Por: Cesar Sanson | 28 Março 2016
A expressão “farinha do mesmo saco” é usada para designar o descontentamento popular com o sistema partidário no Brasil desde o II Reinado (1840-1889). De lá para cá, o sentimento de que a corrupção perpassa a maioria dos partidos permanece viva no imaginário do país, mas tem potencial para ganhar uma completa nova escala com os mais recentes desdobramentos relacionados à Lava Jato.
A reportagem é de Gil Alessi e publicada por El País, 26-03-2016.
Se a operação até agora se concentrava na base aliada do Governo petista, coração, segundo os investigadores, do megaesquema de corrupção da Petrobras, a promessa dos executivos da Odebrecht de colaborar com a Justiça, que ainda precisa ser aceita pelo Ministério Público, amplia o arco e pode abalar toda a cúpula política do país, sem distinção de legenda.
Neste sábado, reportagem do portal UOL agregou ainda mais ingredientes. Conceição Andrade, ex-funcionária da Odebrecht, afirma ter coordenado na empresa um esquema de pagamento de propinas desde o Governo Sarney (1985-1990). O texto reproduz parte dos documentos, a maioria de 1988, que Andrade diz comprovarem os repasses ilegais. Os políticos citados, que incluem nomes do PSDB, do PMDB, e do atual DEM, negam.
O primeiro tremor sentido pelo establishment político esta semana foi na terça, com o comunicado do Grupo Odebrecht. O texto dizia que seus executivos - o presidente afastado da empreiteira, Marcelo Odebrecht, não citado é citado, mas é tido como certo que ele estará entre os colaboradores - estariam dispostos a firmar acordos de delação premiada. Potencialmente, essas revelações podem jogar por terra não apenas o Governo de Dilma Rousseff: a nota da empresa é taxativa, e se refere ao que (agora) considera ser “um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país”. A divulgação dos segredos que guarda uma das maiores empresas das Américas, que teve relação próxima com ao menos quatro presidentes democraticamente eleitos e um punhado de generais da ditadura, pode ser a abertura definitiva da caixa preta da política brasileira.
Prova do ecumenismo da empreiteira é o fato de que a empresa doou quantias vultuosas tanto para o Instituto Fernando Henrique Cardoso quanto para o Instituto Lula. Soma-se a isso o fato de que, apenas nas últimas eleições, em 2014, a Odebrecht repassou 46 milhões de reais para campanhas de 15 partidos, sem fazer distinção de matizes ideológicos. A amplitude segue lógica de negócios, segundo pesquisas acadêmicas que afirmam que “empresas não doam, investem” em campanhas, já que há correlação entre valor doado e contratos obtidos nos anos posteriores.
O segundo documento que caiu como uma bomba no mundo político foi a divulgação, na quarta-feira, de uma série de planilhas que traziam doações da Odebrecht para pouco mais de duas centenas de candidatos de 22 partidos – do esquerdista PSOL, à linha de frente do impeachment PSDB (33 nomes citados, o terceiro da lista) e DEM (15), passando pela esfacelada base governista composta por PT (75 nomes, o mais citado) e PMDB (45).
Diante da combustão em que se encontra o Brasil, a lista, que não distingue entre eventuais valores legais e caixa 2, circulou como rastilho de pólvora nas redes sociais, transformando em inócua a decisão do juiz Sérgio Moro de colocá-la em sigilo. Nomes como os do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, os senadores petistas Humberto Costa e Lindbergh Farias, e os senadores tucanos Aécio Neves e José Serra, constam no material encontrado pela Polícia Federal. Todos negaram qualquer irregularidade e disseram que o dinheiro foi declarado à Justiça.
Lista inconclusiva e suspeitas
Se não é possível concluir indícios de corrupção com a lista ou mesmo afirmar que tudo foi de fato repassado, o fato de terem sido encontrados com Benedicto Barbosa Silva Junior, presidente da Odebrecht Infraestrutura, e a própria nota da empresa levantam suspeitas. De acordo com a força-tarefa da Lava Jato, foi neste departamento que ficava alocado o “setor de operações estruturadas”, cuja função era, segundo os investigadores, o pagamento de propinas.
Nas planilhas constam doações feitas pela Foz do Brasil, empresa do Grupo Odebrecht que atua na área de saneamento. Mas nos registros do Tribunal Superior Eleitoral o nome da companhia não aparece no cadastro de doadores de campanha nem no pleito de 2012 nem em 2014. Sobram perguntas. De qualquer forma, tudo indica que os repasses serão alvo do Ministério Público Federal: além de decretar sigilo, Sérgio Moro solicitou sua remessa para o Supremo Tribunal Federal, responsável por autorizar investigações de políticos com foro privilegiado.
Antes, a Lava Jato já havia sinalizado que poderia impactar partidos da oposição, com a divulgação do teor da delação premiada do senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS). O parlamentar implica Dilma e Lula, mas apresenta também denúncias contra o senador e presidente nacional do PSDB, Aécio Neves. Ele chegou a ser incluído, ao lado do também tucano e senador Antonio Anastasia, na lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com os nomes dos políticos com foro privilegiado que seriam investigados pela Lava Jato. Posteriormente o próprio Janot pediu o arquivamento dos processos contra ambos. A história, no entanto, pode ter um novo giro. Na quarta-feira a Procuradoria Geral da República deu um passo que pode culminar na abertura de investigação sobre a presidenta Dilma, seu vice, Michel Temer, e Aécio. O procurador-geral, Rodrigo Janot, encaminhou nos últimos dias ao Supremo 20 petições formuladas a partir da delação de Delcídio.
A Lava Jato, especialmente sua infantaria concentrada em Curitiba, sempre rebateu as críticas do PT sobre a suposta seletividade das investigações. O sub-procurador-geral da República, Nicolao Dino, explicou ao EL PAÍS em janeiro, no entanto, que pode, sim, haver problemas que comprometam a “viabilidade jurídico-normativa" que envolvam supostos crimes mais antigos. Eventuais malfeitos cometidos pelos hoje opositores e seus apoiadores no passado poderiam esbarrar na prescrição criminal _quando expira o prazo pelo qual um crime pode ser punido.
Seja como for, há quem aposte que a Lava Jato entrará em uma nova e irreprimível fase, enquanto outros analistas apontam que o espírito de sobrevivência da cúpula política pode capitanear uma ofensiva para conter as investigações. O juiz Moro diz que a operação Mãos Limpas, desencadeada na Itália nos anos de 1990, serviu de inspiração à Lava Jato.
À época o país europeu assistiu atônito à condenação de quatro ex-primeiros-ministros, 438 políticos e parlamentares, 872 empresários e 2.993 mandados de prisão, além da extinção, nas urnas, dos quatro maiores partidos italianos - dentre entre eles a Democracia Cristã, de direita, e o Partido Socialista Italiano, de esquerda, segundo compila o colunista do EL PAIS Juan Arias. Ex-correspondente na Itália, Arias chama a Lava Jato de "filha mais nova" da Mãos Limpas. A pergunta agora é se ela dará o salto da parente italiana e porá em xeque o "modelo de negócios" - expressão usada pelos Procuradores de Curitiba - da política brasileira.
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Com Odebrecht, Lava Jato tem potencial para abalar toda cúpula política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU