28 Agosto 2015
O ex-coronel salvadorenho Inocente Orlando Montano sentou-se em um macacão laranja diante de um tribunal da Carolina do Norte no dia 19 de agosto enquanto uma juíza federal considerava o seu destino. Eram aproximadamente 2700 quilômetros de distância da sala onde ele teria se sentado com uniforme militar há 26 anos, junto do alto comando mimlitar salvadorenho, para traçar o assassinato de seis padres jesuítas.
O texto é de Linda Cooper e James Hodge, autores do livro intitulado “Disturbing the Peace: The Story of Father Roy Bourgeois and the Movement to Close the School of the Americas”, publicado por National Catholic Reporter, 24-08-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A juíza Kimberly Swank está decidindo se Montano, que falsificou documentos para entrar nos EUA em 2002, será extraditado para a Espanha, país que quer processá-lo por um dos crimes mais chocantes da guerra civil de El Salvador.
Em parte, a acusação espanhola se baseia no relatório de 1993 da Comissão da Verdade das Nações Unidas, que citou Montano como um dos militares do alto comando a ter ordenado os assassinatos.
Soldados salvadorenhos treinados pelos Estados Unidos invadiram Universidade Centro-Americana em San Salvador e estouraram os cérebros dos jesuítas com armas de alta potência. Em seguida, executaram a trabalhadora doméstica e sua filha para eliminar testemunhas do massacre de 16 de novembro de 1989. Cinco dos seis sacerdotes eram cidadãos espanhóis, inclusive o alvo principal, o Pe. Ignacio Ellacuría, reitor da universidade.
Montano é formado em Engenharia por esta mesma universidade jesuíta, e era o comandante da Brigada de Engenharia do Exército antes de se tornar o vice-ministro da Defesa e Segurança Pública cinco meses antes do massacre. Ele também fez um curso na área da engenharia na Escola das Américas, instituição do exército americano localizada em Fort Benning, na Geórgia, atualmente conhecida como Instituto do Hemisfério Ocidental para Cooperação em Segurança.
A juíza Swank surpreendeu a muitos na audiência do dia 19 de agosto, atrasando a sua decisão em, pelo menos, um mês, com isso permitindo que ambas as partes apresentem argumentos escritos além do que apresentaram no tribunal.
“Ela assumiu uma abordagem cautelosa e prudente”, disse Carolyn Patty Blum, assessora jurídica do Centro de Justiça e Responsabilidade – CJA (sigla em inglês para Center for Justice and Accountability), organização internacional pelos direitos humanos com sede em San Francisco.
Blum e Almudena Bernabeu, advogada da CJA, disseram ao National Catholic Reporter que a juíza estava postergando sua decisão de forma a garantir que Montano tenha todo o devido processo legal.
Bernabeu entrou com uma ação em 2008 junto ao Tribunal Nacional da Espanha, juntamente com Associação de Direitos Humanos (Human Rights Association) espanhola, que terminou nas acusações de Montano e de 19 outros oficiais em 2011. Naquele mesmo ano, o CJA descobriu que Montano vinha vivendo tranquilamente nos arredores de Boston e, então, notificou as autoridades americanas, que o prenderam.
Na audiência, o defensor público de Montano, James Todd, questionou se os cinco sacerdotes haviam mantido a sua cidadania espanhola enquanto viviam em El Salvador.
A juíza se surpreendeu com a pergunta, disse Blum, pois Todd estava, na verdade, pedindo-lhe para “adivinhar sobre uma decisão de um tribunal espanhol concernente a quem são os seus próprios cidadãos”.
O procurador federal John Capin opôs-se à leitura de dezenas de telegramas diplomáticos não confidenciais feita por Todd, dizendo que este estava tentando discutir os méritos do caso criminal.
No entanto, a juíza Swank permitiu a leitura dos telegramas, embora tivesse claramente afirmado que o escopo da audiência de extradição limitava-se a quatro questões: se havia um tratado de extradição válido entre os EUA e a Espanha; se o suposto crime foi um crime em ambos os países e punível com mais de um ano; se a pessoa perante o tribunal era a pessoa acusada; e se havia motivo provável para extraditá-lo.
Os três primeiros estavam garantidos, segundo Blum, e “a acusação já havia mais do que garantido o ônus da prova para um motivo provável”.
Em parte, a acusação se baseou no relatório de 1993 da Comissão da Verdade das Nações Unidas, que concluiu que Montano esteve na reunião em que o alto comando de El Salvador decidiu prosseguir com os assassinatos. No dia seguinte, uma unidade de elite “antiterrorista” executou os sacerdotes usando armas AK-47 de fabricação russa numa tentativa de incriminar os rebeldes.
Os jesuítas espanhóis mortos eram Ellacuría, Ignacio Martín-Baró, Segundo Montes, Juan Ramón Moreno e Amando López. O sexto sacerdote, Joaquín López y López, era natural de El Salvador assim como o eram a cozinheira Julia Elba Ramos e sua filha Celina.
A promotoria também observou que Montano compartilhava de “responsabilidade de supervisão pela estação de rádio do governo que, dias antes do massacre, emitiu ameaças incitando o assassinato dos padres jesuítas”.
Montano, hoje com 73 anos, negou qualquer participação no massacre.
Ele também negou ter alguma vez servido nas forças armadas. Isso é o que ele alegou falsamente nos documentos de imigração dos EUA em 2002 e, novamente, em documentos posteriores a fim de manter o Status de Protegido Temporário.
Depois que o CJA localizou Montano em Boston, ele foi condenado em 2013 por fraude imigratória e de perjúrio e recebeu uma sentença de prisão federal de 21 meses, que cumpriu na Carolina do Norte. Montano completou esta condenação em abril e tem sido mantido aí enquanto aguarda o resultado do seu caso de extradição.
Se a juíza aprovar o pedido de extradição, Montano se tornará a mais alta autoridade extraditada por violações dos direitos humanos dos EUA.
Esta sua extradição permitiria que o Tribunal Nacional espanhol começasse um julgamento histórico sobre o massacre dos sacerdotes jesuítas. As autoridades espanholas precisam ainda contar com um réu para prosseguir com a acusação, porque o Estado salvadorenho se recusou a extraditar os outros acusados no caso, alegando que eles estão protegidos por uma lei de anistia.
A Câmara Constitucional do Supremo Tribunal de El Salvador adiou decisão em processo que contestava tal lei de anistia, processo iniciado pelo Instituto de Direitos Humanos da Universidade Centro-Americana e outros grupos.
A lei de anistia foi imposta à legislatura pelo partido de direita “Aliança Republicana Nacionalista (ARENA) em 1993 – apenas 5 dias após a Comissão da Verdade das Nações Unidas anunciar que os militares salvadorenhos e seus esquadrões da morte haviam cometido 85% das piores atrocidades da guerra.
Montano perdeu a proteção da lei de anistia de El Salvador quando veio para os Estados Unidos.
A decisão de extradição da juíza Swank é final e não pode ser objeto de recurso judicial, mas a defesa pode pedir ao Secretário de Estado para interceder.
“Mas isso seria altamente improvável”, já que o Departamento de Estado foi a agência que pediu ao Departamento de Justiça para prosseguir com o caso, disse Bernabeu.
Ainda assim, o papel dos Estados Unidos pode representar um problema, continuou Bernabeu, pois, em 1989, o governo salvadorenho “teve a ajuda e toda a bênção que poderia receber do governo americano”. E se o caso for a julgamento na Espanha, segundo ela, o advogado de defesa de Montano provavelmente lançará a culpa nos Estados Unidos.
Seria algo parecido com o caso do promotor Kurt Klaus, que envolveu a defesa de dois generais salvadorenhos aposentados na Flórida, os quais, em 2000, foram levados a julgamento por terem relações com os assassinatos de quatro religiosas americanas.
Klaus argumentou que os generais Carlos Eugenio Video Casanova e José Guillermo Garcia – ambos recipiendários do prêmio da “Legião do Mérito” concedido pelas forças armadas dos EUA – estavam fazendo o que o governo americano queria que fizessem, caso contrário este país não os teria homenageado nem apoiado. Os dois generais foram inocentados por um júri da Flórida; no entanto, neste ano o Departamento de Justiça mandou deportar Vides Casanova de volta para El Salvador e está trabalhando para deportar Garcia.
No caso dos jesuítas, os EUA não só estavam financiando o governo salvadorenho ao montante de um milhão de dólares por dia em 1989, mas havia treinado a maioria das pessoas envolvidas no massacre dos religiosos.
Dos 27 oficiais militares salvadorenhos citados pela Comissão da Verdade das Nações Unidas nos assassinatos dos jesuítas, 22 se formaram na Escola das Américas, apelidada de “Escola de Assassinos”, depois que centenas de seus graduados foram relacionados com atrocidades e abusos de direitos humanos.
Documentos do exército americano mostram que Montano recebeu treinamento militar na Escola em 1970.
Além do financiamento e treinamento proporcionado pelos Estados Unidos, há relatos persistentes, se não definitivos, de que as autoridades americanas sabiam de antemão dos assassinatos aos padres espanhóis.
De acordo com relatórios da Human Rights Watch e outras fontes, o major Eric Buckland, assessor americano de categoria superior em El Salvador, disse a seus superiores que sabia da conspiração antes de ela acontecer, mas depois retirou esta sua declaração sob intensos interrogatórios por parte do FBI.
O governo Bush negou as declarações de Buckland, enfurecendo o congressista Joe Moakley, de Massachusetts, que estava à frente de uma força-tarefa dos Estados Unidos a investigar o massacre.
Buckland também relacionou o coronel Rene Emilio Ponce, que na época era um dos chefes do exército salvadorenho, autoridade que os Estados Unidos estavam preparando para se tornar o próximo ministro da Defesa de El Salvador. Mais tarde, a Comissão da Verdade das Nações Unidas identificou Ponce como o militar que ordenou o assassinato de Ellacuría e de todas as testemunhas.
Embora Ponce não tenha o seu nome citado entre os formados na Escola das Américas nos documentos oficiais da instituição, o seu treinamento foi registrado em um relatório de 1990 do Senado americano, intitulado “Barriers to Reform: A Profile of El Salvador’s Military Leaders” (literalmente traduzido por Barreiras à reforma: Um perfil dos líderes militares de El Salvador).
O relatório cita tanto Ponce quanto Montano entre os 14 membros do Alto Comando com históricos sombrios em se tratando dos direitos humanos, 12 dos quais tendo sido formado na Escola das Américas. O relatório associou Montano não só no caso dos jesuítas, mas também a várias outras atrocidades.
Além do relatório de Buckland, há relatos de documentos não confidenciais dos Estados Unidos que indicam que a CIA e o Departamento de Estado americano igualmente tinham conhecimento prévio dos assassinatos.
Blum, porém, diz que estes documentos foram editados e não fornecem provas definitivas de que estas agências tinham, de fato, conhecimento prévio.
Não se sabe até que ponto o papel dos EUA se faria presente num tribunal espanhol caso Montano for extraditado.
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Ex-coronel enfrenta extradição por conspirar para o assassinato de jesuítas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU