligados. Nos ligávamos para tomar conhecimento das situações e fazer análises, ou seja, acabamos nos tornando amigos.
Ele sempre teve receio de falar sobre a vida dele. Tentei fazer uma entrevista sobre isso, aliás, muitos jornalistas tentaram, inclusive a biógrafa do Fidel Castro, que não conseguiu. Eu até falei para ele, brincando: “Olha, governador, eu vou fazer esse livro sem consultá-lo, porque o senhor não quer falar”. Ele tinha muito medo de morrer: falava que nós queríamos matá-lo antes do tempo, mas iria viver muito tempo. Costumava dizer que só iria “entregar a rapadura” depois dos 90. No fundo, a gente percebia que ele tinha muito medo de morrer mesmo. Então, eu fui reunindo informações, as lembranças todas, fiz também várias viagens pelo Rio Grande do Sul, Uruguai, Argentina. Fui a Nova York e Washington e trouxe cerca de mil documentos sobre a infernização que a CIA e os diplomatas estadunidenses faziam, devido à movimentação do Jango também. E aí deu nesse livro, que é um pouco catatau, mas com um perfil biográfico real, pois não me detive na infância dele ou da vivência no Rio Grande do Sul. Neste livro, me concentrei no homem enquanto líder nacional. O livro se chama El Caudillo porque, em espanhol, caudillo significa estadista, chefe guerreiro. Diferente do Brasil, onde o significado é deturpado, pois significa um líder ditatorial que tenta fazer as coisas por cima da lei. O Brizola, por sinal, era um cara muito democrático.
IHU On-Line – Como o senhor vê o Brizola governador do Rio Grande do Sul?
F.C. Leite Filho – O Brizola, quando chegou ao Rio Grande do Sul, tinha entre 37 e 38 anos de idade. Ele tinha uma garra de administrador, de político, de liderança e pegou todo esse aparato ideológico oligárquico de surpresa, mas, como era muito hábil, conseguiu fazer um grande governo no Rio Grande do Sul. Tanto é que hoje se considera o estado como o que mais lê no Brasil. Isso se deve, em grande parte, às escolas que ele fez. Mas Brizola não fez apenas escolas: trouxe uma refinaria da Petrobras, desenvolveu estradas. As escolas, por exemplo, foram feitas de madeira porque tinha excesso de madeira no Rio Grande do Sul e, com isso, ele equilibrava a economia. Ele mesmo dizia que o estado era uma espécie de estado nordestino, tal era a disparidade sua diante das grandes potências. No entanto, conseguiu equilibrar a ponto de aproximar a economia com esses estados. Você sabe que ele eliminou o analfabetismo, uma coisa que só agora o Chávez fez na Venezuela e o Evo Morales na Bolívia. E nós continuamos com uma taxa de 11% de analfabetos no Brasil.
IHU On-Line – O senhor pode falar um pouco da relação que Brizola tinha com a imprensa brasileira?
F.C. Leite Filho – Era muito boa. Mas ele era violentamente perseguido pela imprensa. O problema é que ele não tinha o menor direito de defesa. Dizia que a imprensa era uma espécie de comando marrom porque impunha um pensamento único e não dava nenhum direito de resposta. Isso só tende a piorar porque acabaram com a Lei de Imprensa. Com os jornalistas, ele tinha um excelente relacionamento. A imprensa contratava jornalistas para perseguir o Brizola com artigos diários nos jornais.
IHU On-Line – Hoje, com a internet, um dos vídeos mais “famosos” disponível no YouTube é o direito de resposta que ele conseguiu em relação à Globo e que foi veiculado no Jornal Nacional...
F.C. Leite Filho – A internet é realmente uma grande janela para um dia conseguirmos a verdadeira liberdade de expressão. Eu acompanhei o caso do direito de resposta na TV Globo. O Brizola passou quase três anos no TSE fazendo várias ações, até que conseguiu obter esse direito de resposta. Isso foi um marco na história do relacionamento dele com a imprensa no Brasil, sobretudo com a TV Globo. No entanto, a campanha contra continuou. Os grandes jornais e as grandes empresas contam com a memória coletiva e as pessoas não se lembram das coisas que não são noticiadas o tempo todo. É claro que o vídeo é revivido no YouTube, mas no geral prevalece no imaginário coletivo o noticiário que é transmitido pelos jornais, pela TV e nos grandes portais na internet.
IHU On-Line – Como ele analisaria a atual situação política do país, em sua opinião?
F.C. Leite Filho – O Brizola era um homem do confronto. O Lula é um grande líder político, mas não é um homem que fará mudanças revolucionárias que o Brizola faria, como o Chávez está fazendo na Venezuela, que os Kirchner estão fazendo na Argentina e que o Evo Morales está fazendo na Bolívia. O Lula carece desse viés revolucionário. Não obstante, o Brizola tinha restrições ao Lula, mas era de ordem política, porque o PT queria derrubá-lo da presidência do PDT e entregar esse cargo para um “homem confiável” ao PT. Depois, desistiram dessa loucura, o que magoou muito o Brizola. No geral, por exemplo, o Brizola apoiaria integralmente a política externa do Lula. O resultado dessa política aumentou muito as exportações brasileiras, a presença e a importância do Brasil no cenário internacional. Hoje, o Brasil é ouvido, antes era marginal. Por causa da presença do Lula, tem outra dimensão internacional. No entanto, eu acho o presidente muito lento para resolver problemas aqui no Brasil, nada deslancha, nem o PAC. Porque ele sofre as amarras da lei, que é feita para proteger o grande capital, em detrimento do avanço social. Acho que dificilmente ele conseguirá fazer alguma coisa no final do seu governo em termos administrativos.
IHU On-Line – Então, ficou mágoa em Brizola em relação ao Lula...
F.C. Leite Filho – Sim, porque o Lula, quando chegou ao poder, junto com o PT, queria tomar o PDT do Brizola, que era muito crítico. Brizola achou que aquilo era demais. Além do mais, o PT não queria discutir políticas públicas com o Brizola: tinha medo de ser sufocado por ele. No entanto, isso é uma questão de natureza política e não de natureza ideológica. Hoje, o Lula respeita muito o Brizola, que, naturalmente, respeitaria o presidente, com as restrições que estou agora mencionando.
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Brizola tinha muito medo de morrer. Entrevista especial com F.C. Leite Filho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU