06 Fevereiro 2015
"No encontro breve com o presidente da Câmara os Kayapó protagonizaram mais uma bela e importante página na luta dos povos indígenas por seus direitos. Daqui há pouco terão um encontro para o qual estão previstos a participação de cinco ministros – Justiça, Meio Ambiente,
Transportes, Saúde, Minas e Energia mais Ministério Público Federal. Como o desarquivamento da PEC foi solicitado praticamente no primeiro dia de trabalho do novo Congresso, podemos imaginar a fúria avassaladora com que os interesses anti-indígenas, em especial o agronegócio e os ruralistas irão agir", escreve Egon Heck, do secretariado nacional do CIMI, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
Eis o artigo.
“Quando estão desarquivando a PEC 215 estão declarando guerra aos povos indígenas do Brasil. Vamos mostrar que estamos prontos para a guerra”. Essa declaração feita por um dos caciques Kayapó na audiência com o presidente da Câmara Eduardo Cunha, calou fundo no coração e sentimentos de todos os que estavam sentados na sala da presidência. Tudo que acontecer daqui pra frente, não o será por falta de aviso.
Acabar com a PEC 215
“Acabar com a PEC 215, é isso que estamos pedindo. Cada vez mais o governo está sendo inimigo dos povos indígenas.” Disse em alto e bom tom, na língua Kayapo, um dos cinco caciques participantes da audiência. E arrematou “Estão querendo acabar com a gente. Mas isso não vamos deixar”. O recado foi claro e contundente – em 2015 nada de PEC 215.
Um batalhão de representantes da imprensa apenas pode registrar o cenário por breves segundos. Eduardo Cunha, que depois tentou explicar sua posição, não poderá dizer que não foi avisado.
Caso houver insistência na aprovação de projeto de emenda constitucional, “ semanalmente estarão delegações dos índios de todo o país para impedir que isso aconteça” afirmou outro cacique. Esta afirmação foi endossada por parlamentares presentes, como Sarney Filho que afirmou que “a correlação de forças é injusta. Caso houver insistência na aprovação dessa PEC, que não deveria existir, semanalmente teremos delegações indígenas aqui para chamar atenção para essa fratura exposta”.
O cacique Mekren, verberou com gestos incisivos “Peço, por favor, acabar com esse projeto que vocês estão desengavetando. Peço para acabar com isso”. Outro cacique complementou “não é nois que estamos caçando briga com vocês. É vocês que estão caçando briga com nois. Deveria ter o mínimo respeito com nois, porque você fez acordo com os ruralistas...”
O deputado Chico Alencar lembrou que os índios estão fazendo a leitura de que a Constituição foi como um contrato histórico que querem quebrar com essa PEC. “Eles não aceitam esse ataque. Aliás essa PEC não deveria existir. Nós estamos declarando guerra a eles. Vamos evitar o genocídio”.
Disse que não fez
Em pouco mais de 20 minutos os Kayapó não deixaram dúvidas quanto à sua disposição de continuar lutando contra a referida PEC. No terceiro dia de trabalho da nova legislatura os índios deram seu recado. O novo presidente da Câmara que no último dia de janeiro se filiou à frente ruralista, tentou explicar sua posição enquanto presidente da Câmara. “Não tenho condições de barrar essa PEC e a formação de uma nova Comissão. É uma questão regimental. É só algum deputado pedir o desarquivamento, e ela passará a tramitar conforme determina o regimento interno da casa. Em tom de desabafo “não fui eu que fiz essa PEC, que criou a Comissão. Só cumpro o regimento. Não tenho poder de acabar com essa PEC, não tenho competência para não desarquivá-la” Afirmou que não fez acordo com os ruralistas.
Dessa forma disfarçou o fato de que o desarquivamento já havia sido solicitado dia 3 deste mês. Os parlamentares solidários com a causa e direitos indígenas insistiram com o presidente da Câmara para que o tema seja melhor discutido com a sociedade e que não haja açodamento nos encaminhamentos dessa PEC, se faça encontros com os ruralistas no sentido de encontrar alternativas , como a de indenização dos títulos de propriedade de boa fé.
Outro parlamentar ressaltou que está se fazendo uma espécie de terrorismo entre os ruralistas afirmando estar se criando terras indígenas aleatoriamente. O que não é verdade. Esse risco não existe.
No final Eduardo Cunha concluiu dizendo se empenhar para a construção de diálogos e consensos. E deixou seu recado “Vocês devem fazer isso civilizadamente”.
Lutas heroicas dos Kayapo pelos direitos indígenas
Lembro do momento histórico em que os Kayapó pediram que o Cimi os ajudasse apenas com hospedagem, que eles viriam a Brasilia para se unir aos demais povos indígenas na luta pelos direitos na Constituinte. Foram momentos inesquecíveis em que não houve guardas que os barrassem para exigir os direitos em qualquer espaço do Congresso. Isso nos idos tempos de 1987 e 88. Passados mais de 25 anos e aqui estão eles novamente. Desta vez, quando se imaginava que os direitos estivessem sendo respeitados e colocados em prática, eles retornam ao cenário da luta, para evitar que haja retrocesso ou mesmo perda de direitos constitucionais.
É lamentável que o Brasil, após aprovar uma das Constituições mais avançadas à época, com relação aos direitos indígenas, em especial, se encontre na deplorável situação de querer excluir ao invés de cumprir esses direitos.
Como no início do século XIX, na interpretação dos povos indígenas está em curso nova declaração de guerra aos povos indígenas do Brasil.
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Declaração de guerra aos povos indígenas do Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU