Por: Cesar Sanson | 19 Fevereiro 2015
Teodorin e seu pai Teodoro Obiang conseguiram seu objetivo: mais de 99,9% dos brasileiros ouviram pela primeira vez o nome de seu país, Guiné Equatorial, durante a festa máxima da tradição brasileira, o Carnaval carioca. Graças ao patrocínio de R$10 milhões que a escola de samba Beija-Flor de Nilópolis teria recebido para exaltar a minúscula nação africana durante o desfile, pai e filho, os atuais detentores do poder, colocaram sua marca na história do samba carioca. O dinheiro fácil tem uma explicação: a Guiné Equatorial, mesmo se possui apenas a área do Estado de Alagoas, é o terceiro produtor de petróleo da África; embora esteja em 144º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU.
A reportagem é de Haroldo Castro e publicada por Época, 19-02-2015.
No país formado por cinco ilhas e um território no continente, não há distinção entre governo e seu presidente: Teodoro Obiang Nguema está no poder desde 1979 e pretende passar a coroa a seu filho Teodorin, vice-presidente. Desde a independência em 1968, o país é uma ditadura brutal. Quem protestar contra Obiang e seu clã, que fuja. No país, não há chance para qualquer oposição. O primeiro presidente, seu tio Macias Nguema, um ditador comparado a Pol Pot do Camboja, foi deposto e executado sem piedade em 1979 pelo sobrinho Obiang.
Por ser um dos poucos brasileiros a ter conhecido o país, achei que deveria ver na televisão o desfile que ocorreu na segunda-feira à noite. A Guiné Equatorial mostrada pela Beija-Flor foi linda, colorida e encantadora. A comissão de frente, composta de 15 guerreiros, montou uma árvore da vida e deu show de criatividade. Os mascarões, com movimento nos lábios e olhos, eram estonteantes. O casal mestre-sala e porta-bandeira, vestidos de dourados, também foram louvados. Os carros alegóricos, espetaculares. Em um deles, uma floresta rica, cheia de animais. Os R$ 10 milhões do patrocínio foram bem usados e deram à Beija-Flor o título de Campeã do Carnaval Carioca 2015. Os Teodoros estão contentes: o investimento deu retorno!
Mas durante os nove dias que passei em Malabo, no parque nacional Monte Alen e na Caldera Luba, o que mais vi foram exemplos de devastação da biodiversidade e de desmatamento.
Uma surpresa para um vegetariano como eu foi encontrar, na beira das estradas de acesso a Monte Alen, um número imenso de tartarugas, pássaros e roedores – todos mortos e amarrados em uma vara de bambu. Os animais eram oferecidos aos viajantes, interessados em transformá-los em sua próxima refeição. Na África Central e Ocidental, o consumo de carne de animais selvagens – bushmeat – ainda é uma prática comum, trazendo graves riscos para a saúde da população.
Para chegar ao parque nacional Monte Alen precisamos cruzar uma concessão madeireira. As tristes imagens de animais mortos foram substituídas pelas longas toras de madeira tombadas, à espera de um caminhão que as leve ao porto. De lá partem para a Europa, Índia ou China. A floresta tropical continua a ser definhada.
Mas nem tudo é destruição no país de Obiang. Junto com colegas conservacionistas, uma das nossas missões era encontrar – e, se possível, fotografar e filmar – a maior rã do mundo, a Conraua goliath, que vive, em seu ambiente natural, às margens dos rios turbulentos da Guiné Equatorial.
Depois de uma hora de caminhada no mato, chegamos à beira do rio Wele. Do outro lado estava o parque nacional, teoricamente uma área protegida. Para cruzar o rio, usamos uma canoa. Já era o final da tarde, quando chegamos na primeira cascata, habitat da rã Golias. Tive apenas 90 segundos para fotografar as cachoeiras e fui interrompido por uma tremenda trovoada que quase arrebentou meus tímpanos. Imediatamente, uma tempestade derramou-se sobre todos. A pesada e escura nuvem não somente trouxe chuva como também escuridão. Nem pensar em buscar anfíbios.
Chegamos a uma casa de madeira abandonada, com inúmeras tábuas podres, mas um teto com poucos furos. Encharcados, colocamos nosso equipamento em lugar seguro e nos deparamos com uma nova surpresa. Uma pessoa que não fazia parte de nossa equipe estava cercada por nossos ajudantes. “Esse homem estava caçando dentro do parque nacional”, afirmou um dos guarda-parques em espanhol. “Quando chegamos, ele estava com um antílope e uma tartaruga dentro de seu cesto de palha”, disse outro. Os animais ainda estavam vivos, pois haviam sido capturados com uma armadilha. Fiz questão de soltar a tartaruga, uma a menos para cair na panela.
Nossa atenção volta-se às rãs: ninguém havia visto nenhuma na cachoeira. Como o animal é noturno, alguém terá de procurar o anfíbio à noite.
Lá pelas duas horas da manhã ouvimos vozes. Alguém chegava no acampamento. Fui ver o que estava acontecendo e descobri que o visitante estava feliz, exibindo um sorriso de vencedor. Em uma de suas mãos ele segurava uma rede de pescar, uma espécie de tarrafa. A outra mão agarrava um saco e, pelo movimento, com alguma coisa viva dentro.
Em poucos minutos elucidamos a equação. Nelson, o visitante, vivia em um dos vilarejos fora do parque. Ao cair da noite, ele caminhou até o rio, cruzou-o e seguiu a trilha até a cachoeira. Lá, no habitat da Golias, Nelson demonstrou que era um bom pescador. Com sua tarrafa, conseguiu capturar dois espécimes.
Na manhã seguinte, levamos as duas rãs de volta à cachoeira. A maior delas pesava mais de dois quilos e, esticada, media 60 centímetros. Era grande mesmo. Fotografamos a rã nas nossas mãos, pois não sabíamos como seria a reação dela ao ser liberada. Com cuidado, colocamos a rã em uma pedra, nos afastamos lentamente e começamos a clicar. O anfíbio ficou imóvel por alguns segundos, mas, num piscar de olhos, deu um tremendo salto, passando por cima de nossas cabeças e mergulhando de volta no rio turbulento.
Infelizmente, a rã Golias, além de ser consumida localmente como carne, também é procurada por colecionadores e pode valer até três mil dólares no mercado negro. O governo da Guiné Equatorial deveria usar também seus petrodólares para proteger a natureza e agir para que essa espécie única não desapareça do planeta.
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A Guiné Equatorial que não vimos no Sambódromo do Rio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU