Por: André | 30 Novembro 2015
“Eu queria falar a vocês em inglês, mas meu inglês não é bom”, desculpou-se o Papa. “Não poderia dizer a vocês o que quero dizer”. Dessa maneira, “vou falar em espanhol. Obrigado pela compreensão de vocês”. O Papa voltou a fazer um discurso improvisado, emocionante, que provocou risadas e lágrimas e no qual reivindicou o serviço na Igreja. Esteve na presença de missionários, religiosos, religiosas e do clero queniano, um clero que luta para levar o Evangelho e defender a liberdade religiosa em um contexto de extremismos, e para quem as palavras do Papa representaram um bálsamo para mil e uma feridas. E que reproduzimos na sequência.
A reportagem é de Jesús Bastante e publicada por Religión Digital, 26-11-2015. A tradução é de André Langer.
Durante a leitura da carta de São Paulo, um aspecto em particular me chamou a atenção.
O Senhor nos transforma e ele começou sua obra no dia em que olhou para nós no Batismo. E no dia em que olhou para nós, depois, quando nos disse: se vocês têm vontade, venham comigo. E aí entramos na fila e começamos o caminho. Mas foi ele quem começou o caminho, não nós.
O Evangelho que lemos nos fala de um curado que queria seguir o caminho e Jesus voltou-se para ele e disse “não”. No seguimento de Jesus Cristo, seja no sacerdócio, seja na vida consagrada, entra-se pela porta. E a porta é Cristo. Ele chama, ele começa, ele vai fazendo o trabalho. Há alguns que querem entrar pela janela: isso não é bom. Por favor, se algum vê que um companheiro ou companheira entrou pela janela, abracem-no e expliquem-lhe que é melhor que se vá, e que sirva a Deus em outro lugar. Porque nunca vai realizar uma obra que Jesus começou pela porta.
Isto nos deve levar a uma consciência de eleitos. Alguém olhou para mim e me escolheu. Impressiona-me o começo do capítulo 16 de Ezequiel. Eras filho de estrangeiro, estavas recém nascido e abandonado, eu passei, te limpei e te levei comigo. Esse é o caminho, essa é a obra que o Senhor começou quando olhou para nós.
Alguns não sabem por que Deus os chamou, mas sentem que Deus os chamou. Vão tranquilos, Ele os fará compreender porque os chamou. Há outros que querem seguir o Senhor, mas por interesse. Lembremo-nos da mãe de Tiago e João: “Senhor, quero lhe pedir que quando partires o bolo dês o pedaço maior para os meus filhos, um à direita e outro à esquerda”. É a tentação de seguir Jesus por ambição. Ambição de dinheiro, de poder.
Todos podemos dizer: quando eu comecei a seguir Jesus isso nem me passou pela cabeça. Mas passou pela cabeça de outros. E pouco a pouco se semeará no coração como uma cizânia. Na vida do seguimento de Jesus não há lugar para a ambição, nem para as riquezas, nem para ser uma pessoa importante no mundo: segue-se Jesus até o último passo de sua vida terrena, a cruz.
Depois, ele se encarrega de ressuscitar vocês, mas até aí, andem vocês.
O que digo é sério. Porque a Igreja não é uma empresa, não é uma ONG. A Igreja é um mistério, mistério do olhar de Jesus sobre cada um, que lhe diz: segue-me. Está claro? Quem chama é Jesus; entra-se pela porta, não pela janela; e se segue o caminho de Jesus.
Evidentemente, Jesus, quando nos escolhe, não nos canoniza; continuamos sendo os mesmos pecadores. Eu peço, por favor, se há aqui algum padre ou alguma religiosa ou religioso que não se sente pecador, que levante a mão. Todos somos pecadores, eu em primeiro lugar, depois vocês. Mas a ternura e o amor de Jesus nos fazem seguir em frente.
Vocês se lembram da passagem do Evangelho quando o apóstolo Tiago chorou? Alguém se lembra? Não, e quando chorou o apóstolo João ou algum outro apóstolo? Apenas um chorou, diz o Evangelho. Aquele que se deu conta de que era pecador. Era tão pecador que traiu o seu Senhor. E quando se deu conta disso chorou. Depois Jesus o fez papa. Quem entende Jesus? Um mistério.
Nunca deixem de chorar. Quando a um padre, a um religioso ou religiosa se secam as lágrimas, algo não está bem. Chorar pela própria infidelidade, pela dor do mundo, chorar pelas pessoas descartadas, pelos idosos abandonados, pelas crianças assassinadas, pelas coisas que não entendemos. Chorar quando nos perguntam por quê. Ninguém de nós tem todas as respostas para os por quês.
Há um autor russo que se perguntava por que as crianças sofrem. Cada vez que eu saúdo uma criança com câncer, com tumor, com uma doença rara, como se chamam agora, eu me pergunto: por quê? E eu não tenho resposta para isso. Somente olho para Jesus na cruz.
Há situações na vida que só nos levam a chorar olhando para Jesus na cruz. E essa é a única resposta para certas injustiças, para certas dores, para certas dificuldades na vida. São Paulo dizia aos seus discípulos: lembra-te de Jesus Cristo crucificado. Quando um consagrado ou consagrada, um padre se esquece de Cristo crucificado... pobrezinho, caiu em um pecado muito grave. Um pecado que dá nojo a Deus, que O faz vomitar. O pecado da tibieza.
Queridos padres, irmãos e irmãs: cuidem para não cair no pecado da tibieza. E bom, e o que mais posso lhes dizer do meu coração. Que nunca se afastem de Jesus. Isto quer dizer que nunca deixem de rezar. Padre, às vezes é tão chato rezar... A gente se cansa, adormece. Durma diante do Senhor! É uma maneira de rezar, mas permanece aí, diante do Senhor.
Quando um consagrado deixa a oração de lado, a alma seca e fica com a aparência desses figos secos. São feios, têm uma aparência feia. A alma de um religioso ou de um padre que não reza é uma alma feia. Perdão, mas é isso. Deixo-lhes esta pergunta: eu deixo de dormir, de escutar rádio, de assistir televisão ou ler revistas para rezar? Ou prefiro dedicar o meu tempo diante d’Aquele que começou a obra e a está terminando em cada um de vocês.
A oração
E uma última coisa que gostaria de lhes dizer, antes de lhes dizer outra (gargalhada), é que todo aquele que se deixou escolher por Jesus é para servir. Para servir o povo de Deus. Para servir os pobres, os descartados, os mais humildes. Para servir as crianças e os idosos. Para servir também as pessoas que não são conscientes da soberba e do pecado que está dentro delas. Para servir Jesus. Deixar-se escolher por Jesus é deixar-se escolher para servir, não para ser servido.
Há um ano, mais ou menos, houve um encontro de padres. As irmãs se salvam (risos). Durante esses exercícios espirituais, cada dia havia um grupo de padres que tinha que servir a comida. Alguns deles se queixaram. Não, nós temos que ser servidos, podemos pagar para que nos sirvam. Por favor, isso nunca na Igreja. Servir, não servir-se de.
É isto que queria dizer a vocês, que senti ao ouvir essa frase de São Paulo, confiado em que aquele que começou a boa obra entre vocês continuará até o dia de Jesus Cristo. Dizia-me um cardeal já de idade avançada, bom, um ano a mais que eu, assim que... Que quando ele vai ao cemitério, onde se depara com missionários, padres, religiosos, religiosas, que deram sua vida, ele se pergunta: por que estes não são canonizados amanhã? Porque passaram a sua vida servindo. E me emociona quando saúdo, depois de uma missa, um padre, uma religiosa, que há 30 ou 40 anos trabalham em um hospital de autistas ou nas missões na Amazônia... Tocam-me a alma, eles entenderam que seguir Jesus é servir os outros, e não servir-se dos outros.
Que Papa mais mal educado é esse! Deu-nos conselhos, meteu o pau em nós e não nos disse obrigado! Era a última coisa que gostaria de lhes dizer. A cereja do bolo. Quero agradecer-lhes. Obrigado por se animarem a seguir Jesus. Obrigado por cada vez que se sentem pecadores. Obrigado por cada gesto de ternura que dão a quem necessita. Obrigado por todas as vezes que ajudaram tanta gente a morrer em paz. Obrigado por queimarem a vida na esperança. Obrigado por se deixarem ajudar e corrigir, e perdoar todos os dias por Deus. E peço-lhes, ao lhes agradecer, que não se esqueçam de rezar por mim, porque eu necessito. Muito obrigado.
Despedida
Agradeço-lhes muito, mas tenho que sair por esta porta, porque quero saudar as crianças enfermas. Quero saudar os seminaristas: obrigado por seu trabalho, mas se não se sentem à vontade aqui, passem a outro trabalho e formem uma boa família.
“Se vê, se sente, o Papa está presente”, ouviu-se em castelhano, pois muitos dos religiosos e religiosas que se encontraram com o Papa, ao meio-dia em uma Universidade St. Mary lotada, são missionários ou foram educados por espanhóis.
Francisco ouvia atentamente as palavras de dom Mukobo, vigário apostólico de Isiolo, e foi fazendo anotações às margens das folhas do seu discurso. E, como sempre, acrescentou palavras ao escrito, enquanto tentava, com pouco sucesso – o ritmo não é seu forte – acompanhar o ritmo dos africanos que, enquanto rezam e cantam, dançam como ninguém. Uma dança, uma oração visual ao próprio Deus.
Antes de falar, intervieram vários membros da vida religiosa africana, que mostraram sua intenção de abrir os corações à felicidade trazida pelo Evangelho de Jesus, assim como colaborar com todas as religiões para um futuro de esperança e prosperidade no país, superando o medo. Especialmente emocionante foi o momento em que uma missionária alemã lhe agradeceu, em nome de todas as religiosas, sua defesa da mulher africana e também do papel das irmãs em todo o mundo.
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“Jesus, quando nos escolhe, não nos canoniza; continuamos sendo os mesmos pecadores”, diz Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU