20 Novembro 2014
O cristão não conhece um caminho que contorne a dor: ao contrário, conhece um caminho, junto com Deus, que o atravessa. "O cristianismo não é um método para evitar a dor, mas para atravessá-la e assumi-la", segundo as palavras de Arturo Paoli.
A opinião é do padre italiano Aldo Antonelli, coordenador regional da associação antimáfia Libera para a província de Aquila, na Itália. O artigo foi publicado no sítio TheHuffingtonPost.it, 18-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Caro Dr. Umberto Veronesi,
Li com atenção a sua confissão autobiográfica publicada no jornal La Repubblica do dia 17 de novembro passado, relativa à sua relação com a fé e/ou com "Deus". Coloco entre aspas o termo "Deus", porque considero que o termo é altamente poluído, tão polivalente que significa tudo e o seu contrário.
Martin Buber relata que, um dia, um senhor idoso o repreendeu duramente por ter usado muitas vezes o termo Deus: "Que outra palavra da linguagem humana foi tão maltratada, manchada e deturpada? Todo o sangue inocente derramado em seu nome lhe tirou o seu esplendor. Todas as injustiças que ela foi forçada a encobrir ofuscaram a sua clareza. Algumas vezes, ouvir nomear o Altíssimo com o nome de Deus me parece uma imprecação".
Entendo e compartilho plenamente tudo o que o senhor escreve no seu longo artigo, mas, mesmo assim, chego a conclusões que são diferentes das suas. Aquele "Deus" que abençoa a dor, que instaura sub-repticiamente "o integralismo da doutrina católica", que no tumor encontra uma "manifestação da sua vontade", já desapareceu há muito tempo do horizonte da minha fé; fé que, desde o declínio desse "Deus", foi purificada, ao contrário do senhor, cuja fé foi anulada.
Lembro que Richard Dawkins, diante do caixão de seu amigo Christopher Hitchens, falecido no dia 15 de dezembro 2011, chegou a dizer orgulhosamente: "Ele era um corajoso combatente contra todos os tiranos, incluindo Deus!". Se eu estivesse presente, teria batido palmas para ele.
Veja, Dr. Veronesi, o que o senhor, com razão, rejeita na sua racionalidade de homem-de-cultura e na sensibilidade de homem-humano, estranhamente, depois, o senhor continua considerando como "necessário" para a fé do crente, recusando-se a assumir a possibilidade de uma Fé em um "Deus" diferente. Em suma, negando aquele "Deus" e negando, consequentemente, a fé, o senhor afirma como necessário o que afirma ser deletério.
Deixe-me ser claro: estas reflexões não estão voltadas a "recuperá-lo" para a fé. Longe de mim qualquer objetivo de anexação e de conquista: eu sempre combati o colonialismo, seja nas suas vestes sociopolíticas, seja nas suas versões "religionísticas"! O meu testemunho é apenas de uma "fé" diferente em um "deus" diferente (rigorosamente com letra minúscula!).
Segundo Salvatore Natoli, existem dois cenários possíveis de sentido para o Ocidente, dentro dos quais a dor foi compreendida e justificada: o grego da tragédia e o cristão da redenção. Aqui, redenção não significa liberação, mas capacidade, que vem do amor, de permanecer dentro da situação de cabeça erguida...
Para um cristão adulto, Deus não pode se reduzir a um "optativo do coração", como Feuerbach gostava de criticar. O Deus cristão também não é o divino amado, pensado e glorificado na esfera do desejável, cuja ilusoriedade, antes que pelos mestres da suspeita da modernidade (Feuerbach, Marx, Nietzsche e Freud), foi denunciada e desmascarada pela revelação bíblica que pensa Deus não como resposta à necessidade humana, mas como a sua ruptura e a instauração de um além da necessidade, que é bondade e santidade (Carmine Di Sante, Il forestiero nella Bibbia).
O "Deus" de Jesus Cristo não é o Deus das respostas às perguntas do homem, mas o "Deus" das perguntas que interpela a consciência do homem e a sua responsabilidade. É o Deus que pergunta a Adão: "Onde estás?", "O que fizeste?"; e é o Deus que pergunta a Caim: "Onde está o teu irmão?".
O cristão não conhece um caminho que contorne a dor: ao contrário, conhece um caminho, junto com Deus, que o atravessa (cf. Ernst Schuchardt). "O cristianismo não é um método para evitar a dor, mas para atravessá-la e assumi-la", segundo as palavras de Arturo Paoli (Le Beatitudini).
Quando o nome de Deus é usado como prefixo nos movimentos políticos ("teo-con" ou "teo-dem") ou nas morais de conveniência ("as raízes cristãs"), então está em curso uma ação de rapina e de usurpação. Isso, no entanto, não me autoriza a desertificar tudo, cortando na raiz a pergunta "incômoda" que nós, crentes, trazemos dentro de nós e que, com toda a honestidade, não podemos calar, eliminando o interlocutor: o Deus da pergunta, e não o ídolo das respostas.
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''Caro Veronesi, o Deus de Jesus Cristo é o Deus da pergunta e não o ídolo das respostas'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU