26 Junho 2015
"Caro Augias, foi preciso o Papa Francisco para que pudéssemos escutar palavras claras sobre a justiça ambiental, orientadas ao preceito evangélico da ética da clareza. A encíclica Laudato si' aborda os nexos de causa e efeito já conhecidos, mas deliberadamente obscurecidos pela guerra fria entre consumismo e ambientalismo que perdura há décadas. Ou seja, relações estabelecidas entre acumulação de riqueza e destruição de recursos; hipertrofia da especulação financeira e empobrecimento do valor relativo da produção, bulimia do consumo dos países hegemônicos e carestias dos explorados; aquecimento do planeta e condições meteorológicas extremas nas áreas mais expostas; desastres ambientais provocados pela exploração das multinacionais e degradação das populações locais, com o desencadeamento de migrações bíblicas. Ninguém até agora teve a coragem de denunciar com tanta clareza o desastre da 'mercadolatria'. Havia uma grande necessidade disso, dada a excitação causada por esses desequilíbrios – os fluxos migratórios, principalmente – diante da total desatenção em relação às suas causas. A encíclica lança a mensagem revolucionária da 'ética do limite', como pressuposto de justiça global. Uma conversão total em relação ao saque ambiental autorizado – ou, melhor, encorajado – pelo capitalismo da acumulação dos lucros, que teoriza o egoísmo como motor do progresso. Massimo Marnetto."
Publicamos aqui o comentário do jornalista italiano Corrado Augias, ex-membro do Parlamento Europeu, à carta do leitor, publicado no jornal La Repubblica, 25-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Chegam oportunamente a carta do Sr. Marnetto e outras que recebi, para sublinhar a importância da recente encíclica do Papa Francisco, eloquente desde o título, Laudato si', tomado daquele Cântico de Francisco de Assis, um dos máximos exemplos da lúcida visão do mundo e de poesia medieval italiana.
Àqueles que me escreveram que não só de ecologia se fala no documento, mas também de outros temas – por exemplo, o aborto – e com muito mais prudência, eu respondo que sim, é verdade, incluindo a prudência.
Mas a ênfase forte está em ter denunciado a raiz humana da crise ecológica, em ter estabelecido um nexo entre abordagem ecológica e abordagem social que será difícil, a partir de agora, ignorar.
Até não muito tempo atrás, havia – também em alguns partidos de esquerda – quem considerasse os problemas do ambiente como um assunto de intelectuais, algo suspeito de ser vagamente chique. Francisco, ao contrário, ligou-os ao domínio irresponsável e cego das finanças; ele escreveu que a crise de 2007-2008 podia ser a ocasião para corrigir um desenvolvimento equivocado; ao invés disso, não se fez nada, pondo assim as premissas para outras crises previsíveis por vir.
Ele também deu algumas indicações práticas de comportamento, da necessidade de poupar água e luz à de substituir os combustíveis fósseis, mas o que, na minha opinião, mais importa é o fato de ter mostrado uma visão global do problema, um daqueles olhares de síntese capazes de fazer com que se entenda em que ponto de insensibilidade chegamos em relação ao "grito da Terra e ao grito dos pobres". Atitude totalmente irresponsável para com os outros – e nós mesmos.
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Os abusos das finanças contra o ambiente. Artigo de Corrado Augias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU