17 Mai 2007
O BNDES foi criado em 1952, com o objetivo de desenvolver a economia brasileira. Hoje, 55 anos depois de sua implementação, o doutor em economia Alexandre de Santana Lima defendeu sua tese intitulada “A atuação do BNDES no desenvolvimento econômico brasileiro: 1952 – 2002", na qual examina os procedimentos e decisões tomadas pela instituição. A IHU On-Line entrevistou, por e-mail, Alexandre. Nesta entrevista, o economista disserta sobre o papel do BNDES, compara gestões, analisa sua atuação durante governos como os de Getúlio Vargas, Collor e FHC.
Alexandre de Santana Lima graduou-se em Engenharia Civil, pela USP. Ele é Master in Business Administration pela Business School São Paulo e mestre em economia pela PUC-SP onde também fez o seu doutorado.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a comparação que você faz, por exemplo, da atuação do BNDES no Governo Getúlio Vargas e no Governo FHC?
Alexandre Lima - O BNDES foi criado no segundo governo Vargas, com o firme propósito de planejar e financiar o desenvolvimento econômico brasileiro, baseado num modelo de substituição de importações e redução da dependência externa. Antes, o desenvolvimento estava calcado em um Estado agente do desenvolvimento econômico e principal tomador dos recursos de longo prazo do BNDES.
No governo FHC, a função esperada do Estado é outra. O Estado passa a ser gerente do processo de desenvolvimento, não mais agente. A produção e os serviços, considerados não-exclusivos, passam a ser transferidos para a iniciativa privada. Já anteriormente ao governo FHC, o BNDES já havia deixado de ter como principal cliente a empresa pública, passando a ser o principal ente no processo de privatização das empresas públicas, seja nos setores de infra-estrutura, seja nos setores industriais. A iniciativa privada, nacional ou estrangeira, é o principal usuário do banco, e tido como o principal agente do desenvolvimento industrial e econômico.
IHU On-Line - Qual é o perfil do BNDES antes, durante e após a ditadura militar?
Alexandre Lima - Durante o período anterior à ditadura militar, o BNDE esteve presente no financiamento à infra-estrutura, principalmente no binômio energia-transporte, assim como no desenvolvimento da siderurgia. A principal preocupação e foco do BNDES estava na empresa pública.
Durante o governo militar, já em seu início, o BNDE é ainda visto como um órgão de planejamento do desenvolvimento econômico. Assim como, através da criação do FINAME (ainda como fundo) e de programas de desenvolvimento de pequenas a médias empresas, o BNDE demonstra mais fortemente o seu apoio à iniciativa privada.
O período da pós-ditadura, principalmente na década de 1990, estabelece a mudança da característica do Estado, que passa a ser financiador da iniciativa privada e articulador do processo de desestatização, atuando como gestor do processo de privatização, com indústrias estatais e concessões de serviços, dando um foco à exportação.
IHU On-Line – Poderia falar sobre o papel que o BNDES possui hoje na economia brasileira?
Alexandre Lima - O BNDES continua sendo o principal repassador de recursos de longo prazo na forma de empréstimos, relacionados à aquisição de máquinas e equipamentos e de financiamento a projetos, a custo acessíveis e estáveis para empresas estabelecidas no Brasil. Ainda que o seu processo decisório de aplicação de recursos não possua os mesmos critérios vistos na sua criação, o BNDES ainda possui uma posição de destaque e de responsabilidade no desenvolvimento econômico brasileiro.
IHU On-Line - Como o senhor avalia a gestão de Carlos Lessa e Luciano Coutinho à frente do órgão?
Alexandre Lima - Começando pelo recém-empossado presidente, Luciano Coutinho, não há como se avaliar a sua gestão. Há a expectativa de um processo de desenvolvimento alinhado com a diretriz do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com um forte interesse na retomada do desenvolvimento, através da iniciativa privada e um foco no crescimento, visando ao incremento das exportações e o desenvolvimento da indústria estabelecida no Brasil.
Com relação à gestão de Carlos Lessa, acredito que o momento econômico era muito distinto do que este que nos encontramos hoje. A entrada do presidente Carlos Lessa no BNDES ocorreu dentro de uma expectativa de euforia e rompimento com os padrões de econômicos dos governos FHC. Entretanto, este rompimento acabou por não ocorrer. Juntamente a este fato, o pensamento do presidente de fazer do BNDES novamente um banco desenvolvimento, e não de investimento, através da maximização da eficiência social e não resultados financeiros, assim como a sua pretensão de ter o banco como um possível hospital de empresas, não foram acatados pelos empresários e por importantes formadores de opinião.
IHU On-Line - Como o senhor vê a atuação do BNDES durante as privatizações do governo FHC?
Alexandre Lima - O Estado mudou a sua característica e o banco foi adequado a esta nova visão e atuação do Estado. O BNDES já havia sido esvaziado, com a perda de sua habilidade de emprestar para o setor público, devido aos contingenciamentos de crédito. A nova ordem econômica exigia a privatização de empresas. Logo, o Banco, com sua alta capacidade e seu forte quadro técnico, foi chamado para cumprir a sua função, demandada pelo novo momento econômico. Há sempre uma discussão sobre o fato de o BNDES financiar a iniciativa privada estrangeira, e isto vai na direção contrária dos princípios de criação da entidade, o que pode ser defensável. Entretanto, o poder decisório de a quem financiar está muito além da capacidade do BNDES em gerenciar, tornando-o artífice de um processo.
IHU On-Line - O perfil que o BNDES tinha na década de 1980 foi seguido na década seguinte? Quais foram as diferenças?
Alexandre Lima - A atuação do BNDES nos anos 1980 é diferente do BNDES dos anos 1990. Os anos 1980 foram marcados pela inflação, por uma estagnação e, muitas vezes, por um retrocesso econômico, devido a problemas internos e pressões externas. O BNDES passou a administrar o Finsocial e a ter um foco específico em ações sociais e de meio ambiente. Contudo, o desenvolvimento e o investimento em novas indústrias e segmentos foram dificultados por uma incerteza econômica, desde o início do governo Figueiredo, culminando durante o Governo Sarney e na seqüência de planos econômicos mal-sucedidos, assim como na herança de empresas deficitárias dos períodos anteriores.
Os anos 1990 são transformados pela adoção de uma pensamento eminentemente liberal, no governo Fernando Collor, e, posteriormente, no governo FHC. O BNDES iniciou a década de 1990 responsável por auxiliar as exportações e ser atuante no processo de desestatização dos serviços e indústrias. A vertente social se manteve através de apoio a alguns programas específicos e ao desenvolvimento de áreas menos desenvolvidas, como o Norte e o Nordeste, mas, com certeza, o seu caráter de agente da privatização continuou sendo o mais forte de todos nesta década.
IHU On-Line - E o BNDES de Collor? O senhor vê mudanças na política econômica da instituição de lá para cá?
Alexandre Lima - O período do Governo Collor, além de ser curto, foi de transição. O contingenciamento de crédito à empresa pública retirou o BNDES do processo de investimento neste segmento, que sempre fora o seu maior tomador. O momento de busca de redução do Estado e da sua saída do processo de industrialização e desenvolvimento, assim como a abertura comercial, foram causadores de um momento completamente novo e único para o BNDES. Justamente neste momento, ele se torna agente da privatização.
A função do BNDES como agente da privatização ainda marcou toda a década de 1990, como eu afirmei, mas a sua característica hoje é distinta de quando foi criada e de quando passou pelo Governo Collor. A estabilidade econômica permitiu a melhor estruturação de produtos financeiros, assim com, a confiança nos empréstimos de longo prazo pelos tomadores.
Seguramente, as suas políticas mudaram muito, fruto de mudanças de diretrizes legais. Desde 1997, empresas de capital estrangeiro podem tomar os recursos do BNDES, desde que estejam em setores considerados estratégicos. Coincidentemente, estes são os que foram privatizados: a indústria automobilística e de eletrônica.
IHU On-Line - Para o senhor, o que significa a retomada da industrialização ou a desindustrialização do Brasil?
Alexandre Lima - Não percebo uma retomada da industrialização da economia. Não se viu, nos últimos anos, um crescimento do parque industrial brasileiro. Poucas foram as novas indústrias que se instalaram no país. A grande maioria das empresas que já estavam instaladas continuam operando e buscando eficiência nas suas unidades produtivas, através da maior produção no mesmo espaço e através da automatização de processos. Potencialmente, poderíamos falar que há uma desindustrialização, não necessariamente pela saída de empresas e indústrias do país, mas pelo ritmo lento de introdução de novas indústrias ou unidades produtivas, além da menor absorção da mão-de-obra no processo produtivo com o ganho da eficiência.
IHU On-Line - E como o senhor vê a atuação do BNDES na área social brasileira?
Alexandre Lima - O BNDES possui algumas iniciativas na área social, mas ainda muito tímidas e com montantes bem inferiores aos destinados a sua atuação na área industrial, investimento em produção e projetos de desenvolvimento. O programas de desenvolvimento social disponíveis no BNDES muitas vezes tem o seu acesso dificultado devido à forma de contratação, ao desinteresse de bancos repassadores, quando isso é permitido, e à burocracia exigida, principalmente para pequenos projetos.
IHU On-Line - Como o senhor avalia o desempenho do BNDES na área do microcrédito, atualmente?
Alexandre Lima - O BNDES possui, atualmente, programas de micro-crédito, através de agentes repassadores, principalmente cooperativas de crédito e bancos governamentais. Entretanto, o processo segue burocrático para o tomador e para o repassador, que muitas vezes se encontram na informalidade. Ao mesmo tempo, há o fato de o agente repassador ser responsável pela avaliação de crédito e do risco associado à operação, causado pela impossibilidade administrativa do BNDES, para gerir um número grande de operações de baixo valor e de alta demanda administrativa. Ao mesmo tempo, também, o BNDES segue protegido contra a inadimplência, e o seu agente repassador assume todo o risco, sendo remunerado através de um spread, pelo seu serviço de análise de crédito e manutenção do processo, que, muitas vezes, não justifica os custos e riscos para os bancos comerciais privados.
IHU On-Line - A sociedade civil tem força suficiente para mudar a forma de atuação do BNDES, que é operador da política do governo federal?
Alexandre Lima - Acredito que a sociedade civil pode questionar a atuação do BNDES. Entretanto, não a vejo com força suficiente para mudar a forma de atuação do Banco. Poucos têm acesso ao funcionamento do mesmo. Além disso, as opiniões a seu respeito são distintas e muitas vezes controversas, devido a este desconhecimento.
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BNDES e o desenvolvimento econômico brasileiro. Entrevista especial com Alexandre Lima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU