04 Agosto 2015
Não é a primeira vez que sofro ao constatar que os hebreus se comportam como todos os outros. Que são também eles capazes de praticar atos abomináveis. Aconteceu-me em 1994, quando um tal Baruch Goldstein abraçou o seu fuzil de assalto e trucidou vinte e nove palestinos na gruta dos patriarcas de Hebron. Depois, no ano seguinte, quando Yigal Amir matou o premiê israelense Yitzhak Rabin e com aquele gesto destruiu a paz no Oriente Médio. E agora, com um ou mais colonos extremistas que incendeiam uma casa e queimam vivo um garotinho de 18 meses, após haver escrito em hebraico “o Messias virá”, ignorando, todavia que no Antigo Testamento é dito que o Messias virá precisamente para evitar que os povos se matem entre si.
A opinião é do escritor e ativista francês judeu Marek Halter, publicada pelo jornal La Repubblica, 01-08-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Certamente se mata por toda parte no mundo, baste ver quanto sucede no Iraque, na Síria. Mas, não existe crime que possa justificar outro. Há poucos dias, falando com alguns imãs franceses convidei-os a descer à praça para protestar contra quem suja a religião. Eles me responderam: “Mas, por que devemos fazê-lo nós, que somos franceses?”. Mas, porque sois muçulmanos, disse-lhes acrescentando que, quando Baruch Goldstein disparou sobre os palestinense, embora não o conhecesse nem muito menos fosse um parente meu, aquele gesto arrastou a mim e a tantos outros hebreus num ato de condenação, pelo simples fato que o gesto tinha sido praticado por um hebreu. No Gênesis, quando Caim mata Abel, Deus lhe pergunta: “O que fizeste de teu irmão?”. E Caim lhe responde: “Sou talvez o custode de meu irmão?” Bem, devemos todos ser custodes dos nossos irmãos, pois, caso contrário, nos comportaríamos como bestas ferozes. Após a morte do pequeno Ali Saad Dawabsheh, falei com os meus amigos escritores israelitas, os quais publicaram imediatamente nos jornais locais um comentário de condenação. Fizeram bem, mas não basta. É preciso perguntar-se como foi possível praticar um crime tão horrendo. Um dos motivos é certamente o prolongar-se da guerra israelita-palestinense, e a conservação do ódio entre estes dois povos. A outra razão é provavelmente a ignorância. Ninguém em Israel se interessa pela cultura árabe, nem estuda os seus grandes pensadores.
Obviamente os palestinense observam o mesmo comportamento perante a cultura hebraica. Ora, estou certo que, quando a gente se interessa por alguém não se pode odiá-lo, nem se pode fazer-lhe mal. Fico, como todos nós, horrorizado diante das decapitações atuadas pelos esquadrões do Estado Islâmico. Mas, após um gesto como aquele praticado na noite passada por alguns hebreus, sinto-me ainda mais conturbado. Quando eu era rapaz, fui encontrar Ben Gurion na fazenda onde ele transcorria os anos da aposentadoria. Após o nosso encontro, ele me reacompanhou com o seu carro a Tel Aviv. Entrando na cidade, atravessamos uma rua cheia de prostitutas. Num semáforo, uma delas se aproximou de minha janelinha e me pediu um viddish se eu queria ir com ela. Sendo muito jovem, fiquei chocado com aquela solicitação, proferida ademais na língua que falava minha mãe, e fechei rapidamente o vidro. Naquele momento Bem Gurion começou a rir e me disse: “Finalmente nos tonamos um país normal, porque temos também nós as nossas prostitutas, os nossos ladrões e os nossos assassinos”. Bem, se esta é a normalidade, eu gostaria muito que Israel tivesse permanecido um País anormal. Quando vi na Tv a casa incendia na Cisjordânia, eu me senti pessoalmente agredido e me desejo que agora o governo israelense modifique a sua política perante aqueles colonos que com os seus vizinhos árabes da Cisjordânia se comportam como terroristas.
Hoje não há contra eles leis suficientemente severas. As coisas mudarão? O premiê Netanyahu usou a palavra “terrorismo” para definir a agressão da outra noite, a mesma que de sólito usa para os ataques de Hamas. Espero que, uma vez passada a emoção, o Estado hebraico dê sequência às palavras pronunciadas nestas horas. No Talmud está escrito que tirar uma vida consiste em matar a inteira humanidade. O sacrifício de uma criancinha de 18 meses infringe não só a lei dos homens, mas também a lei divina.
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A fé e o sangue. Escritor isralense comenta o assassinato de criança palestinense - Instituto Humanitas Unisinos - IHU