16 Fevereiro 2016
O rompimento da barragem de resíduos de minério da empresa Samarco/Vale/BHP, em Mariana, completou três meses na sexta-feira, 5. Com o objetivo de colaborar para a compreensão dos danos ambientais e do impacto da tragédia na população ribeirinha, ainda com pontos desconhecidos, pesquisadores das universidades federais de Juiz de Fora (UFJF) e de Minas Gerais (UFMG) publicaram o relatório de expedição realizada em 11 cidades afetadas pela lama de resíduos despejada no Rio Doce.
A reportagem foi publicada por Universidade Federal de Juiz de Fora, 15-02-2016.
Doze dias após o desastre em Mariana, a equipe de pesquisadores das duas universidades saiu de Belo Horizonte com destino a Regência (ES), onde o Rio Doce deságua no Atlântico. A expedição percorreu mais de 500 quilômetros de 11 municípios atingidos, ao longo dos três dias de trabalho, de 17 a 20 de novembro de 2015. Os objetivos foram fazer levantamento sobre a percepção de moradores acerca do desastre nas localidades visitadas, identificar as alterações fluviais decorrentes do aporte de sedimentos da barragem e coletar amostras de água e sedimentos para análises laboratoriais.
Ação do Governo e da mineradora
O relatório da expedição mostra também como as autoridades governamentais e a Samarco agiram para conter os danos do desastre. “Que a Samarco está presente na Bacia do Rio Doce é um fato, mas ela está cruelmente presente. A empresa aloca recursos para conter os danos ambientais e auxiliar a população, mas faz isso de forma pontual, em locais específicos onde sua presença pode ter mais visibilidade”, afirma o professor do Departamento de Geociências da UFJF e integrante da expedição, Miguel Fernandes Felippe.
Ação dos governos municipais também variou muito de local para local, segundo o professor. O relatório da expedição menciona o caso de Baixo Guandu (ES), onde o poder público local foi um dos poucos a reagir com veemência diante do acidente, inclusive interrompendo o tráfego da estrada de ferro como forma de protesto a ausência da Samarco e dos governos estadual e federal.
“Muitas prefeituras acabaram mostrando certa inércia, posicionando-se ao lado da mineradora na questão do desastre. É inegável que existe uma pressão econômica por parte das empresas envolvidas”, adverte Felippe.
O relatório ainda alerta que a ausência do poder público e da mineradora é ainda mais grave nas zonas rurais atingidas. “O município de Rio Doce é um bom exemplo da presença seletiva dos agentes responsáveis. A zona urbana, pouco prejudicada pelo rompimento da represa, recebeu auxílio da prefeitura e da Samarco, enquanto a zona rural, que sofreu com o acidente, ficou quase sem assistência ou informação”.
Nem urubu
O relatório traz uma série de fotos das cidades afetadas e descreve depoimentos de moradores. “Algumas pessoas, ao ver os grandes peixes que desciam o rio mortos ou agonizando, apanharam-nos para comer. Um dos entrevistados disse que pessoas que se alimentaram de peixes mortos passaram mal e foram para o hospital. Outros, cercaram os bebedouros de gado para que os animais não tocassem no rio, já que houve casos de galinhas e patos que morreram 24 horas após consumirem a água do rio. O mesmo morador que relatou a morte das galinhas, disse também que os peixes mortos que foram trazidos pelo rio não foram comidos nem por urubus”, destacam os pesquisadores durante passagem no município mineiro de Periquito, no Vale do Rio Doce.
Na mesma região, um morador de Santa Cruz do Escalvado apontou que o acidente, conforme o relatório, causou “muita tristeza e consternação na população, em meio ao descaso tanto da Samarco quanto da prefeitura”. O ribeirinho disse que observou bois, porcos, vacas, cavalos e peixes descendo o rio e duas capivaras agonizando. “Uma nota triste nessa localidade, diz respeito ao fato de um dos moradores ter encontrado fragmentos de corpos humanos em meio aos troncos depositados”, afirmam os pesquisadores.
Revitalização do rio
Quanto à resolução da crise no Rio Doce, os pesquisadores da expedição não são otimistas. Segundo eles, o rompimento da barragem causou aumento drástico no volume de sedimentos depositados no leito e em suas margens, o que pode alterar a própria dinâmica do curso d’água.
Os pesquisadores da UFJF e UFMG acreditam que o mais importante para solucionar o problema é informar a população e formular projetos que pensem em soluções a longo prazo e que abranjam toda a região atingida.
“Os danos do rompimento afetaram área muito extensa e de forma muito profunda. Não existem soluções efetivas a curto prazo. Mesmo o crescimento da vegetação na região das margens só vai ocorrer depois que todo o sedimento for mobilizado, o que não vai ocorrer pelos próximos cinco anos”, estima Felippe.
A conclusão das análises de água e sedimento será divulgada na segunda parte do relatório. “Os resultados das nossas avaliações ainda não está concluído, mas diversas outras análises, como as do Grupo Gaia [Grupo Independente de Avaliação do Impacto Ambiental] mostram a presença de elementos como arsênio, alumínio e chumbo em concentrações alarmantes”, explica Miguel Felipe.
O rompimento
Nio dia 5 de novembro de 2015, um dos diques da Barragem do Fundão, que armazenava rejeitos de extração de minério, se rompeu, lançando cerca de 60 milhões de metros cúbicos de lama no Rio Doce. Os impactos do acidente foram imediatos, devastando os centros urbanos mais próximos e causando graves danos ambientais ao longo do rio.
Além do professor Miguel Felippe, participaram da expedição o docente da UFMG Ralfo Matos, o aluno de doutorado da UFMG Alfredo Costa, o pesquisador convidado Roberto Franco e os alunos de graduação em Geografia Laís Carneiro Mendes (UFJF) e Gabriela Reis (UFMG). A equipe passou, em Minas Gerais, por Ipatinga, Resplendor, Conselheiro Pena, Governador Valadares, Periquito, Rio Doce/Santa Cruz do Escalvado e Barra Longa e, em Espírito Santo, por Linhares, Regência, Colatina e Guandu.
Leia o relatório “A Tragédia do Rio Doce – a Lama, o Povo e a Água”.
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Professores da UFJF relatam danos ambientais e humanos em expedição ao Rio Doce - Instituto Humanitas Unisinos - IHU