28 Janeiro 2015
"Francisco considera o ensinamento da Humanae Vitae como fundamental para a proteção dos pobres. Segundo ele, o caráter puramente profético deste documento polêmico (escrito meio século atrás) é a sua oposição ao neomalthusianismo: ideia segundo a qual o crescimento populacional deva ser controlado", escreve Robert Mickens, diretor da revista Global Pulse, em artigo publicado pela National Catholic Reporter, 26-01-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Desde 1986, Mickens vive em Roma, onde estudou Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana antes de trabalhar, por 11 anos, na Rádio Vaticano e, em seguida, como correspondente da revista The Tablet, de Londres.
Eis o artigo.
Tudo depende de como interpretamos a Humanae Vitae.
Eis o essencial para compreendermos o que o Papa Francisco “realmente quis dizer” em suas recentes observações sobre ter filhos.
Na realidade, isto foi dito pelo próprio papa.
Ele assim se expressou numa entrevista em março ao jornal mais lido na Itália, o Corriere della Sera. O editor da publicação perguntou ao papa se a Igreja deveria assumir um outro olhar para com o ensinamento encontrado na encíclica de 1968 de Paulo VI.
“O cardeal Martini, seu confrade, estava convicto de que tinha chegado o momento”, disse provocativamente o editor.
E eis como o papa respondeu:
“Tudo depende de como é interpretada a Humanae vitae”.
E disse mais:
“O próprio Paulo VI, no fim, recomendava aos confessores muita misericórdia, atenção às situações concretas”, completou, em seguida chamando de “profeta” o seu predecessor e elogiando-o por ter a “coragem de ir contra a maioria, de defender a disciplina moral (…) de opor-se ao neomalthusianismo presente e futuro”.
Francisco completou sua resposta à pergunta dizendo que não se tratava de mudar a doutrina, mas “de fazer com que o trabalho pastoral tenha em conta as situações e do que para as pessoas é possível fazer”.
Esta entrevista oferece uma chave interpretativa para compreendermos o papa jesuíta quando este fala especificamente sobre a questão do controle de natalidade.
Há uma outra chave interpretativa. É um princípio de que ele lançou mão em sua exortação apostólica Evangelii Gaudium, e que se repetiu em inúmeras ocasiões: “As realidades são maiores do que as ideias”.
Estes dois instrumentos são fundamentais para entendermos como o Papa Francisco interpreta o documento Humanae Vitae.
Em primeiro lugar, os comentários que ele proferiu nas Filipinas, a bordo do avião que o trouxe de volta a Roma e, finalmente, em sua audiência geral nesta quarta-feira após a viagem, sugerem uma coisa: este papa é um realista.
A realidade é mais importante do que ideia (ou ideal). E Jorge Mario Bergoglio sabe disso. Ele tem estado envolvido na realidade concreta das vidas das pessoas tanto quanto nenhum outro bispo provavelmente já esteve. Ele sabe que a maioria dos católicos tem dificuldades em aceitar o ensinamento da encíclica relativo ao controle de natalidade; ele sabe que muitos simplesmente ignoram este mesmo ensinamento.
No nível pessoal – ou, antes ainda, no nível dos casais –, ele também crê que a encíclica tem muito mais coisas a dizer que são de valor muito maior do que se opor às pílulas e camisinhas. Na interpretação do papa, a mensagem da encíclica aos casais católicos é a de serem generosos e responsáveis. Basicamente, a sua mensagem é: “Não sejam egoístas! Não sejam irresponsáveis!” Ela apela a virtudes mais elevadas, mesmo se as pessoas tropeçam em seus esforços para vivê-las.
Francisco sabe que, na realidade, as pessoas se esforçam. E Paulo VI sabia também. Daí o apelo aos padres para serem extremamente misericordiosos com as pessoas quando estiverem perante esta questão. Concordamos ou não, o papa jesuíta parece pensar que não há necessidade de mudar um ensinamento rígido. Ele acredita que o desafio mais importante é capturar o significado maior do documento.
Em segundo lugar, Francisco considera o ensinamento da Humanae Vitae como fundamental para a proteção dos pobres. Segundo ele, o caráter puramente profético deste documento polêmico (escrito meio século atrás) é a sua oposição ao neomalthusianismo: ideia segundo a qual o crescimento populacional deva ser controlado. E quais as sociedades que os programas de controle de natalidade primeiramente visam? As sociedades empobrecidas e os países pobres.
O papa não aceita o argumento que diz que a redução da população alivia, na prática, a miséria, a fome e a pobreza e que é também mais respeitosa com o meio ambiente. Francisco tem repetido, vezes e mais vezes, o fato cientificamente verificado de que há alimento o suficiente no mundo para alimentar a todos. Em muitas ocasiões, ele também defendeu uma melhor distribuição de bens e riqueza, bem como a necessidade de uma melhor educação.
É esta a sua resposta ao neomalthusianismo, que ele vê como uma resposta egoísta e irresponsável dos ricos do mundo para com os seus irmãos e irmãs pobres. É simplesmente inaceitável para ele aceitar o escândalo de que uma pequena minoria de pessoas fique cada vez mais rica enquanto que a maioria das pessoas vive na pobreza. Na visão do Papa Francisco, os programas de controle populacional são nada mais do que uma tentativa de eliminar a pobreza eliminando as pessoas.
Como sempre, ele usou uma linguagem criativa, com imagens coloridas, durante a sua visita às Filipinas, tudo como parte de seu esforço em tornar estes aspectos e muitos outros compreensíveis. Mas alguns de seus maiores fãs ficam preocupados que ele possa ser um pouco destemperado e irrefletido nos momentos em que ele fala de improviso. E aqueles que não estão muito animados com o seu pontificado o acusam, abertamente, de semear confusão.
Porém, os seus comentários sobre as gravidezes, os índices de natalidade e mesmo a alusão famosa de “se reproduzir como coelhos” precisam ser entendidos num contexto mais amplo e mais importante. Neste sentido, vale lembrar uma outra máxima que ele tanto estima: “O todo é maior do que as partes”.
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Aprendendo a “cair na real” com o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU