Por: André | 01 Junho 2015
Dois eventos aconteceram de maneira perfeitamente concomitante. No Vaticano, há quatro dias, o conselho e a secretaria geral do Sínodo dos Bispos preparavam junto com o Papa Francisco a próxima sessão da assembleia. No mesmo dia, não longe dali, na Pontifícia Universidade Gregoriana, os presidentes das Conferências Episcopais da Alemanha, França e Suíça e cerca de 50 bispos, teólogos e especialistas destes três países, capitaneados pelos cardeais Walter Kasper e Reinhard Marx, discutiam a portas fechadas sobre a maneira de fazer passar no sínodo suas teses reformistas sobre os dois pontos mais controversos: o divórcio e a homossexualidade.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa, 29-05-2015. A tradução é de André Langer.
Alemanha, França e Suíça são banhadas pelas águas do Reno. Mas os participantes da reunião na Gregoriana sabem muito bem que o jogo será jogado às margens do Tibre, em Roma. Sua ambição é ser novamente agora, como já aconteceu no Concílio Vaticano II, a corrente ganhadora da renovação da Igreja universal: o Reno invadindo com suas águas o Tibre.
No final da reunião, os alemães emitiram um comunicado no qual dizem que “refletiram em particular sobre a sexualidade como linguagem do amor e dom precioso de Deus, em diálogo intenso entre a teologia moral tradicional e as melhores contribuições da antropologia contemporânea e das ciências humanas”.
Mas, mais do que o comunicado, o que é interessante é o que os participantes disseram verdadeiramente, segundo o resumo autorizado que dele fez, no dia 26 de maio, o jornal La Repubblica, o único jornal que participou do encontro e, casualmente, também o único jornal lido pelo Papa, segundo ele mesmo disse:
“Um padre e professor fala sem delongas de ‘carícias, beijos, coito no sentido de vir juntos, co-ire’, como aquele ‘que acompanha as luzes e sombras não conscientes das pulsões e do desejo’. Um colega seu: ‘A importância do estímulo sexual representa a base para uma relação duradoura’. Cita-se Freud. Recorda-se Fromm. ‘A falta da sexualidade – acrescenta-se – pode ser associada à fome, à sede. A pergunta que a caracteriza é: tens vontade de fazer sexo? Mas isto não significa desejar o outro, se o outro não quer. A pergunta deveria ser: tu me desejas? Eis, então, como o desejo sexual do outro pode unir-se ao amor”.
O episcopado da Alemanha é a ponta mais avançada e combativa desta frente reformista.
Seu último pronunciamento oficial – divulgado em diferentes idiomas no começo de maio – foi a resposta ao questionário divulgado por Roma em vista da próxima sessão do Sínodo.
Desta resposta se deduz que na Alemanha já se coloca em prática amplamente o que o magistério da Igreja proíbe e o sínodo ainda deveria discutir. A saber: a comunhão aos divorciados recasados, a admissão às segundas núpcias e a aprovação das uniões homossexuais.
Alguns dias depois, no dia 09 de maio, o Zentralcomitte der Deutschen Katholiken, a histórica associação do laicato católico alemão, publicou uma declaração ainda mais ousada, pedindo a bênção litúrgica para as segundas núpcias entre divorciados e para as uniões entre pessoas do mesmo sexo, além do abandono em bloco do ensinamento da Igreja sobre a anticoncepção.
Mas atenção: isto não significa que toda a Igreja alemã esteja de acordo com estas posições. Pelo contrário. Entre os bispos, assim como entre os leigos mais credenciados, não faltam as vozes contrárias. E nestes últimos dias se fizeram ouvir com força.
O bispo de Passau, Stefan Oster, salesiano, nomeado pelo Papa Francisco em abril de 2014, contestou ponto por ponto a declaração do Zentralcomitte der Deutschen Katholiken em uma taxativa intervenção em seu Facebook.
E recebeu imediatamente a adesão pública de outros cinco bispos: Rudolf Voderholzer de Regensburg, Konrad Zdarsa de Ausburgo, Gregor M. Hanke de Eichstätt, Wolfgang Ipolt de Görlitz e Friedhelm Hofmann de Würtzburg.
É interessante observar que entre estes cinco bispos está o de Würzburg, a cidade na qual se reuniu o Zentralcomitte der Deutschen Katholiken e na qual emitiu sua declaração com o silêncio/consentimento da direção espiritual do comitê, o bispo Gebhard Fürst de Rotenburg-Stuttgart, a diocese que nos anos 90 teve Kasper como titular.
E é ainda mais interessante observar que os bispos citados, àa exceção do bispo de Görlitz, pertencem todos à região eclesiástica da Baviera: o resultado disto situa em minoria (5 de 8) o cardeal Marx, arcebispo de Munique, precisamente nesta região que é a sua e em relação às questões com as quais está mais comprometido.
Mas há mais. Também entre o laicato da Alemanha há personalidades de renome que contam fora do coro.
Causou estupor no princípio de maio a severidade com que Robert Spaemann – considerado um dos maiores filósofos católicos vivos e há muitos anos amigo de Joseph Ratzinger –, criticou não apenas o episcopado alemão, mas também o próprio governo do Papa Francisco, “autocrático” e “caótico” ao mesmo tempo.
Spaemann expôs suas críticas em um colóquio com Hans Joas para a Herder Korrespondenz, a revista da editora da opera omnia de Bento XVI.
Nestes dias, além disso, saiu simultaneamente na Alemanha e na Itália um livro de um jurista e magistrado alemão que é uma refutação radical, teórica e prática, das teses do cardeal Kasper sobre a comunhão aos divorciados recasados.
O autor, Rainer Beckmann, 54 anos, é juiz de Würzburg. De 2000 a 2005 foi especialista oficial no parlamento federal alemão das comissões sobre direito e ética na medicina. Ele publicou ensaios científicos sobre o aborto, as técnicas reprodutivas, a morte cerebral e a eutanásia. É vice-presidente de uma associação de juristas para a defesa da vida e dirige a revista Zeitschrift für Lebensrecht. Ensina na Universidade de Heidelberg.
Mas, como escreve o cardeal alemão Cordes no prólogo do livro, Beckmann, pai de quatro filhos, é também “um fiel que viveu pessoalmente a dor de uma relação fracassada e que, no entanto, depois do divórcio não iniciou nenhuma outra relação: quer manter-se fiel à sua promessa de fidelidade... até que a morte não os separe”. E precisamente por isso “seu testemunho é indispensável do ponto de vista pastoral, realista do ponto de vista fatual e obediente às Sagradas Escrituras”.
No final do livro, Beckmann destaca que o Papa Francisco, “nas declarações que conhecemos”, sequer uma única vez se afastou da doutrina tradicional da Igreja. Ao passo que, ao contrário, “a solução proposta pelo cardeal Kasper mina os fundamentos não somente do sacramento do matrimônio, mas também os da penitência e da eucaristia”.
E conclui: “Se queremos transmitir a fé, as nossas ações devem corresponder às nossas palavras. Quem não vive o que ensina, não é confiável. E também não é confiável quem não mantém o que prometeu. Quem promete amor até a morte deve permanecer fiel até a morte. Este é o caminho no qual Jesus nos precedeu”.
São teses de uma radicalidade não diferente daquela expressa nestes mesmos dias por um expoente muito autorizado da jovem Igreja africana: o cardeal guineense Robert Sarah, nomeado, em 2014, pelo Papa Francisco, para o cargo de prefeito da Congregação para o Culto Divino.
Apresentando, no dia 22 de maio, uma coleção de livros preparatórios ao Sínodo, de cuja edição ocupou-se o Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre o Matrimônio e a Família e que na Itália foram publicados pela Cantagalli, também Sarah insistiu sobre a credibilidade do testemunho.
“Só com a clareza se pode ser verdadeiramente testemunhas em um mundo que já não suporta o Evangelho. A fé é o verdadeiro núcleo das dificuldades da Igreja”.
E segue: “Se a eucaristia é apenas uma refeição, podemos inclusive dar a comunhão aos divorciados que contradizem a aliança. Mas se um bispo, um cardeal, não vê o que a eucaristia é, isto é, o corpo de Cristo, e toma esta eucaristia como uma refeição da qual ninguém pode ser excluído, perdemos verdadeiramente o coração do mistério”.
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A batalha da Alemanha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU