09 Novembro 2015
"O campo das negociações não acontecerá mais em salas compactadas na frieza que não ecoa no externo, da vida real. Os negociadores dos países partirão para onde estão os problemas e as soluções. Choque de realidade e inovação", escreve Sucena Shkrada Resk, jornalista especializada em Meio Ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 06-11-2015.
Eis o artigo.
O que seria de nós, seres humanos, sem a possibilidade de desenvolver o pensamento utópico? Hoje resolvi narrar o meu discurso com esse princípio sobre a condução do combate ao aceleramento das mudanças climáticas e do aquecimento global, em que o palco das discussões é a 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (COP21).
Na configuração da geopolítica mundial, finalmente as palavras talvez e não deixarão de ser acentuadas e serão substituídas por ações afirmativas que se enquadrarão nas concretizações dos tratados, dos acordos e da história socioambiental tecidas nos últimos 50 anos. Afinal, desde a Convenção do Clima, instituída a partir da Rio-92, o problema só se agrava e o apelo da sociedade civil, do lado de fora do centro das negociações, não ganha eco, de fato, no dia a dia das deliberações das nações.
Nessa linha de raciocínio, o rascunho de 55 páginas do atual acordo, com quase duas mil aspas que denotam a dificuldade de consensos, se constituirá em dezembro em algo coerente, praticável e sustentável, na conferência oficial em Paris, e será vinculante. Que os cento e cinquenta países que estabeleceram publicamente seus compromissos de redução de emissões de dióxido de carbono até 2030 principalmente, revelem a mudança do paradigma de desenvolvimento de nosso mundo. A concretização do pós-Kyoto não repita os erros anteriores em um modelo de economia equivocado e predatório, que amplia a injustiça socioambiental.
Neste cenário, floresçam estadistas e diplomatas, com a vocação do Papa Francisco que faz valer páginas e páginas, como a Laudato Sí, que foi o grande documento socioambiental lançado por ele, neste ano. E os representantes dos países insulares e da África Subsaariana tenham espaço e sejam atendidos pelo Fundo do Clima em suas necessidades de adaptação e sobrevivência. O mundo dos combustíveis fósseis seja substituído pela energia limpa, sem mas e poréns construídos nas políticas desenvolvimentistas.
O campo das negociações não acontecerá mais em salas compactadas na frieza que não ecoa no externo, da vida real. Os negociadores dos países partirão para onde estão os problemas e as soluções. Choque de realidade e inovação. A matriz energética mundial e o modelo de consumo da humanidade que segue para a casa dos 10 bilhões de pessoas serão calcados no consumo eficiente. Os eventos extremos que crescem em decorrência do descompasso do ser humano com a natureza estacionarão e não existirá mais a dicotomia entre países ricos e pobres neste enfrentamento. E aquela pergunta recorrente deixará de existir: quem vai pagar a conta? O entendimento de custo-benefício será outro.
O Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) terá um efeito, pode-se dizer terapêutico, sobre os governantes e os 196 diplomatas que constroem as negociações. Quando os cientistas orientam sobre as medidas necessárias para ter um mundo com menos de dois graus de aumento da temperatura média em meados do final do século, a matemática das ações dos gestores públicos, do universo empresarial e da sociedade como um todo entrará em sintonia de ações.
O ator Brasil
E o Brasil nesta conjunção de atores? Deixará de ser ambíguo entre o seu discurso descrito em planos e sua política interna. Chegará ao desmatamento zero e não fará valer os mais pessimistas prognósticos do documento Brasil 2040; cenários e alternativas para adaptação à mudança do clima, elaborado pela extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE).
O anúncio do compromisso do governo brasileiro de reduzir 43% das emissões de gases de efeito estufa até 2030, com base em 2005, o que já é bem perto do que acontece hoje, segundo relatórios, terá um percentual muito maior, neste campo das utopias. E o país não terá só a pretensão de colocar fim ao desmatamento ilegal (um questionamento pertinente: afinal, há desmatamento legal e em que proporções e em benefício de quem?) e fazer o reflorestamento de 12 milhões de hectares; a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e a integração de 5 milhões de hectares de lavoura, pecuária e florestas. Fará isso e muito mais, terá uma política agrícola compatível com a ambiental, o que não ocorre atualmente.
Essas utopias não têm fim e se somadas de forma coesa por milhões de pessoas no mundo, que têm estes mesmos anseios, quem sabe, podem fazer a diferença nos resultados da Conferência. Uma pressão avassaladora, incontestável e que não seja driblada por discursos vazios.
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Mudanças climáticas: a COP21 das utopias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU