02 Setembro 2010
O tempo extremamente seco que prevaleceu no mês de agosto em todo o país fez com que as queimadas, que desde 2007 estavam diminuindo ano a ano, tomassem uma proporção preocupante. O Brasil queimou de norte a sul. E, segundo o físico Saulo Freitas, setembro deve seguir a tendência do mês anterior, uma vez que a metereologia prevê um período de mais seca e aumento da temperatura. “As áreas mais afetadas são Mato Grosso e Pará, disparados com maior número de queimadas e, consequentemente, emissão de gases para a atmosfera. Na parte mais ao sul do Brasil, o impacto da queima é menor, pois são locais mais agrícolas. O problema é o transporte a longa distância do material que é emitido no Norte. Não estão produzindo impacto localmente, mas associado ao transporte pelo vento. Com a entrada das frentes, acaba-se tendo uma canalização grande para o Uruguai, Rio Grande do Sul e Paraguai”, aponta o pesquisador. Em entrevista à IHU On-Line, concedida por telefone, Freitas nos explica o fenômeno e suas implicações.
Saulo Ribeiro de Freitas é bacharel em física pela Universidade Federal de Goiás. Realizou mestrado em Física na Universidade Federal de Pernambuco e o doutorado, na mesma área, na Universidade de São Paulo. Obteve o título de pós-doutor pela NASA Ames Research Center – EUA. Atua como professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que sentido o clima do último mês interfere ou contribui para as queimadas?
Saulo Freitas – Houve uma anomalia bastante forte na umidade. O clima foi bastante seco e teve mais pré-disposição para a queima da biomassa. As queimadas acontecem, primariamente, por razões de origem humana, seja pelo descuido da pessoa que joga um toco de cigarro aceso à beira da estrada, gerando uma pequena chama que se propaga e perde o controle ou em função de práticas agrícolas e econômicas, para derrubada da floresta e a conversão em pastagens e área agrícola. Apesar de o indivíduo derrubar uma mata de um ou dois hectares, a chama dessa região consegue pular as barreiras e o fogo se propaga facilmente para outras áreas, perde o controle e isso vai se intensificando. A previsão para setembro é que continue a mesma situação do mês de agosto, seco e quente e que continue gerando queimadas e emissão de material particulado e gases tóxicos e do efeito estufa para a atmosfera. A fumaça fica na atmosfera por uns 10 dias, mas os gases do efeito estufa ficam centenas de anos. Essa quantidade de CO2 que você emite pela queimada modifica as características climáticas.
IHU On-Line – Podemos concluir que é a ação do homem que desencadeia essa situação alarmante em relação às queimadas?
Saulo Freitas – Nos países em desenvolvimento, a principal razão das queimadas é a ação humana, diferente dos países desenvolvidos. Se pensarmos nas florestas extratropicais que ficam na Rússia, Canadá ou Alasca, a incidência de fogo é causada por ação da natureza, como um relâmpago ou faísca qualquer de causa natural.
IHU On-Line – A prática das queimadas é proibida? Por que continua tão utilizada nas propriedades rurais?
Saulo Freitas – Os produtores rurais ou donos de fazenda têm áreas licenciadas pelo Ibama para conversão em pastagens ou áreas de agricultura. Isso está previsto na Constituição, eles têm esse direito. Não estou defendendo que isso seja feito, mas é permitido por lei. Porém, também há ações que não têm licenciamento. Simplesmente vão para locais onde querem implementar uma área de cultivo agrícola ou pecuária e derrubam a mata no começo do inverno, em meados de maio, esperam a matéria orgânica secar por dois ou três meses e, em agosto e setembro, com clima seco, colocam fogo. O maior problema são as áreas queimadas ilegalmente. Apesar de o governo ter melhorado muito a ação fiscalizatória, vivemos em um país de dimensão continental. É praticamente impossível fiscalizar todas as áreas e coibir a ação dessas pessoas. O número das queimadas ilegais, certamente, é superior às permitidas na legislação.
IHU On-Line – Que balanço o senhor pode fazer do Brasil hoje em relação às queimadas?
Saulo Freitas – Já houve anos mais críticos. A grande surpresa é que estávamos experimentando um declínio bastante consistente no número de queimadas e nas taxas de desmatamento. Em 2007, 2008 e 2009 houve redução. Mas em 2010 ocorreu um crescimento abrupto, voltamos a alcançar os números que tínhamos em 1998, 2002 e 2003, anos em que o número de queimadas foi muito grande. As áreas mais afetadas são Mato Grosso e Pará, disparados com maior número de queimadas e, consequentemente, emissão de gases para a atmosfera. Na parte mais ao sul do Brasil, o impacto da queima é menor, pois são locais mais agrícolas. O problema é o transporte a longa distância do material que é emitido no Norte. Não estão produzindo impacto localmente, mas associado ao transporte pelo vento. Com a entrada das frentes, acaba-se tendo uma canalização grande para o Uruguai, Rio Grande do Sul e Paraguai. Toda área brasileira sofre de alguma forma. Peru e Bolívia e Paraguai têm casos extremamente graves de áreas de florestas queimadas.
IHU On-Line – As queimadas na Amazônia têm sido recorrentes. No entanto, recentemente elas tiveram destaque na mídia nacional. Isso tem relação com a aproximação das eleições?
Saulo Freitas – Este ano ocorreu uma queima muito abrupta. O mês de julho foi normal, calmo, mas agosto teve um aumento muito grande. Combinado com o clima seco, teve um agravamento muito intenso nos níveis de qualidade do ar. Esse ar seco, junto à fuligem soltada pela fumaça, causou problemas respiratórios em áreas muito grandes. Uma parte muito maior da população foi atingida por problemas de saúde pública. Outro aspecto é a questão das mudanças climáticas, tema no qual as pessoas estão cada vez mais prestando a atenção, vendo que é um processo concreto e que algo precisa ser feito. As queimadas são um ponto forte nessa questão, pois emitem muitos gases do efeito estufa, modificam a cobertura do solo, geram gases tóxicos. Pelo fato de este tema estar cada vez mais em voga, junto ao crescimento dos problemas respiratórios, as empresas de comunicação acabaram dando um destaque maior.
IHU On-Line – O Brasil vive o problema das queimadas há muitos anos. Que tipo de ações poderiam ser adotadas como possíveis soluções?
Saulo Freitas – A ação mais efetiva é inibir a queima. Uma vez que queimou a matéria orgânica e emitiu os diversos gases produzidos na combustão, não se tem mais controle. A atmosfera leva para onde as forças dinâmicas induzem o transporte. A atitude primária é não queimar. Se a sociedade percebesse a complexidade e o grau de transtorno que uma queimada causa para o meio ambiente, isso seria banido rapidamente. Mas a população não tem essa percepção dos prejuízos que uma queimada em área da Amazônia pode trazer, por exemplo. O governo, junto aos meios de comunicação, precisa implementar programas de fiscalização e informação e fornecer alternativas de sobrevivência econômica que não passem pela queima da biomassa. Aumentar o rigor das punições também seria uma saída. Leis mais rígidas inibiriam as queimadas ilegais. As ações precisam ser tomadas agora.
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O Brasil em chamas. Entrevista especial com Saulo Freitas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU