18 Junho 2015
"Em outras palavras, ainda sob o manto do ensinamento tradicional, equivocadamente a economia (ciência) apenas 'encarou' a natureza como fonte (provedora) e fossa (sumidouro) de recursos. Dessa maneira, na tradicional linguagem dos economistas, a natureza sempre foi vista e tratada como externalidade, uma vez que, aos olhos da escola neoclássica (ortodoxia), o meio ambiente está 'fora' do modelo convencional do sistema econômico", escreve Marcus Eduardo de Oliveira, economista.
Eis o artigo.
Uma das mensagens centrais que vem da Economia Ecológica (EE) diz que a economia (atividade) é um sistema aberto que faz constantes interações com a natureza, recebendo dessa material e energia, e entregando à mesma resíduo, dejeto, poluição (lixo).
Para início de conversa, é oportuno destacar que todos os sistemas abertos – tal qual a economia - precisam importar energia e matéria com quantidade e qualidade adequadas, e exportar os mesmos de forma dissipada, garantindo assim sua reprodução.
Historicamente, no entanto, a visão predominante - tomando o ensinamento tradicional como referência -, fica restrita ao fato de que a economia “encara” a natureza como mera provedora de recursos (input), além de ser receptáculo para os resíduos do processo produtivo (output), pontuando, desse modo, ser a economia um sistema fechado, contrariando a visão inicialmente aqui colocada.
Em outras palavras, ainda sob o manto do ensinamento tradicional, equivocadamente a economia (ciência) apenas “encarou” a natureza como fonte (provedora) e fossa (sumidouro) de recursos.
Dessa maneira, na tradicional linguagem dos economistas, a natureza sempre foi vista e tratada como externalidade, uma vez que, aos olhos da escola neoclássica (ortodoxia), o meio ambiente (sistema ecológico como um todo, além dos recursos naturais, da poluição, da degradação das riquezas da natureza, da depleção ecossistêmica) está “fora” do modelo convencional do sistema econômico, sendo esse tipificado nos fluxos monetários em que somente são observadas as “trocas” (consumo de bens e serviços contra pagamentos a fatores produtivos) entre as Famílias (consumidoras) e as Empresas (produtoras), sem interação, portanto, com o mundo biofísico, como se tudo isso acontecesse numa “caixa isolada”.
Assim sendo, a economia convencional nunca se colocou à frente para responder, devida e corretamente, as seguintes perguntas: 1) quanto se pode tirar de recursos da natureza e quanto se pode devolver de resíduos ao meio ambiente via processo econômico, ou seja, via atividade econômico-produtiva traduzida em mais produção e mais consumo, transformação de recursos e, ao fim, lixo, energia dissipada (logo, maior entropia)?; 2) Qual a escala produtiva (base econômica) que o meio ambiente (base ecológica) pode suportar frente à ação econômica?; 3) Qual é o limite (fronteira) da ação antrópica sobre a natureza, tendo em conta que, na atualidade, sabe-se que 60% dos 24 principais serviços ecossistêmicos estão se esgotando, além de já estarmos usando 30% a mais do Planeta?
A falta de respostas está vinculada ao fato de que, durante mais de 170 anos, contados do início da formulação científica da economia, em 1776, até os anos 1950, a ortodoxia econômica não enfrentou, ao menos como se esperava, as relações existentes entre natureza e sociedade, meio ambiente e economia, sistema econômico e sistema ecológico.
Contudo, a mudança de visão da problemática ambiental colocada aqui inicialmente passou a ocorrer com mais ênfase a partir do crescimento exponencial da atividade econômica global, pós anos 1950, ajustado ao crescimento populacional que, na atualidade, a cada intervalo de 12 anos, “coloca” mais 1 bilhão de pessoas no planeta para consumir tudo, resultando em mais pressão sobre os recursos da natureza, evidenciando, com isso, que há limites a serem respeitados.
Ademais, já é de pleno domínio e conhecimento quase que geral que uma vez ultrapassado esse limite, o resultado é catastrófico: vidas humanas e não humanas, habitats, fauna e flora colocadas em situação de risco decorrente das alterações ambientais provocadas, essencialmente, pela ação humana e pelo excessivo modo econômico de produção.
Tal incidência resulta, sobremaneira, naquilo que já vem sendo amplamente discutido desde a Conferêrncia de Estocolmo, em 1972: a ocorrência de gravíssimos problemas ambientais, dos quais o mais ilustrativo certamente é o aquecimento global, face às emissões de CO2, por exemplo.
Emissão de CO2, é importante reiterar, é energia dissipada (resíduo) que a economia (atividade) entrega à natureza, poluindo o espaço ambiental, depreciando a qualidade de vida.
A matemática, nesse caso, é bem simples: quanto mais produção econômica, mais emissões de CO2, e, como “produto final”, mais aquecimento global.
O pano de fundo de toda essa questão parece estar localizado centralmente no que se convenciona chamar de Metabolismo.
É oportuno, nesse momento, para melhor esclarecimento, trazer à tona as palavras do prof. Norbert Frenzl, da Universidade Federal do Pará (UFPA), acerca do conceito de metabolismo. São palavras dele: Metabolismo de um sistema significa de um modo geral a apropriação vital do ambiente, transformação físico-químico interna para sustentação da auto-organização e liberação de energia e/ou matéria transformadas.
Fenzl ainda argumenta que, em princípio, todos os sistemas abertos são sustentáveis, enquanto são capazes de sustentar seu metabolismo energético-material.
A questão mais proeminente desse argumento reside na maneira peculiar como cada sistema age. Fenzl, a esse respeito, contextualiza dizendo que a maneira como cada sistema cumpre com esta necessidade básica, depende fundamentalmente da forma como este metabolismo é organizado.
Para o referido autor, se esta organização se torna incompatível com as condições gerais do seu ambiente relevante, o sistema é condenado a desintegrar-se e a desaparecer. Enquanto o sistema é capaz de adequar sua organização metabólica às mudanças do ambiente externo, este sistema é sustentável.
Olhando para o comportamento atual da economia global, marcado por excessiva produção física, vê-se claramente que há um problema central de desequilíbrio metabólico que urgentemente precisa ser corrigido, tendo em conta que isso altera, substancialmente, as relações de desigualdades sociais.
Ricardo Abramovay, a esse respeito, pondera que o desequilíbrio metabólico da atual relação entre a sociedade e os ecossistemas muda radicalmente a natureza, o alcance e o significado da questão das desigualdades no mundo contemporâneo.
As noções de metabolismo social e metabolismo industrial, para esse autor, convidam a que se encare à reprodução das sociedades humanas a partir do estudo da maneira como usam a matéria e a energia de que dependem e, ao mesmo tempo, como são gerados os rejeitos inerentes de todo e qualquer processo produtivo.
Outro autor que também opina sobre esse assunto é o espanhol Joan Martínez-Alier, membro fundador da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE). Para Martínez-Alier, os impactos ambientais, entre eles o desaparecimento da biodiversidade são, sobretudo, produto do aumento do metabolismo social e da economia humana.
Especificamente, a expressão metabolismo social, reiterando esse assunto, refere-se ao fluxo de energia e de materiais na economia.
O “metabolismo da economia” é hoje amplamente usado para avaliar a eficiência do funcionamento da economia em termos do uso de recursos e das consequentes pressões ambientais.
Ademais, não se pode perder de vista o comportamento metabólico da economia, uma vez que recorrendo ao expediente da contabilização dos fluxos de materiais da economia permite-se com isso verificar a “sustentabilidade” dos modelos de crescimento, especificamente no que se refere aos padrões de consumo de recursos naturais.
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Desequilíbrio Metabólico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU