14 Dezembro 2015
O Acordo de Paris é histórico por juntar pela primeira vez todos os países do mundo no objetivo comum de combater as mudanças climáticas e buscar conter o aquecimento do planeta a 1,5°C. Apesar de não deixar muito claro como isso será feito, traz os pilares para promover a transição para um mundo sem carbono. Essa foi a avaliação de organizações ambientais e sociais sobre o documento assinado na noite deste sábado em Paris.
A reportagem é de Giovana Girardi e Andrei Netto, publicada por O Estado de S. Paulo, 14-12-2015.
"A roda das ações climáticas se move vagarosamente, mas em Paris ela virou. Esse acordo coloca a indústria do combustível fóssil no lado errado da história", disse Kumi Naidoo, diretor executivo do Greenpeace. "Há muitas coisas no texto que foram diluídas e poluídas pelas pessoas que querem espoliar nosso planeta, mas ele contém um novo imperativo para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C. Esse número singular e o objetivo de zerar as emissões líquidas pela metade do século vão causar nas diretorias das companhias de carvão e nos palácios dos Estados exportadores de petróleo."
Para Carlos Rittl, do Observatório do Clima, ao longo de mais de 20 anos de negociações climáticas sempre houve muita expectativa e muita frustração, mas em Paris, diz, se fez história. "Claro que o texto não traz todas a clareza sobre os caminhos que precisamos seguir. Mas ele tem elementos importantes, os pilares desse processo. A referência do 1,5°C significa que nós da sociedade civil vamos voltar para casa e podemos cobrar atualização da INDC (pacote de compromissos de redução das emissões de gases de efeito estufa do Brasil), dos investimentos, dos planos. Começa em Paris um novo regime climático."
Para o ambientalista, no entanto, o fato de acordo ter sido construído de baixo para cima, ou seja, com as metas sendo propostas pelos países e não impostas de cima para baixo pelo acordo, deixa muita coisa para ser decidida pela vontade de cada país. "São eles que vão decidir como vão se engajar para aumentar a ambição de mitigação e de financiamento. E há um risco nisso. Se o espírito positivo de engajamento que se viu até Paris se desfizer, podemos seguir numa trajetória perigosa de aquecimento de 3°C", complementou.
ONGs que trabalham com países mais vulneráveis elogiaram também a presença de um artigo sobre "perdas e danos". Apesar de não trazer menções a compensações financeiras para aqueles países que já estão além da capacidade de se adaptar às mudanças climáticas, o texto fala que é preciso lidar com o problema.
"É a primeira vez que perdas e danos é incluído num texto global e só isso já é muito importante. Não traz compensação, mas como o documento considera limitar o aquecimento a 1,5°C, já está direcionando ações para que se evite mais danos para esses países mais vulneráveis. É uma conquista", disse Mohamed Adow, conselheiro climático da Christian Aid.
Jennifer Morgan, diretora global do programa de clima do World Resources Institute, afirma que o acordo ganhou poder ao incorporar as "vozes dos mais vulneráveis". "Mas claro que, como todas as negociações difíceis, não podemos dizer que se acordou exatamente tudo o que queríamos. Há muito trabalho a ser feito. E o acordo traz um sinais claros: um compromisso de voltar para a mesa a cada cinco anos para revisar e reforçar os compromissos dos países; um sinal para o longo prazo sobre a inevitável mudança para uma economia de zero carbono; e suporte financeiro para os países vulneráveis", diz. "Em Paris, o mundo deu uma mensagem clara. Estamos unidos na nossa determinação de criar um futuro mais seguro, saudável e mais próspero."
Até mesmo a comunidade científica, que na sexta-feira estava crítica ao texto de rascunho que tinha sido apresentado, viu mudanças positivas na versão final. "O texto reconhece o imperativo da comunidade científica de combater as mudanças do clima. Os três elementos-chave para fazer isso estão no texto de alguma forma: manter o aquecimento bem abaixo de 2°C, praticamente mover a economia para longe dos combustíveis fósseis e revisar a contribuição de cada país a cada cinco anos para aumentar a ambição", disse Corinne Le Quéré, da Universidade de East Anglia.
"Todos os governos parecem agora reconhecer que a era dos combustíveis fósseis precisa acabar, e logo. Mas o poder da indústria dos combustíveis fósseis está refletido no texto, que prolonga a transição de tal forma que danos climáticos sem fim serão cometidos. Já que a velocidade é uma questão crucial agora, nós ativistas precisamos redobrar nossos esforços para enfraquecer essa indústria. O texto não salvou o planeta mas pode ter salvo a chance de salvar o planeta", completou Bill McKibben, cofundador da 350.org.
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Acordo é histórico e coloca mundo no rumo do carbono zero, dizem ONGs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU