14 Junho 2007
O PSOL realizou, no mês passado, o I Congresso Nacional do partido, onde foram decididos seus objetivos estratégicos e táticos, sua política de alianças e as metas eleitorais. Na reunião, também foi eleita a direção nacional do PSOL, na qual Heloísa Helena foi reeleita como presidente nacional do partido. Do ponto de vista da política nacional, o PSOL decidiu manter-se na oposição de esquerda ao governo Lula e aos tradicionais partidos, como o PSDB. Quanto à política internacional, concluiu-se o apoio aos governos da Venezuela e Bolívia, que opõem-se ao imperialismo estadunidense e capitalismo globalizado. Para discutir as decisões e planos debatidos neste congresso, a IHU On-Line entrevistou, por e-mail, o deputado Chico Alencar que, em 2005, depois de um longo e doloroso período de questionamento à política econômica e às prioridades do Governo Lula, desfiliou-se do PT e ingressou no PSOL.
Chico Alencar é formado em História pela Universidade Federal Fluminense. Realizou mestrado em educação na Fundação Getúlio Vargas. É professor licenciado História da UFRJ. Foi eleito deputado federal em 2002. Atualmente, é membro do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é o PSOL hoje?
Chico Alencar - O PSOL foi definido pelos seus fundadores como uma “necessidade histórica” e, ao mesmo tempo, um “abrigo para a esquerda socialista” no Brasil. É um partido socialista e libertário, necessário no Brasil de hoje, para ocupar o vazio deixado pela guinada ideológica do PT e a acomodação do PC do B e de outras siglas, que até levam o socialismo no nome, mas se dobraram ao continuísmo do modelo dominante. Ocupar este espaço é o grande desafio apresentado aos que apostam na incontestável necessidade da construção de uma sociedade radicalmente democrática, igualitária e promotora da emancipação humana. Os que lutam pela mudança social em nossa sociedade, tão estruturalmente marcada pela injustiça, a violência e a desigualdade, encontram no PSOL um dos pólos para recompor, nos movimentos sociais e na luta institucional, a sua prática militante. É um partido da resistência militante, que aposta na grande política, discute projetos para o Brasil e busca recompor, na mobilização cidadã, os caminhos da mudança. É a principal novidade na cena política brasileira. Um partido novo, portanto pequeno, porém decente e combativo. E que se destina a crescer muito de importância, na medida em que crescer a luta popular na busca de saídas para a crise estrutural que dilacera nossa sociedade.
IHU On-Line - Qual é o socialismo que o PSOL defende?
Chico Alencar - O partido ostenta no nome os conceitos que definem a sua senha de identidade: socialismo e liberdade. Recolocar na pauta da política a questão do socialismo, depois das duras “réplicas” da história recente, é tarefa que implica o inventário crítico da lutas do passado e uma visão clara dos conflitos sociais de um presente abalado por mudanças profundas. O socialismo não é uma utopia redonda ao alcance da mão na próxima esquina. Não é também uma miragem inatingível, valor abstrato sempre remetido para além da linha do horizonte. Não é uma emanação direta da doutrina, mas não dispensa as teorias e as experiências acumuladas ao longo da luta dos trabalhadores contra a exploração capitalista. O socialismo não se afirma por combustão espontânea nem é lei de ferro objetiva da história (cientificismo economicista), mas conquista construída nos percalços da luta política e social.
O socialismo e a liberdade são fins que se articulam no cerne da nossa estratégia. Se os meios são os fins em processo de realização, as sementes do futuro devem germinar neles (meios) como presença real e orientadora. A história não acabou e se prepara para dar novas lições. O desgaste do projeto neoliberal, no qual o mercado e as corporações multinacionais avassalam a política, demanda e fornece elementos para mudanças profundas no exercício da política e na prática dos movimentos sociais. Contra a barbárie do “pensamento único” neoliberal, orientador das novas formas de acumulação do capital, convergem diferentes culturas críticas que abrem espaços novos para o socialismo do século XXI. Neste contexto, cresce em importância a relação dialética entre a luta pela abolição da propriedade privada dos meios de produção fundamentais com as transformações no papel do Estado e nos meios de governar. A socialização dos meios de produzir não se dará sem a socialização dos meios de governar. Sem o nexo entre estes dois momentos, não se emancipa o mundo do trabalho nem dá para abolir as desigualdades básicas nas quais se sustenta a exploração do homem pelo homem. São questões que ocupam um lugar central em nosso debate sobre o socialismo que queremos.
IHU On-Line - Quais são as forças sociais que sustentam o PSOL politicamente? O PSOL tem base social nas igrejas?
Chico Alencar - O PSOL é um partido de militância. “Mudar de enxada pra continuar o plantio” foi uma consigna que animou os ativistas políticos, os quais, nos movimentos sociais e na representação parlamentar, convergiram para construir o novo partido. Em sua proposta, ele aspira à condição de uma “ferramenta” a serviço da classe trabalhadora. É uma aspiração que só o correr da luta poderá confirmar. É bom lembrar as condições históricas nas quais o partido surge, um momento de crise e não de ascensão do movimento social. Mas foi do mundo do trabalho que veio a maioria significativa dos seus construtores: ativistas dos movimentos sindicais, dos sem-terra, sem-teto, dos movimentos por direitos sociais, das mulheres, com uma participação expressiva da juventude, não apenas estudantil, e de intelectuais respeitados por sua tradição de luta na esquerda brasileira.
As comunidades de base que animam o ativismo social nas diferentes igrejas conservam uma enorme importância política na luta pelas mudanças no Brasil. Principalmente aquelas que se orientam pela Teologia da Libertação, uma proposta generosa que tem raízes profundas nos setores populares. Alguns dentre os que se empenharam na construção do partido são originários desta tradição. Certamente, o PSOL está na pauta de debates destes companheiros de luta, com os quais temos encontro marcado no dia-a-dia das lutas pela mudança na estrutura social injusta.
IHU On-Line - Quais foram as principais deliberações do PSOL em seu Congresso?
Chico Alencar - O nosso Congresso foi animado por um fantástico entusiasmo. Apesar da estrutura precária (muitos trouxeram colchonetes e dormiram no local), foram três dias de intenso debate em grupos e plenárias, sempre respeitoso no tratamento das polêmicas. Entre as principais deliberações estão:
1) uma direção colegiada onde os setores ditos mais "amplos", defensores de uma oposição programática de esquerda ao Governo Lula e da combinação equilibrada entre o empenho nas lutas populares e a presença nos espaços institucionais são clara maioria, com cerca de 75%;
2) um partido nacional, com direções em interlocução permanente com os núcleos de base, cuja constituição e ampliação será estimulada desde já, inclusive como preparação para os Congressos estaduais, que se realizarão dentro de um mês, em todos os estados da Federação e no Distrito Federal;
3) um partido que denunciará a corrupção sistêmica e endêmica, reveladora de que se tornou rotineiro o envolvimento direto da base aliada do governo com os escândalos de desvio de recursos e da promiscuidade entre o público e o privado;
3) um partido atento aos riscos dos desvios comuns aos partidos de esquerda: à direita, quando se adapta à ordem vigente; para o "esquerdismo infantil", quando desconsidera a correlação de forças, a necessidade da disputa no parlamento e nos executivos, as tarefas mínimas como primeiros passos para as reformas estruturais.
IHU On-Line - Quatro chapas disputaram a direção do partido. O PSOL nasce reproduzindo o PT?
Chico Alencar - O que o PSOL reproduz é uma velha e boa tradição da esquerda, que o PT também reproduziu em um período da sua história. Qualquer partido de militância tem vida interna intensa e, sendo assim, é natural o surgimento de muitas chapas e correntes em seu debate político. Como abrigo de distintas visões da esquerda socialista, o PSOL é constitutivamente plural. Logo, a sua unidade de ação na política só pode se construir no debate respeitoso das polêmicas. Foi o que aconteceu. Nenhuma corrente saiu inteiramente vitoriosa ou inteiramente derrotada, cada qual teve votações a comemorar. Nada foi “blocado” e o partido sai fortalecido do Congresso, com uma direção colegiada formada na base da proporcionalidade.
IHU On-Line - Plínio de Arruda Sampaio é uma das figuras mais respeitadas da esquerda brasileira. O que significa a derrota de sua chapa na disputa interna do PSOL?
Chico Alencar - Plínio de Arruda Sampaio (1) é patrimônio da esquerda brasileira e um dos baluartes da construção do PSOL. Na sua conhecida condição de brilhante formulador e expositor, ele deu contribuição decisiva para a qualidade dos debates do Congresso e saiu de lá feliz com os seus resultados. A chapa que ele defendeu ao lado do ex-deputado João Batista Babá (2) foi a segunda mais votada e terá participação, na exata proporção dos seus votos, na executiva e na nova direção nacional do partido. Esperamos contar com ele, o nosso radical sereno, no cerne da nova direção.
IHU On-Line - As reincidentes manifestações de escândalos atingindo parlamentares no Congresso brasileiro e a frustração com o PT faz com que muitos já não acreditem mais na democracia representativa. Como o senhor interpreta esse sentimento?
Chico Alencar - O desencanto com a política em geral, a crise da representação e a decomposição das instituições republicanas é um fato grave. Diante da fieira interminável de escândalos, o sentimento de descrédito e até a ira do cidadão são decorrências inevitáveis. A questão que se coloca é como encontrar saídas para a crise, a fim de se superar o desencanto e direcionar a ira legítima do cidadão para a boa política. Não uma política qualquer, mas a política vigorosa da participação coletiva, que mobiliza o cidadão e organiza os movimentos da mudança.
IHU On-Line - Qual é a sua avaliação do governo Lula nesse segundo mandato?
Chico Alencar - No embalo da reeleição, o segundo mandato se delineia como ainda pior do que o primeiro. Faz aliança com a direita, abraça Maluf, Jader e Collor, entrega ministérios aos adversários de ontem, no “toma-lá-dá-cá” mais tradicional, porta de entrada de escândalos anunciados. Vai manter a política de agrado aos grandes banqueiros. Lula torna-se homem da confiança de Bush, o senhor da guerra, que só tem olhos para fazer deste país um imenso canavial, como na época colonial. O PAC anuncia Estado ativo, mas o torna ausente pela contenção dos gastos sociais e pelo arrocho sobre os serviços e os servidores públicos. Mesmo o FUNDEB (3) gera uma ilusão: os R$ 10 bilhões para a educação, nos próximos quatro anos, representam um investimento 50 vezes menor do que o pago em juros e serviços da dívida, de 2003 para cá. O piso nacional de professores e demais trabalhadores da educação custará a sair e ficará aquém do necessário.
Enquanto isso, as máfias, a violência e o desencanto com a política crescem, nas cidades e no campo. A cada fim de semana, nas regiões metropolitanas do país, 30 jovens brasileiros morrem à bala, num genocídio terrível. Insegurança e descrença em valores marcam o nosso cotidiano. O efeito "anestesia", no entanto, começa a passar e vários movimentos acordam, inspirados nos povos do Equador, da Venezuela e da Bolívia, que decidiram ser protagonistas do seu próprio destino. A multidão dos “sem” exige políticas sociais, cobrando seus direitos por trabalho, terra, teto, salário, pão, saúde, educação e ambiente saudável. O governo piora, mas a reativação dos movimentos sociais pode abrir novas perspectivas para a luta política.
IHU On-Line - A política internacional do governo continua merecendo apoio do povo brasileiro?
Chico Alencar - A política internacional do governo está cada vez mais alinhada ao que existe de pior no mundo de hoje. Nas questões da ordem econômica, o governo esteve desde sempre atrelado aos ditames do pensamento único neoliberal. Nas questões da ordem política, a posição do governo só faz piorar. É um governo que se acerta com Bush, quando o interesse do nosso povo indica o contrário: acertar o passo com a dinâmica que, na América Latina, tem feito avançar a mobilização popular na busca de saída para a crise estrutural das nossas sociedades.
IHU On-Line – Qual é o alcance de escândalos como aqueles trazidos pelas Operações Navalha e Xeque-Mate?
Chico Alencar - Navalha, Xeque-Mate, Sanguessuga, Mensalão são nomes diferentes de um mesmo fenômeno. A corrupção não é uma seqüência de fatos isolados que se repetem. Ela é uma poderosa e multifacetada cultura política que azeita a máquina do poder e tritura a nossa frágil democracia. Os “valores” que articulam o capitalismo financeiro, que nos domina, ao sistema política que lhe fornece base de sustentação estão no cerne do problema. Em todos os escândalos, nos que estão em curso e nos que ainda virão, vige a mesma causa essência, a “micropolítica”, que sustenta a macroeconomia da exclusão. Em cima, a fortaleza inexpugnável da casta financeira; embaixo, o intestino grosso da pequena política. Mudam os atores, mudam os escândalos, mas o enredo é o mesmo: o apetite insaciável, no qual se articulam os grandes negócios e a política miúda.
IHU On-Line - O tema do meio ambiente entrou de forma definitiva na agenda da sociedade e dos movimentos sociais. Qual é a sua opinião sobre temas como a transposição do Rio São Francisco, a construção das hidrelétricas no Rio Madeira e a produção do etanol em larga escala?
Chico Alencar - Esse é um tema no qual, mais uma vez, a lógica dos grandes negócios faz girar a roleta do cassino. Há grandes obras, gigantescas somas de recursos públicos, comissões vultosas, uma festa para as grandes empreiteiras e os tesoureiros de campanha. A transposição do São Francisco não está no “Atlas da Água”, que lista 800 projetos de obras em todo o nordeste a um custo 50% menor que esse mega-hidronegócio. Entidades sérias, como a SBPC, a OAB, a CPT, o MST e a Via Campesina, já disseram não. Estamos, neste assunto, com o bispo Dom Cáppio. Estamos com os ambientalistas que exigem estudo sério sobre a questão do impacto ambiental na hidroelétrica do Rio Madeira. Com a produção do etanol em larga escala, não queremos ver no nosso país transformado num imenso canavial.
IHU On-Line - Da sua experiência de parlamentar ao longo desses últimos anos, o que considera gratificante e o que avalia como experiência amarga?
Chico Alencar - A rotina da vida parlamentar, dominada pela lógica da pequena política, onde prevalecem tantos negócios e tantos negociantes, é uma experiência amarga. Gratificante é receber, da parte da consciência digna do cidadão, o reconhecimento da importância do nosso trabalho, o trabalho dos que teimam na coerência e travam a disputa desigual no Parlamento.
Notas:
(1) Plínio Soares de Arruda Sampaio é um político brasileiro filiado ao PSOL, após desligar-se do Partido dos Trabalhadores, do qual foi um dos fundadores e mais históricos dirigentes. Em 2007 apesar dos seus 76 anos, participou ativamente da histórica passeata na avenida paulista, organizada no dia 08 de março contra o imperialismo do presidente norte-americano George W. Bush.
(2) João Batista Oliveira de Araújo, mais conhecido como Babá, é um político e professor universitário brasileiro. É formado em engenharia mecânica e pós-graduado pelo ITA. Como político, Babá foi vereador em Belém (1989-1990), deputado estadual (1991-1999) e deputado federal (1999-2007). Em 2003, foi expulso de seu partido, o PT, por discordar de práticas, na sua opinião, neoliberais, adotadas pelo Governo Lula.
(3) Fundeb é um fundo que tem os mesmos objetivos e regras do FUNDEF, contudo englobando toda a educação Básica e não somente a educação fundamental, como em seu programa anterior. Para cobrir as despesas com as demais faixas da educação, agora incorporadas ao FUNDEB, os municípios irão colaborar com o fundo não mais com 15%, mas sim com 25% da sua receita proveniente de transferências. O FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) investirá na educação infantil, no ensino médio e na educação de jovens e adultos.
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PSOL: reflexões e progressos depois do I Congresso Nacional do partido. Entrevista especial com Chico Alencar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU