Por: Cesar Sanson | 08 Março 2016
"Rezar para os cristãos pisarem a cabeça daqueles que se auto denominam jararacas é frase perigosa num Brasil, dividido entre 'petralhas' e 'tucanalhas', cheio de hostilidades e fundamentalismos". O comentário é de Frei Leonardo Aureliano em artigo publicado por Franciscanos, 07-03-2016.
Eis o artigo.
A missão da Igreja, se ela quiser ser fiel Àquele que reconhece como seu mestre, é denunciar as injustiças e o pecado e anunciar, por palavras e obras, o Reino de justiça e de paz proposto por Jesus. Serviço nada fácil, porque discernir qual seja a vontade de Deus num mundo cada vez mais complexo é muito exigente.
Assim, todo padre, mesmo honesto e bem intencionado, é sujeito ao erro. Isso se aplica ao objeto do qual tratarei, mas também a estas linhas. Refiro-me ao caso que invadiu as redes sociais esta semana: o bispo que domingo passado, em Aparecida, rezou para que os fiéis esmaguem a cabeça da serpente.
A serpente pode ser aquela que tentara Adão e Eva e, como castigo, receberia da descendência da mulher um pisão na cabeça. Os católicos entendem que o Sim de Maria à proposta de ser Mãe de Jesus Cristo seja essa pisada na cabeça da serpente, ou de Satanás. Mas não é só isso… naqueles dias Lula falou de si mesmo como Jararaca. Então fica fácil entender a quem o bispo se referia.
O quarto domingo da quaresma, ocasião em que, neste ano, a Igreja lê a parábola do filho pródigo foi o cenário no qual Dom Darci, bispo auxiliar de Aparecida, depois de falar em pisar a cabeça da serpente na hora da homilia, concluiu a oração dos fiéis dizendo: “Peça, meu irmão e minha irmã, a graça de pisar na cabeça da serpente. De todas as víboras que insistem e persistem em nossas vidas. Daqueles que se autodenominam jararacas. Pisar a cabeça da serpente. Vencer o mal pelo bem por Cristo nosso senhor. Amém”. Clara alusão a Lula.
A frase de Dom Darci foi logo compartilhada com euforia por vários sites católicos, mormente reacionários – os mesmos que se queixam dos padres ligados à teologia da libertação por imiscuir-se em política, demonstrando que o problema para eles não estaria em falar de política, mas em colocar-se à esquerda.
Para ajudar a aclarar as coisas, convido você a considerar alguns pontos:
• A alusão à serpente destoa da liturgia daquele dia. Certamente, a Liturgia não é algo engessado, mas assisti mais de uma vez toda a celebração pelo YouTube e não consegui encontrar o nexo entre a ideia de pisar a cabeça da serpente e as leituras propostas para aquele dia.
• A oração dos fiéis, mesmo sendo um momento no qual a comunidade é convidada a orar por suas necessidades e pelas do mundo, não é um balaio onde se pode jogar qualquer coisa. A função do presidente da celebração é ajudar no seu andamento e concluí-la recolhendo os pedidos apresentando-os por Cristo, no Espírito Santo, ao Pai.
• Rezar para os cristãos pisarem a cabeça daqueles que se auto denominam jararacas é frase perigosa num Brasil, dividido entre “petralhas e tucanalhas”, cheio de hostilidades e fundamentalismos.
• O lugar também é por demais significativo. A Basílica de Aparecida é uma das Igrejas mais importantes do mundo. Algo dito ali tem muito mais peso do que a pregação de um padre numa igrejinha do interior a meia dúzia de pessoas.
Não estou dizendo que o bispo esteja necessariamente errado em sua posição contra Lula, ele tem todo direito de pensar assim – pensar e talvez contar para os amigos. Mas publicizar tal pensamento numa missa mais atrapalha do que ajuda no crescimento da ainda imatura democracia tupiniquim. No Estado democrático brasileiro os criminosos, depois de investigados e julgados, com presunção de inocência e amplo direito de defesa, devem receber a pena que lhes é devida que não inclui ter a cabeça esmagada.
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O Bispo e a jararaca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU