19 Novembro 2015
Pela primeira vez depois do desastre com a barragem de Fundão, da mineradora Samarco, um grupo de moradores de Bento Rodrigues voltou às casas para buscar pertences que ficaram para trás. Há duas semanas, eles tiveram de sair com a roupa do corpo para fugir do mar de lama que assolou a localidade, invadindo as moradias.
A reportagem é de Luísa Martins, publicada por R7, 19-11-2015.
Nesta quarta-feira, 18, uma van oferecida pela empresa os levou, acompanhados da Guarda Municipal, à região. As imagens da tragédia transmitidas pela televisão não evitaram o pavor de ver o distrito devastado pelos 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério lançados pela destruição da barragem - um evento, até agora, de causas inexplicáveis. “Deus sabe o que faz. Levou meu pai em janeiro, para que ele não visse isso tudo”, desabafou o comerciante Sandro Sobreira, de 41 anos, que voltou ao local onde antes era sua casa e seu local de trabalho: um armazém.
Quando soube do rompimento da barragem, pegou a mãe pelo braço - ela, com 73 anos - e correu para o cemitério, na região mais alta do distrito. Estão, agora, hospedados no Hotel Providência, no centro de Mariana, e nesta quarta viajaram a Bento para tentar encontrar, em meio aos escombros, dois cofres onde estão todas as economias obtidas com o pequeno comércio.
Pedreiro, José Geraldo da Silva havia recém-construído uma casinha para morar com a mulher e dois filhos em Bento Rodrigues. Faltava rebocar a laje e rejuntar um piso de cerâmica. As intenções, claro, ficaram no passado. Embora a residência não tenha sido atingida por completo, foram obrigados pelas autoridades a deixá-la, por medida de segurança. Na terça-feira, a Samarco admitiu que outras duas barragens - Santarém e Germano - também correm risco de romper. “Eu estava fora de casa quando ouvi que tinha dado zebra. Minha pressão subiu, achei que tinha morrido todo mundo. É um milagre esse povo ter saído vivo daqui.” Silva pegou roupas, panelas, as bicicletas das crianças, um relógio de parede e um DVD religioso, ironicamente intitulado Deus Dentro do Barro.
Estrogonofe e rádio. O aposentado Joaquim Dutra, de 66 anos, deixou meia panela de estrogonofe de frango no fogão e fugiu da lama de carro, assim que ouviu um barulho que definiu como apavorante. “Minha filha”, disse, “se meus filhos estivessem lá embaixo eu teria ido lá, me afogar junto na lama”, afirmou sobre a sorte deles - os quatro moram com a mãe na região central de Mariana.
Dutra foi a Bento Rodrigues buscar seu rádio, companhia e um hábito de décadas, mas não o encontrou. Revirou tudo até achar a carteira de trabalho. “Eu tinha 20 anos nesta foto. Cada página deste documento é uma página da minha vida”, contou, colocando outros papéis em uma sacola. Antes de sair, deu uma última olhada na residência, para ver o que ainda dava para salvar. Depois de um suspiro, pegou um tubo de desodorante, dois dentes de alho e meio pote de tempero.
400 alunos ainda estão sem aulas
Crianças e jovens do subdistrito de Campinas e dos distritos de Águas Claras e Cláudio Manoel ainda estão impossibilitados de voltar às aulas, informou nesta quarta o secretário adjunto de Educação de Mariana, Israel Quirino. O acesso às escolas continua interrompido.
A prefeitura chegou a construir uma ponte temporária sobre o Rio Gualaxo do Sul, que aumentava em 72 quilômetros o trajeto até as escolas. A chuva, no entanto, danificou a estrutura, impossibilitando mais uma vez a chegada dos 387 estudantes - 270 em escolas municipais de Campinas e Cláudio Manoel e 117 em Águas Claras. É possível que o período de férias seja reduzido, para não comprometer o próximo ano letivo, mas o cronograma de atividades ainda não foi divulgado pela prefeitura.
Os 178 alunos de Paracatu de Baixo e Bento Rodrigues, dois distritos destruídos pelo percurso da lama que deixou a represa de rejeitos do Fundão, já voltaram às aulas, mas não nos colégios de antes. Na segunda-feira, eles passaram a estudar juntos na Escola Municipal Dom Luciano Mendes, também localizada em Mariana.
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Famílias voltam a casas destruídas pela lama em Mariana (MG) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU