Por: André | 04 Julho 2015
Para Gustavo Piga, a Eurozona é como um casamento no qual a Grécia foi humilhada e, portanto, deveria se separar. E quando uma pessoa se separa dificilmente volta a se casar com a mesma pessoa, adverte o catedrático.
O primeiro ministro grego, Alexis Tsipras, enviou uma carta com novas propostas à comissão europeia na última hora do dia 30 de junho – dia em que vencia o pagamento da cota de 1,6 bilhão de euros que a Grécia deve pagar ao Fundo Monetário Internacional – para encerrar um acordo. Pelo que tudo indica, nessa carta, pela primeira vez, dizia aceitar a proposta europeia, mas mudando alguns pontos relativos às aposentadorias, ao regime de trabalho e ao Imposto sobre o Valor Agregado (IVA).
Mas, de qualquer modo, a Grécia não pagou e o procedimento de default parcial, que poderia levar um mês, já começou. Segundo fontes de Bruxelas, a primeira-ministra alemã Angela Merkel foi a que se opôs com maior força às novas ideias gregas, postergando uma decisão europeia para depois de conhecer os resultados do referendo, programado para este domingo, 05 de julho, na Grécia, sobre este tema.
O especialista Gustavo Piga, professor de economia da Università degli Studi di Roma Tor Vergata, em uma entrevista ao Página/12, descreveu os diferentes cenários para os quais se poderia encaminhar a situação grega e europeia.
A entrevista é de Elena Llorente e publicada por Página/12, 03-07-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Esta última proposta do governo de Tsipras quer dizer que estão dispostos a negociar de qualquer maneira, mesmo quando tenham convocado o referendo de domingo?
Estamos diante de uma situação muito complexa, em que, às vezes, não se consegue interpretar todos os significados táticos. Talvez, apresentaram essa proposta porque têm pesquisas cujos resultados lhes dizem que serão derrotados no referendo.
Quais são os possíveis cenários para a Grécia e a Europa no futuro próximo?
Independentemente de esta proposta ligeiramente menos austera passar ou não, e embora vença o “Sim” no referendo (ou seja, que os gregos aceitem a proposta europeia, NdR), estamos de fato diante de um mundo muito alterado. A partir dessa situação, começa-se a entender melhor o que é, realmente, esta Europa.
Isto quer dizer que o referendo pela via dos fatos colocaria em questão o euro e a Europa?
O referendo não será tanto sobre o euro ou sobre a austeridade, mas mais sobre a democracia. Se vencer o “Sim”, este governo, que foi eleito para fazer determinadas coisas, não fará essas coisas e deverá fazer o que os governos europeus lhe pedirem para fazer.
Ou o governo de Tsipras poderia cair... Alguns falam na possibilidade da renúncia do governo e na convocação de novas eleições.
Sim, poderia ser. Mas seria uma queda de um governo eleito democraticamente, por decisão de outros governos. Em síntese, a Europa está entrando em uma nova fase do século XXI, na qual não apenas se transfere para outros a soberania econômica, mas também a política. Ou seja, os governos nacionais não decidiriam mais. A democracia interna não faria mais sentido, porque as decisões seriam tomadas no exterior. Em países como os Estados Unidos, ocorreu algo similar. Os diferentes Estados foram cedendo lenta, mas inexoravelmente sua soberania monetária, fiscal e política ao longo do tempo.
Este processo de que você fala, é bom ou prejudicial para as pessoas?
Enquanto nos Estados Unidos foi uma mudança democraticamente escolhida, na Europa se produz, digamos que “involuntariamente”, porque, pelo contrário, o povo grego seguramente vai querer manter sua democracia interna. E isto seguramente, na minha opinião, é algo que pagaremos no longo prazo. É algo que aumentará a distância entre os cidadãos e o projeto europeu. Porque a mudança se produz a partir de cima, não a partir de baixo, com o voto democrático. E talvez na Grécia haja uma mudança de governo e um relaxamento momentâneo dos mercados. Digo momentâneo, porque em um caso assim, a questão grega talvez será apresentada como resolvida, mas, na realidade, estará como foi resolvida nos últimos quatro anos, isto é, provocando a morte lenta de sua economia.
O que aconteceria se o “Não” ganhasse, isto é, a proposta do Tsipras?
Se o “Não” ganhasse, se abririam dois caminhos muito interessantes. E preciso ver como a Europa vai reagir a esse resultado. Se o “Não” comporta mudanças na Europa, por medo de que todo o projeto fracasse, e a Europa demonstrar que está disposta a fazer concessões importantes sobre a dívida e sobre a austeridade, o referendo de fato teria mudado o conceito de solidariedade dentro do projeto europeu. E isto aproximaria os países, porque um país ajudado em um momento de dificuldades contrai uma dívida de solidariedade que é fortíssimo para aproximar as culturas.
Vê este cenário como provável?
Não, vejo-o bastante improvável. No entanto, me parece mais possível que, no caso da vitória do “Não”, a Europa siga mantendo sua intransigência.
Então, a Grécia deveria sair da Zona do Euro?
Sim, muito provavelmente. Mas então o referendo não teria sido sobre o euro, mas sobre a Europa. Alguns acreditam que caso sair do euro, seria para a Grécia o mesmo que para a Grã-Bretanha ou a Dinamarca ou outros países que desde o começo não entraram no euro. Mas se esquecem de que enquanto estes países escolheram esta opção democraticamente, a Grécia terá sido expulsa, humilhada. Não será apenas um cataclismo de moeda, mas estrutural. Por esta razão, o mais provável é que a Grécia se atiraria nos braços da Rússia, por exemplo, para buscar ajuda. O euro é como o anel de um casamento. Quando o casamento termina, a pessoa tira o anel, mas não é culpa do anel se o casamento não deu certo. Dificilmente a pessoa volta a se casar com a mesma pessoa.
Existem, de acordo com você, similitudes entre a atual situação grega e o default argentino de 2001?
Tecnicamente há semelhanças, mas culturalmente não, porque a Argentina não estava inserida em um projeto cultural, econômico e político como o da Europa.
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Grécia. “O casamento não funcionou”. Entrevista com Gustavo Piga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU