24 Fevereiro 2014
“Não encontrei nenhuma outra pessoa ou organismo que tenha respondido ao questionário, a não ser talvez ‘em segredo’”, diz o ex-vice-presidente Mundial do Movimento Familiar Cristão.
Foto: Missão Edificar |
“Houve uma reação silenciosa da Igreja local, indiferente à difusão efetiva desses questionamentos provocativos”, declara Helio Amorim, ao comentar a divulgação do questionário do Sínodo Extraordinário para a Família entre os católicos brasileiros. O questionário foi elaborado e enviado pelo Vaticano às dioceses do mundo inteiro, como documento preparatório da III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Família, convocada pelo Papa Francisco para outubro de 2014. O questionário deveria ser respondido até o mês de janeiro.
De acordo com Helio Amorim, entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, poucos católicos souberam do questionário no Brasil, ou “aparentemente, não lhe deram importância ou, ainda, tiveram preguiça de responder a essa extensa e surpreendente pesquisa do Vaticano”.
Membro do Movimento Familiar Cristão - MFC, ele informa que também em seu grupo “não houve manifestações ou divulgação motivadora”. E relata: “Tentei divulgar o questionário do Sínodo entre todos que estão na minha lista de amigos e internautas. Respostas: zero. Fui convidado por amigos para uma reunião de pessoas engajadas e maduras.
Presentes o Leonardo Boff, o padre chileno que motivou essa reunião de 20 pessoas, convocadas por serem leigos atuantes, mais professores da PUC, teólogos/as. Nenhum dos presentes sabia desse questionário! Apenas um dos presentes tinha recebido, mas não havia respondido”.
De acordo com Amorim, no grupo de 20 pessoas do qual participou, as questões que mais despertaram polêmica foram as relacionadas “à teimosa norma da indissolubilidade do casamento cristão, sem a possibilidade de novo casamento (...); por consequência, a ‘excomunhão’ sem lógica nem caridade dos recasados, proibidos de participar efetivamente da eucaristia, portanto o único ‘pecado’ sem perdão (o que não se aplica ao assassino da esposa que, tendo se confessado e se arrependido, foi perdoado.)”.
Helio Amorim é ex-presidente Nacional e Latino-Americano do Movimento Familiar Cristão - MFC e ex-vice-presidente mundial do MFC.
Foto: Testemunho de Fé |
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o questionário do Sínodo Extraordinário para a Família está sendo divulgado e discutido no Brasil entre os leigos? Na Alemanha, Áustria e Inglaterra há bastante repercussão, inclusive Igrejas inglesas recorreram à internet para distribuir o questionário entre os católicos.
Helio Amorim - Acho que vou decepcioná-la. Tentei divulgar o questionário do Sínodo entre todos que estão na minha lista de amigos e internautas. Respostas: zero. Fui convidado por amigos para uma reunião de pessoas engajadas e maduras. Presentes o Leonardo Boff, o padre chileno que motivou essa reunião de 20 pessoas, convocadas por serem leigos atuantes, mais professores da PUC, teólogos/as. Nenhum dos presentes sabia desse questionário! Apenas um dos presentes tinha recebido, mas não havia respondido.
Não encontrei nenhuma outra pessoa ou organismo que tenha respondido ao questionário, a não ser talvez “em segredo”. Na paróquia que frequento, o pároco convocou um pequeno grupo de paroquianos para responder a “uma parte das perguntas” do questionário, “selecionadas” por ele, “por ser muito extenso”.
IHU On-Line - Que avaliação o Movimento Familiar Cristão fez do questionário do Sínodo Extraordinário para a Família e como se organizaram para respondê-lo?
Helio Amorim - Também no Movimento Familiar Cristão, ao menos da nossa pequena equipe de 20 pessoas, não houve manifestações ou divulgação motivadora. Em suma, poucos souberam do questionário ou, aparentemente, não lhe deram importância ou, ainda, tiveram preguiça de responder a essa extensa e surpreendente pesquisa do Vaticano.
Finalmente, nossa pequena equipe respondeu, enviei as respostas à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB (Presidente e Secretário Geral e outros membros destacados da Conferência), ao Conselho Nacional do Laicato do Brasil - CNLB, a todos pedindo que enviassem o nosso trabalho ao Vaticano. No questionário não havia nenhuma indicação sobre como nem para quem enviar as respostas.
IHU On-Line - Como o questionário foi discutido e distribuído pela CNBB? A CNBB tem uma diretriz de como os bispos devem proceder em relação à distribuição e resposta do questionário?
"O tema família é muito valorizado e caro a todos os católicos, leigos e clérigos, mas os aspectos valorizados não são os mesmos para todos"
Helio Amorim - Tampouco conheço qualquer iniciativa visível da CNBB para a divulgação ampla do questionário. Aparentemente foi enviado aos bispos e por estes (todos?) encaminhado às paróquias, não aos meios de comunicação, para conhecimento amplo dessa consulta inédita do Papa para estimular respostas de leigos, como foi feito em outros países. Posso estar sendo injusto, mas acho que houve uma reação silenciosa da Igreja local, indiferente à difusão efetiva desses questionamentos provocativos.
Nossas respostas foram discutidas na nossa equipe do MFC, pequena, mas qualificada, durante mais de um mês. Fazem parte da nossa equipe os coordenadores estadual e municipal do MFC Rio de Janeiro, o que dá a ela um certo peso.
IHU On-Line - Como vê a iniciativa do papa Francisco de pedir que os leigos sejam consultados e inclusive respondam ao questionário?
Helio Amorim - A iniciativa surpreendente do papa Francisco abre caminho para uma nova atmosfera de confiança no laicato e a expectativa de profundas mudanças nas estruturas e numa visão de Igreja participativa, menos autoritária e defensiva de normas e princípios ultrapassados na história contemporânea. O êxodo de fiéis católicos para outras igrejas ou para nenhuma igreja é impressionante. Na Europa, muito mais do que na América Latina. Também nos Estados Unidos, esse retrocesso é importante e ganham expressão maior os setores mais conservadores da Igreja norte-americana.
IHU On-Line - Quais questões foram mais polêmicas de serem respondidas?
Helio Amorim - Avaliamos, sem uma consulta específica, mas imersos na vida da Igreja, e observamos que muitos católicos, adultos na fé e ativos na transformação da sociedade, não foram incentivados a responder ao questionário. Entretanto, estamos seguros de que as respostas deles às perguntas mais provocativas estariam próximas das que encaminhamos. Referem-se à teimosa norma da indissolubilidade do casamento cristão, sem a possibilidade de novo casamento, talvez mesmo mais cristão do que o desfeito, ante realidades cruéis e desumanas da relação conjugal fracassada; por consequência, a “excomunhão” sem lógica nem caridade dos recasados, proibidos de participar efetivamente da eucaristia, portanto o único “pecado” sem perdão (o que não se aplica ao assassino da esposa que, tendo se confessado e se arrependido, foi perdoado). Também, a proibição imposta ao casamento dos padres com a fuga pela renúncia crescente da ordem (em nossa equipe participam quatro felizes padres casados); a já quase extinta neurose eclesiástica contra o uso de preservativos médicos para regular uma paternidade responsável que já prejudicou, por décadas, casais cristãos; e outras questões centrais no campo do casamento e da família, temas do sínodo deste ano.
IHU On-Line - A problemática da família ainda é valorizada nas discussões da Igreja brasileira? Por onde perpassa esse debate?
“Percebe-se claramente essa quebra de paradigmas nas novas gerações, às vezes como impulso de autoafirmação”
Helio Amorim - O tema família é muito valorizado e caro a todos os católicos, leigos e clérigos, mas os aspectos valorizados não são os mesmos para todos. Ainda predomina uma visão da família tradicional e seus valores absolutos, que não se atualizaram para acolher os novos desafios da sociedade moderna ou pós-moderna.
O cenário mudou. Os atores mudaram. Casais divorciados e recasados, antes evitados socialmente e vistos por muitos como exceções lamentáveis, são hoje tranquilamente acolhidos sem restrições ou rejeição social. Nada obstante, a família de casados ou recasados segue muito valorizada, mesmo pelos jovens que, muitas vezes, constituem sua nova família dispensando ritos religiosos ou mesmo legais. São posturas talvez provocativas para a sociedade, própria dessa fase juvenil. Mais tarde, acabam aceitando esse formalismo, após “um tempo de prova”.
O fato é que se percebe claramente essa quebra de paradigmas nas novas gerações, às vezes como impulso de autoafirmação. Entretanto, pode-se afirmar que a instituição família segue muito valorizada por todos, e sua problemática é estudada e cuidada por muitas organizações e movimentos de inspiração humanística e religiosa.
IHU On-Line - Qual a contribuição específica que a experiência da Igreja do Brasil pode dar ao Sínodo?
Helio Amorim - Sendo o povo brasileiro ainda predominantemente católico, embora os índices estatísticos confirmem uma cadência para apenas metade da população do Brasil, com tendência de queda, essa realidade deveria ser levada e discutida no Sínodo. Quais as razões dessa dispersão? Acreditamos que os bispos tenham a resposta. Tivemos décadas de papados incapazes de viver uma Igreja cativante, atuante fora dos seus limites, denunciando toda e qualquer injustiça ou violência no mundo, repreendendo governos e grupos que mantêm destruidores e sangrentos conflitos, acirrando ódios que atravessam gerações.
O papa Francisco inaugurou uma postura proativa, arquivou o silêncio e a prudência, está atento ao que se passa no mundo e não se cala. Os discursos e posicionamentos desse primeiro ano de papado já mudaram a face da Igreja, que se torna não só portadora do anúncio evangélico, mas deixa de ser alienada ou pouco corajosa na denúncia que é inseparável daquele anúncio.
IHU On-Line - Alguns setores da Igreja foram contrários ao questionário. Ao mesmo tempo grupos de católicos divulgaram o questionário nas redes. Como vê ações como essa? O que elas indicam?
“O papa Francisco inaugurou uma postura proativa, arquivou o silêncio e a prudência, está atento ao que se passa no mundo e não se cala”
Helio Amorim - Creio que Francisco já sabe ou mesmo sabia antes o que o esperava por essa postura ausente do Vaticano há tanto tempo. O que já se percebe é uma reação de grupos mais conservadores, com medo das consequências esperadas dessa postura crítica exigida dos cristãos. Já não se pode tolerar a passividade e a acomodação. As injustiças estão por toda parte nos países, cidades, bairros onde residimos e nas nossas próprias famílias. Dois terços da população mundial não têm recursos para atender suas necessidades básicas, enquanto do outro lado prevalece o desperdício de bens e dinheiro para manter o conforto e segurança dos abastados. Esse quadro é injusto e instável, gerador de guerras e mortes. Não pode prevalecer por futuras gerações. O papa assumiu essa missão e logo desencadeou falas e gestos concretos. Deus o proteja.
IHU On-Line - Já é possível avaliar quais são os resultados da distribuição do questionário? Já está sendo feita uma síntese das respostas?
Helio Amorim - Para mim, as respostas soam como estridente silêncio. Nada na mídia, nada nas falas da Igreja para a população majoritariamente católica (ainda). Certamente uma síntese já está sendo feita no Vaticano, talvez por amostragem, por ser impossível processar centenas de milhares de respostas em sete idiomas. Na verdade o importante foi o movimento provocado de avaliação crítica dos cristãos em seus países, desencadeado mundo afora, mesmo sabendo ser impossível a leitura senão de uma pequena amostragem de questionários respondidos.
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Sínodo Extraordinário sobre a Família: “As respostas soam como estridente silêncio no Brasil”. Entrevista especial com Helio Amorim - Instituto Humanitas Unisinos - IHU