24 Abril 2015
Um julgamento histórico sobre o massacre de jesuítas em 1989, em El Salvador, está um passo mais perto se tornar realidade agora que o Departamento de Justiça americano está buscando extraditar um ex-coronel do exército salvadorenho para a Espanha para que enfrente as acusações de assassinato e terrorismo em conexão com o caso dos jesuítas.
A reportagem é de Linda Cooper e James Hodge, autores de Disturbing the Peace: The Story of Father Roy Bourgeois and the Movement to Close the School of the Americas, publicada pelo National Catholic Reporter, 22-04-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O ex-coronel Inocente Orlando Montano Morales, de 72 anos, é um dos 20 militares salvadorenhos indiciados, em 2011, pelo Tribunal Nacional espanhol por assassinarem seis sacerdotes jesuítas, a cozinheira deles e sua filha. Cinco dos seis sacerdotes eram cidadãos espanhóis.
O indiciamento se baseia, em parte, no relatório de 1993, da Comissão da Verdade, da ONU, que considerou Montano, vice-ministro de segurança pública na época, como um dos militares do alto comando que participou da reunião em que os assassinatos foram planejados e ordenados.
Poucas horas depois desta reunião, membros de uma unidade “antiterrorista” treinada pelos EUA invadiram a universidade jesuíta em que estavam, trazendo os sacerdotes para um jardim e estourando suas cabeças com rifles de alta potência. Para eliminar testemunhas, a unidade executou a cozinheira dos religiosos, Julia Elba Ramos, e sua filha, Celina, crivando-as com balas enquanto se abraçavam.
Os padres jesuítas Ignacio Ellacuría, Ignacio Martín-Baró, Segundo Montes, Juan Ramón Moreno e Amando López eram espanhóis. O Pe. Joaquín López y López era salvadorenho.
Ellacuría, reitor da Universidade Centro-Americana em San Salvador, era o principal alvo. Ele era, talvez, o mais forte representante para um fim negociado à guerra civil do país.
O tribunal espanhol não foi capaz de continuar com o caso porque o país centro-americano tem se recusado a extraditar os réus, alegando uma lei de anistia que os protege de serem processados por crimes de guerra.
Montano perdeu a sua imunidade quando entrou nos Estados Unidos ilegalmente em 2002. Durante uma década, ele viveu nas proximidades de Boston até ser descoberto em 2011 pelo Centro de Justiça e Responsabilidade, organização de defesa dos direitos humanos sediada em San Francisco.
Depois que as autoridades americanas descobriram que ele tinha falsificado os documentos de imigração, Montano foi condenado por perjúrio e fraude de imigração, sendo sentenciado a passar 21 meses em uma prisão federal na Carolina do Norte. No último dia 16 de abril ele terminou de cumprir esta sentença, dia em que o Departamento de Justiça entrou em cena pedindo a um juiz federal na Carolina do Norte para extraditá-lo para a Espanha.
Nos documentos apresentados ao tribunal, o Departamento de Justiça também diz que Montano “partilhava a responsabilidade de supervisão de uma estação de rádio do governo que, dias antes do massacre, emitiu ameaças instando o assassinato dos padres jesuítas”.
Montano será mantido sob custódia até a decisão do tribunal. Se enviado para a Espanha, ele poderá ser a mais alta autoridade militar extraditada dos EUA por abusos contra os direitos humanos. A sua extradição permitiria que o tribunal espanhol continuasse com um processo que está parado há 26 anos, disse Almudena Bernabeu, advogada do Centro de Justiça e Responsabilidade.
Junto com a Associação Espanhola dos Direitos Humanos, Bernabeu entrou com o processo que levou ao indiciamento de Montano em 2008, na Espanha. O tribunal espanhol emitiu, na sequência, alertas internacionais com base no princípio da “jurisdição universal”, que sustenta que alguns crimes contra a humanidade são tão hediondos que podem ser processados ultrapassando as fronteiras internacionais.
Este julgamento, disse Bernabeu, consolidaria tudo o que se investigou nos últimos 25 anos, de forma que a história do massacre possa ser contada “de um jeito que diga a verdade completa e garanta a responsabilização criminal”.
Bernabeu falou que compreende por que Montano e outros criminosos de guerra adotam a ideia de irem para os Estados Unidos. “É por arrogância. Eles veem os este país como um amigo. Jamais o consideraram uma ameaça. E eles têm suas pensões, mantêm-se discretos e, assim, vivem confortavelmente”.
Montano não é o único oficial salvadorenho indiciado por assassinato na Espanha, nem o único a ser descoberto, pelo Centro de Justiça e Responsabilidade, a morar nos EUA. Bernabeu disse que o ex-tenente Hector Ulises Cuenca Ocampo foi descoberto vivendo na Califórnia e trabalhando para a Administração da Segurança em Transportes, no Aeroporto Internacional de San Francisco.
Depois que se tornaram públicos os indiciamentos espanhóis, em 2011, Cuenca Ocampo desapareceu. A Comissão da Verdade, da ONU, declarou publicamente Cuenca Ocampo, ex-membro do Departamento Nacional de Inteligência de El Salvador, como sendo um dos participantes no massacre dos jesuítas.
Registros mostram que, dois anos depois do massacre, o exército americano aprovaria Cuenca Ocampo para ter uma aula avançada de combate com armas na Escola das Américas. Dos 27 oficiais militares salvadorenhos citados pela Comissão da Verdade, da ONU, pelos assassinatos dos jesuítas, 22 se formaram nesta Escola, hoje conhecida como Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança.
O enigma agora é como Montano entrou nos Estados Unidos. Ainda que tenha mentido várias vezes nos documentos de imigração para obter um status temporário de proteção, alegando nunca ter trabalhado no serviço militar ou de ter recebido treinamento dessa natureza, ele não usou um nome falso. O seu verdadeiro nome “deveria estar sob sinal de alerta”, declarou Bernabeu.
Durante uma década Montano morou em Boston, a cidade natal do falecido congressista Joe Moakley, quem liderou uma investigação, no próprio Congresso, sobre os assassinatos dos jesuítas e informou a ligação inicial dos assassinos com os treinamentos recebidos na Escola das Américas.
Os registros do exército americano mostram que Montano recebeu treinamento militar em 1970 na Escola das Américas.
Além disso, a citada Comissão da Verdade não só relacionou Montano com o alto comando militar que ordenou os assassinatos, mas também o citou por participar num movimento de encobrir e pressionar “oficiais de baixo escalão a não mencionarem ordens de cima em seus testemunhos”.
Ele também é mencionado num relatório do Senado americano, de 1990, intitulado Barriers to Reform: A Profile of El Salvador’s Military Leaders [Barreiras à reforma: Um perfil dos líderes militares de El Salvador, em tradução livre].
Este relatório considerou Montano como um dos 15 membros do Alto Comando Salvadorenho que possuem históricos sombrios na questão dos direitos humanos. Ele relacionou Montano não só com o caso dos jesuítas, mas também com várias outras atrocidades.
Em agosto de 1986, quando Montano era o comandante da Brigada de Engenharia, soldados sob o seu comando sequestraram três irmãos. “No dia seguinte, os seus corpos teriam sido encontrados na rua com a garganta cortada e a língua de fora”, diz o relatório.
Em julho de 1987, quando Montano era o comandante da 6ª Brigada, soldados sob o seu comando teriam atirado uma granada para dentro de uma casa, matando uma pessoa e ferindo outras oito, incluindo seis crianças. No mesmo mês, soldados sob o seu comando ameaçaram um homem que se recusou a vender-lhes pão, e cinco dias depois “crivaram-lhe com balas em sua rede de dormir, simulando uma troca de tiros dentro da casa”, lê-se no texto do relatório.
Em janeiro de 1989, soldados sob o seu comando levaram dois membros de uma cooperativa agrícola. “Os corpos dos dois homens foram encontrados três dias depois com os braços e orelhas cortados”, diz o relatório, acrescentando que as Forças Armadas alegavam que os indivíduos eram rebeldes que haviam sido mortos num tiroteio com o exército.
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Militar salvadorenho ligado ao massacre de jesuítas em 1989 enfrenta extradição para a Espanha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU