Por: André | 06 Mai 2015
“É muito desconcertante que enquanto se fala de paz em Havana, na Colômbia se assassine os homens e mulheres que trabalham pela paz”, disse David Flórez, porta-voz nacional da Marcha Patriótica.
Fonte: http://bit.ly/1IL4mCa |
A reportagem é de Katalina Vásquez Guzmán e publicada por Página/12, 05-05-2015. A tradução é de André Langer.
Há uma semana, no interior do seu carro, Luis Fernando Wolff foi atingido por balas atiradas por criminosos que estavam de moto. Não houve sequer perseguição. Preso, enquanto esperava o semáforo abrir, a poucos metros de casa, os tripulantes da moto descarregaram cinco tiros pela janela do lado direito. Logo, os policiais de Medellín se apressaram a dizer que se tratou de uma tentativa de roubo. Horas depois, os governantes desmentiram essa versão. Não podia ser que, inclusive com silenciador e sem forçar, alguns ladrões esvaziassem com precisão uma arma no líder social, que sequer teve tempo para fugir.
“Enquanto não nos puderem comprovar que seu assassinato foi uma situação criminosa comum, nós acreditamos que por trás há um cenário político”, disse ao Página/12, Oscar Zapata, seu aluno nos anos 1990, seu companheiro de lutas no magistério por mais de 20 anos, e hoje presidente da Associação de Professores da Universidade Nacional (APUN). O professor Zapata disse que “é muito complicado que a morte de Luis Fernando seja um crime comum por roubo, vingança ou qualquer coisa desse tipo. Acima disso está seu caráter político e social; ele não era uma pessoa do comum, era um tipo de absoluta presença ativa e, sobretudo, estava preocupado com as mortes violentas; cada vez que assassinavam a alguém era o primeiro a se mobilizar em rechaço”.
Essa sorte atingiu Luis Fernando na segunda-feira passada, 27 de abril. Eram apenas 6h30 e o homem, de 64 anos, acabava de deixar a sua enteada na mesma universidade onde trabalhou durante 30 anos, e onde, apesar de aposentado, continuava ativo nos debates e movimentos sociais em defesa do caráter público da Alma Mater. Wolff, além disso, fazia parte de uma organização de esquerda formada no ano passado para apoiar o diálogo entre o governo e a guerrilha das FARC: a Frente Ampla pela Paz, pela Democracia e pela Justiça Social. Para esta organização, o homicídio do professor de física e matemática “leva-nos a perguntar se essa será a sorte dos lutadores sociais na Colômbia que hoje, assim como ontem, estão do lado da paz”. Wolff, que, além disso, era primo-irmão do ex-guerrilheiro Navarro Wolff, era um defensor da saída política negociada para o conflito armado interno na Colômbia, que dura mais de meio século.
Com seu homicídio, os defensores dos direitos humanos e das coalizões pela paz na Colômbia acenderam uma vez mais as alarmas pela perseguição e o extermínio de líderes sociais e atores que apóiam a negociação com as guerrilhas. Segundo David Flórez, porta-voz nacional da Marcha Patriótica, “há uma tendência ao aumento não apenas das ameaças, mas também dos assassinatos, não apenas essas perpetradas contra o professor Wolff em Medellín. Na última semana, por exemplo, foram assassinados quatro indígenas na zona de Cauca (Sul) pertencentes a organizações filiadas à Frente Ampla pela Paz. Na Marcha Patriótica temos 96 membros assassinados desde a nossa constituição, em abril de 2012. Só este ano estamos chegando a 27 assassinatos de nossos integrantes em todo o país”.
Em conversa com esse jornal, Flórez, integrante também da comissão política da frente, assinalou que de acordo com relatórios mensais da frente em sua ouvidoria do cessar-fogo, “estão aumentando as violações dos direitos humanos, não apenas contra defensores dos direitos humanos, mas em geral das organizações que apóiam o processo de paz. É muito desconcertante que enquanto se fala de paz em Havana, na Colômbia se assassine os homens e mulheres que trabalham pela paz”. Para David, no caso do professor Wolff sintetizam-se, além disso, as diversas dinâmicas de perseguição na Colômbia, “porque tratava-se de uma voz crítica na academia, fazia parte do movimento sindical dos professores, e, além disso, era um líder comunitário”.
Luis Fernando, com efeito, travava uma forte luta junto com moradores do Bairro Carlos E. Restrepo contra uma administração supostamente corrupta. Uma semana antes do seu homicídio, Wolff e outros tiveram que permanecer na porta do escritório do condomínio impedindo que os administradores anteriores saqueassem documentos onde, supõe-se, estão as provas das irregularidades cometidas. Dois dias antes da sua morte, o professor escreveu aos moradores um correio eletrônico ao qual este jornal teve acesso: “Superado o impasse de ter tido fechado o escritório durante uma semana, espero que em breve a situação administrativa da Unidade volte ao normal (...) No momento e até o dia 22 de maio estarei me dedicando para terminar alguns compromissos acadêmicos com a UN (Universidade Nacional) Medellín”. Mesmo sem começar maio, seus familiares, colegas universitários, estudantes, amigos e vizinhos já estavam acendendo velas em sua memória na praça do bairro. Podiam ser ouvidas as notas de um violino e o clamor da comunidade para que seu crime não ficasse impune.
Entre as hipóteses sobre os autores do homicídio do professor, a imprensa local falou sobre suas denúncias por malversação de recursos naquele bairro. Em Carlos E. Restrepo, além disso, vive-se as dinâmicas de muitas ruas desta capital herdeira de Pablo Escobar: venda de cocaína e maconha disputada pelos “combos” a serviço do Escritório de Envigado. De acordo com o professor Oscar Zapata, também se ventila versões de que o professor, coerente e direto como sempre, denunciava essas chamadas “praças de vício”.
No dia da sua homenagem, as velas e as camisetas brancas se misturavam no espaço público com os grupos de rapazes que se ocupavam com a venda dos entorpecentes. Estabelecer o motivo pelo qual tiraram a vida do professor Wolff é o trabalho das autoridades, que oferecem entre 2.000 e 5.000 dólares por informações que levem aos criminosos. O importante, segundo Zapata, é que “este seja tratado como um caso especial, porque se for tratado no grande conjunto de casos de criminalidade, nunca será solucionado”. Até o fechamento desta edição, seus familiares não se pronunciaram sobre o crime contra seu esposo, pai e irmão, voz ativa pela paz na Colômbia.
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Líderes da paz são mortos na Colômbia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU