24 Fevereiro 2015
O Papa Francisco iniciou o período de Quaresma na manhã da Quarta-feira de Cinzas fazendo o que ele faz no meio de quase todas as demais semanas do ano: realizou uma Audiência Geral na Praça de São Pedro para peregrinos e visitantes de todo o mundo. Em seguida, à tarde, percorreu um pequeno trajeto de carro ao longo do rio Tibre, subindo o monte Aventino, onde continuou com a tradição de celebrar uma missa na primeira de uma série de “igrejas estacionais” antigas e quaresmais – a Basílica de Santa Sabina.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada pela revista Commonweal, 18-02-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O papa tem uma série de compromissos significativos em seu calendário durante estes 40 Dias de Quaresma, incluindo um retiro espiritual durante toda a próxima semana numa residência religiosa no morro Albano e uma visita pastoral de um dia inteiro a Nápoles perto do final do próximo mês. Mas um evento que certamente vai atrair uma atenção especial é a sua visita, no sábado à noite, em 7 de março, à igreja romana de Ognisanti (Todos os Santos). Esta paróquia do começo do século XX fica do lado de fora dos muros da antiga cidade na Nova Via Ápia, a menos de 800 metros da Catedral Basílica de São João de Latrão.
Neste local Francisco irá marcar o 50º aniversário da primeira missa papal celebrada publicamente no idioma vernacular. Foi em 7 de março de 1965 – o Primeiro Domingo de Quaresma – que o Papa Paulo VI rezou uma missa em italiano junto dos paroquianos da Ognisanti. Esta foi a data preestabelecida para que a Igreja, no mundo todo, começasse a aplicar as reformas litúrgicas convocadas no ainda em andamento Concílio Vaticano II. As reformas incluíam substituir certas partes da missa em latim por orações e leituras nas línguas locais. Naquela altura, a Oração Eucarística ainda era feita em latim, mas em breve muitos bispos iriam pressionar o Vaticano para permitir que a liturgia fosse inteiramente celebrada no vernacular, um movimento que continua a enfurecer alguns católicos ainda hoje. Estes e outros estão esperando para ouvir o que o Papa Francisco tem a dizer sobre uma questão a respeito da qual ele, até agora, pouco falou: as reformas litúrgicas pós-Vaticano II.
***
Em agosto de 2012, os paroquianos da Paróquia da Natividade de Jesus Cristo, em Roma, perderam o padre amado que fora o seu pastor por 37 anos. Pietro Sigurani, a quem todos chamávamos simplesmente de “Don Pietro”, foi tirado da paróquia que ele ajudou a transformar numa das mais dinâmicas da diocese. Ele foi forçado a se aposentar na idade de 76 anos, tendo sido substituído por Paolo Selvadagi, professor da Universidade de Latrão, que fica nas redondezas da paróquia, o qual foi nomeado como um dos bispos auxiliares de Roma dentro de poucos meses, tendo também sido substituído.
Desconheço no que se tornou a Paróquia da Natividade, pois parei de frequentá-la logo após a partida de Don Pietro, possivelmente o homilista mais inspirador que eu já ouvi. Desde então, tenho sido uma espécie de órfão aqui em Roma, alternando entre celebrações na Comunidade Caravita (grupo internacional de missas dominicais em inglês que promove o ecumenismo e a liturgia reformada) e um uns poucos conventos italianos próximos de minha residência.
O forçosamente “emérito” Don Pietro, entretanto, foi nomeado reitor da Igreja de Sant’Eustachio, uma basílica menor a uma quadra do Senado italiano e do Panteão. É mais uma das centenas de “igrejas museus” que decoram o centro histórico de Roma, uma região onde os moradores locais são muito poucos para terem condição de sustentá-las como paróquias vibrantes. Bem, isto era assim. No curto período em que Don Pietro tem estado na Sant’Eustachio, que fica em frente a um dos cafés mais famosos da cidade (e que tem o mesmo nome), ele a transformou num centro vibrante de oração, discussão teológico-sociológica e – o que é mais impressionante – num lugar de acolhida para os pobres e marginalizados da cidade.
Fiquei sabendo disso a apenas algumas semanas atrás, quando, por acidente, fui a um concerto realizado para levantar fundos e conscientizar as pessoas para o novo trabalho social da comunidade. Descobri que todo dia o meu antigo pároco e seus “Amigos da Sant’Eustachio” trazem pessoas carentes das periferias de Roma e lhes dão uma refeição completa e quentinha. A “sala de jantar” é a nave central da igreja barroca ricamente decorada. “Eles me dizem: Don Pietro, aqui nós comemos como as pessoas ricas e importantes – em um grande palácio!”, relata o padre. E este é um dos seus objetivos: trazer os pobres para o “centro das nossas atenções, para o centro da cidade de Roma e para o centro dos palácios de poder da Itália”. Mais de 100 pessoas jantam por dia aí. Don Pietro diz: “A casa de Deus é onde os pobres deveriam se alimentar!”.
***
Pela primeira vez um cardeal foi nomeado para o minúsculo país centro-americano do Panamá. Você já sabia disso? Então você deve ser mais inteligente do que a maioria dos jornalistas que escreveram sobre o Consistório da semana passada. Todos acertaram que o Papa Francisco deu o barrete vermelho a bispos de alguns dos lugares mais distantes e, até mesmo, esquecidos do mundo. Mas, a maioria deles – inclusive alguns “vaticanistas” célebres – pareceram encontrar por acaso a lista de lugares que nunca haviam tido um cardeal antes. Mianmar, Cabo Verde e Tonga foram colocados continuamente como os três novos lugares a contar com um Príncipe da Igreja. Mas, na maioria dos artigos que li, o Panamá não se encontrava nas listagens. Mas deveria estar. Talvez seja porque o novo cardeal – Jose Luis Lacunza Maestrojuan – nasceu na Espanha. Porém, este padre agostiniano recoleto foi para o Panamá há mais de 40 anos e está aí desde então.
O verdadeiramente surpreendente é que ele não é o arcebispo da Cidade do Panamá, a maior Igreja local do país de 3.6 milhões de pessoas. Em vez disso, ele é o bispo de David, diocese na fronteira oeste do Panamá com a Costa Rica. Caso você esteja se perguntando, respondo: esta Igreja não é a segunda mais povoada depois da arquidiocese. Nem a terceira também. É, na verdade, a quarta mais povoada. E este, a propósito, é o mesmo número de países que receberam cardeais pela primeira vez no último consistório graças ao Papa Francisco.
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Os 40 dias de Francisco e o primeiro cardeal do Panamá - Instituto Humanitas Unisinos - IHU