Por: Jonas | 19 Novembro 2015
Marcelo J. García, licenciado em Ciências da Comunicação (UBA-FSOC) e integrante da SIDbaires, analisa o impacto da tecnologia da comunicação na política internacional e na forma como se lida com as guerras e conflitos. Além de utilizar a expressão “califado cibernético do ISIS, também considera que “utilizar ferramentas do século XXI para tentar conduzir o mundo de volta ao século XVII pode parecer uma loucura. Porém, é uma loucura que gera tragédias bem reais”. Seu artigo é publicado por Página/12, 18-11-2015. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Passou apenas um quarto de século entre a primeira Guerra do Golfo e o 11-S parisiense do dia 13 de novembro de 2015. No intervalo, a política internacional foi mudando ao ritmo da tecnologia da comunicação e, sobretudo, de seus usos. Do imperialismo audiovisual da CNN ao califado cibernético do ISIS, há século (e oceanos) de distância.
Primeiro, irreal. A “tormenta do Deserto” lançada pelos Estados Unidos sobre Bagdá, em 1991, foi transmitida ao vivo, 24 horas por dia. As imagens hiper-reais da CNN substituíam o dramatismo e o sangue por uma guerra “sem mortos”, com luzes coloridas e aviões como videogames. Essas imagens cuidadas e cirúrgicas levaram Jean Baudrillard a ensaiar que a Guerra do Golfo “não havia acontecido”.
A academia adotou a ideia de que havia um “efeito CNN” na política mundial de fins do milênio. As câmeras podiam guiar a atenção do público e, então, a dos governos para certos conflitos (Somália 1992, Ruanda 1994, Bósnia 1995). A CNN quase se converteu em sinônimo de Departamento de Estado.
Segundo, Hollywood. Os atentados do dia 11 de setembro foram planejados para colocar esse primeiro sistema midiático global a serviço de um terror quase cinematográfico. O primeiro avião colidiu com a torre norte do World Trade Center, às 8h46. Os terroristas deram 20 minutos às câmeras, para se localizar, até que o segundo avião colidiu com a torre sul, às 9h05. O efeito CNN se tornou um bumerangue, e o horror visual alimentou tanto a “Guerra contra o Terror”, lançada pelo governo de George W. Bush, como a espionagem interna que conheceríamos, anos depois, graças a Edward Snowden.
A primeira década do século XXI pôs em questão o domínio audiovisual do Ocidente. Do efeito CNN se passou ao “efeito Al Jazeera”. Osama Bin Laden não precisou que uma câmera voasse do Atlanta para divulgar ao mundo suas ameaças de chuvas de aviões. Agora contava com a emissora fundada e financiada pela família real do Qatar, mais próxima e leal. Com Al Jazeera, o relato da segunda guerra do Golfo (a invasão e ocupação do Iraque, a partir de 2003) foi muito mais disputado. Enquanto as emissoras estadunidenses “embebiam” jornalistas nas linhas de combate para narrar a história oficial, Al Jazeera mostrava sangue e dor. A guerra, sim, estava acontecendo.
Contudo, naquela invasão do Iraque foram vistas as primeiras consequências das novas tecnologias digitais na política exterior. O Facebook era ainda uma brincadeira universitária quando um grupo de fuzileiros navais tirou fotos abusando de presos iraquianos na prisão de Abu Ghraib, perto de Bagdá. Entre abril e maio de 2004, as fotos vazaram aos meios de comunicação. Era a obra do horror na era de sua reprodutibilidade técnica (digital). O pós-guerra se tornou muito mais real ainda.
Terceiro, viral. A década das Redes Sociais (Facebook 2004, YouTube 2005, Twitter 2006, Instagram 2010, etc.), junto com a popularização dos smartphones (1/4 de milhão, em 2009; 2 bilhões, em 2016), condensam todas as experiências anteriores e coloca a política (nacional e internacional) em xeque. A “primavera árabe”, que estourou em Tunísia, em dezembro de 2010, foi a antessala do poder das redes para ajudar a organizar povos. A maioria desses movimentos, no entanto, fracassou (Egito, Iêmen, Líbia, Síria). A rede não é o território.
A grande novidade do ISIS neste processo é usar essas redes para integrar indivíduos a um projeto territorial: o Estado Islâmico. A estratégia é, ao mesmo tempo, virtual e real: 70.000 contas no Twitter associadas a membros da organização, segundo um estudo do Instituto Brookings (http://cor.to/89y1), um app no Twitter (“The Dawn of the Glad Tidings”), mas também dezenas de “centros digitais” (http://cor.to/89yL) disseminados no terreno que controla para compartilhar propaganda via bluetooth. Cerca de 25.000 estrangeiros se somaram para lutar na Síria e no Iraque, 4.500 da Europa e América do Norte. O Centro Internacional para o Estudo da Radicalização e da Violência (ICSR, http://cor.to/AL5W), que estou o perfil público de alguns desses “ocidentais”, apresenta-os como representantes de uma espécie de jihadismo “cool” e até “geek”. As decapitações são transmitidas em HD. Utilizar ferramentas do século XXI para tentar conduzir o mundo de volta ao século XVII pode parecer uma loucura. Porém, é uma loucura que gera tragédias bem reais.
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Da guerra virtual ao jihadismo geek - Instituto Humanitas Unisinos - IHU