16 Março 2015
Por mais de um milênio, o cristianismo permaneceu insensível ao conceito de jubileu, talvez também porque vigorava, então, uma visão do tempo não cadenciada como hoje, por séculos, e ainda menos por períodos mais breves.
A análise é do historiador italiano Agostino Paravicini Bagliani, professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão, ex-scriptor da Biblioteca Apostólica Vaticana e ex-professor da Escola Vaticana de Paleografia, Diplomática e Arquivística. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 14-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O Papa Francisco nunca deixará de nos surpreender. No dia do segundo aniversário do seu pontificado, ele promulga um ano santo da "misericórdia". O 30º Jubileu cristão será aberto no dia 8 de dezembro, 50 anos depois daquele convocado por Paulo VI no encerramento do Concílio Vaticano II. É o nono em pouco mais de um século.
O ritmo de 50 anos se inspira no Antigo Testamento. A lei de Moisés havia prescrito que o povo judeu declarasse "o quinquagésimo ano" como um ano de "júbilo", durante o qual "cada um de vocês recuperará a sua propriedade" (Levítico 25, 10-13). Era um ano muito particular, em que se restituíam terras aos antigos proprietários, perdoavam-se as dívidas e se deixava a terra em repouso.
Por mais de um milênio, o cristianismo permaneceu insensível ao conceito de jubileu, talvez também porque vigorava, então, uma visão do tempo não cadenciada como hoje, por séculos, e ainda menos por períodos mais breves.
Não por acaso, o primeiro Jubileu cristão foi promulgado em 1300 por Bonifácio VIII (1294-1303), justamente em correspondência a uma passagem de século. Para o Papa Caetani, os futuros jubileus cristãos não deveriam retomar o ritmo do Antigo Testamento, mas ser promulgados a cada 100 anos. A cada passagem de um século, portanto, como foi para ele.
Junto aos fiéis que tinham se dirigido à Basílica de São Pedro, no Vaticano, no dia 1º de janeiro de 1300, circularam rumores de que o papa convocaria uma indulgência plenária que "lavaria a mancha de todo pecado". Mas eram apenas boatos. Expectativas populares também se manifestaram no dia 17 de janeiro, dia em que se levava em procissão o ícone de Verônica com a imagem de Cristo, que se venerava na Basílica de São Pedro no Vaticano.
Bonifácio VIII, surpreendido com o fervor popular, fez com que se fizessem pesquisas no arquivo para saber se um jubileu tinha sido comemorado outras vezes, mas não encontrou nada. Finalmente, no dia 22 de fevereiro de 1300, festa da Cátedra de São Pedro, o papa subiu ao ambão de mármore situado na nave central da basílica e promulgou a bula do Jubileu, que fez com que fosse depositada no altar-mor da basílica.
O papa permitiu que se pudessem receber indulgências também retrospectivamente, a partir da festa de Natal do ano anterior. Os romanos deviam visitar as basílicas de São Pedro e de São Paulo uma vez por dia. Tratava-se de um compromisso enorme que o papa teve que suavizar na Quinta-feira Santa, diante "de uma multidão de fiéis" reunida na praça de Latrão.
O Jubileu de Bonifácio VIII constituía uma novidade histórica, que conferia à cidade de Roma uma nova centralidade, a apenas nove anos da grande derrota de Acri (1291), que marcava um ponto de parada para as Cruzadas. Para a Europa cristã, com o Jubileu de 1300, Roma assumia o lugar de Jerusalém.
O segundo Jubileu (1350) respeitou o ritmo dos 50 anos, mas, também desta vez, a ideia não veio do papa. Clemente VI (1342-1352) foi convencido pelos romanos, ajudados por Petrarca, que então residia na corte papal de Avignon.
O ritmo dos 50 anos conheceria uma única interrupção, em 1850, por causa das turbulências da República Romana. O papa estava ausente de Roma e foi levado para lá pelos franceses apenas no dia 12 de abril.
Já em 1475, foi realizado o primeiro jubileu com um ritmo de 25 anos. O Jubileu de Sisto IV (1471-1484) foi importante para a história de Roma, que já havia saído definitivamente da crise do Grande Cisma do Ocidente, durante o qual, ao contrário, foram convocados dois jubileus que nunca foram celebrados, um em 1390, o segundo em 1423.
O Jubileu de 1423 queria retomar aquele que o primeiro papa romano, depois do longo "exílio" de Avignon, queria celebrar em 1390, ou seja, depois de 33 anos, um número que lembra os anos de Cristo.
A ideia de celebrar um jubileu com um ritmo de 33 anos, porém, não se perdeu. Ao contrário, foi retomada, com sucesso, por nada menos do que duas vezes. Em 1933, por Pio X (que já tinha celebrado um Jubileu em 1925) e, 50 anos depois, por João Paulo II, em 1983. Mesmo assim, são jubileus que vieram para se intercalar no ritmo dos 25 anos que foi observado de 1475 em diante, com pouquíssimas exceções.
O Jubileu de 1950, durante o qual Pio XII promulgou o dogma da Assunção de Maria, deixou a sua marca na história dos jubileus, porque constituiu a primeira grande ocasião de mobilidade para os fiéis católicos na Europa, depois da Segunda Guerra Mundial.
Mas já no primeiro Jubileu cristão, 1300, Dante tinha ficado impressionado com aquele ''exército muito" de peregrinos que, na ponte de Castel Sant'Angelo, durante o Jubileu, cruzavam-se indo ou vindo de São Pedro.
Extraordinárias foram as multidões de peregrinos para o último Jubileu, convocado por João Paulo II para o ano 2000. Celebrado também na Terra Santa, foi um evento midiático impressionante. A abertura da Porta Santa em São Pedro, no dia 24 de dezembro de 1999, foi vista em todo o mundo. Assim também no dia seguinte, quando o papa abriu a Porta Santa de São João de Latrão e, no dia 1º de janeiro de 2000, a de Santa Maria Maggiore.
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De Bonifácio VIII a João Paulo II: como mudou como o rito do perdão global. Artigo de Agostino Paravicini Bagliani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU