14 Novembro 2016
O cientista político Mark Kesselman faz um balanço de uma campanha de conteúdos inquietantes, que revelou dois mundos radicalmente antagônicos. O seu choque está apenas começando.
O artigo foi escrito antes do dia 8 de novembro, dia da eleição e foi publicado na revista Témoignage Chrétien, n. 3.703, 10-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É preciso voltar mais de dois séculos atrás para encontrar os Estados Unidos da América tão divididos quanto depois desta campanha presidencial. A Guerra de Secessão certamente era muito mais violenta, mas o choque atual é mais intenso do que o conflito cultural e político que eclodiu nos anos 1960 a propósito da Guerra do Vietnã, dos direitos civis dos negros, da igualdade homem/mulher, do direito ao aborto etc.
As divisões atuais são o seu prolongamento e foram notavelmente ampliadas pela campanha eleitoral. O Partido Republicano sai mais fragmentado do que o seu rival Democrata, e a fratura constatada entre as duas partes do país vai se ampliar bem além do dia 8 de novembro. Dois modos radicalmente opostos de se confrontar.
A maior parte dos respectivos eleitorados de Trump e de Clinton considera o outro candidato não como um adversário, mas como um inimigo mortal. Os apoiadores de Hillary Clinton estão assustados com a retórica brutal de Trump, com o seu racismo, com o seu egoísmo, com a sua misoginia, com o seu desprezo pelos portadores de deficiência, com os negros, com os hispânicos, com a sua ignorância do mundo e com a sua desconfiança instintiva em relação àqueles que não o veneram.
Alguns apoiadores de Trump dão um apoio incondicional e adoram o seu convite a mandar pelos ares o regime atual. O restante do seu eleitorado, com algumas reservas a mais sobre a sua personalidade e sobre as suas críticas radicais, está bastante animado pelo ódio contra Hillary. São eleitores que detestam abertamente o seu marido, o seu genro, a sua política econômica e social. São favoráveis a Trump porque consideram que ele designaria juízes à Suprema Corte que inverteriam a revolução cultural dos últimos anos.
Os eleitos do Partido Republicano estão em grande aflição. Embora a maior parte dele esteja danificada, eles defendem Trump por medo do crescente peso dos eleitores ultras. Mas alguns, porém, tomaram posição contra ele. As indignações repentinas são, no mínimo, suspeitas, porque Trump é, em parte, o fruto das suas políticas econômicas injustas e das suas mensagens reacionárias.
No campo democrata, Hillary Clinton desperta poucas adesões apaixonadas. O seu caráter arrogante, a sua propensão às intervenções militares – ela votou pela guerra de Bush no Iraque – despertam a desconfiança de muitos e a situam na tradição centrista, mas o seu programa, no entanto, causa fraturas menos fortes (entre a ala de esquerda de Bernie Sanders e o establishment democrata) do que o programa e a personalidade de Trump no campo republicano.
O que vai acontecer depois da eleição? A crise institucional, política e social vai continuar, vai se prolongar tanto dentro da sociedade civil quanto dos partidos políticos. Se Hillary Clinton vencer, as fraturas no campo republicano serão atenuadas pela necessidade de se opor à nova presidente. No centro dos debates, estará a seguinte pergunta: a Câmara dos Representantes, que será de maioria republicana, deverá desencadear o processo de impeachment contra Hillary Clinton a propósito da Fundação Clinton, da gestão do seu e-mail ou com outros pretextos?
No campo democrata, a vitória de Clinton certamente produzirá confrontos, mas também compromissos entre a ala de esquerda que apoia Sanders e ala "moderada" favorável a Hillary. Se ela for eleita presidente, vai começar uma fase de "tensa convivência" na cúpula do Estado federal, entre a Casa Branca, a Câmara dos Representantes e o Senado.
Se este último for de maioria democrata, as chances de Hillary de permanecer no poder serão maiores, ela disporá de um maior apoio para negociar compromissos sobre o seu programa.
Mas, aconteça o que acontecer, a profunda transformação da cultura política estadunidense provocada pela retórica vulgar de Donald Trump não vai desaparecer. Trump adora demais as multidões para se retirar em boa ordem. Ele vai contestar o resultado das eleições.
Quanto aos verdadeiros desafios do nosso tempo, isto é, as mudanças climáticas e as desigualdades sociais, eles vão acabar no esquecimento depois dessa campanha inquietante para a vida democrática da primeira potência mundial.
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Fraturas americanas. Artigo de Mark Kesselman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU