18 Novembro 2014
“Eu me sinto pessoalmente obrigado a assumir todo o mal que uma quantidade importante de sacerdotes fizeram”. No passado dia 11 de abril, o Papa Francisco pedia perdão, em nome de toda a Igreja, pelos casos de abusos sexuais por parte de sacerdotes, e se comprometia a “não dar nenhum passo atrás com respeito à postura que tomaremos para corrigir este problema e as sanções que imporemos”. Além das palavras, os fatos.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 16-11-2014. A tradução é de Benno Dischinger.
O seguinte relato é uma mostra de que a atitude de “tolerância zero” ante a pederastia se implantou, para permanecer, na Santa Sé. E que, se for preciso, é o próprio Papa quem toma a iniciativa e obriga os bispos a tomar medidas, eclesiásticas e penais. É Bergoglio quem se acerca, até o mais íntimo, das vítimas, para apoiá-las sem reservas e ajudá-las para que estes atrozes delitos se denunciem e castiguem, na Igreja e também pelos tribunais ordinários.
Assim sucedeu em um caso que afeta uma diocese espanhola, segundo esta investigação, confirmada por fontes eclesiásticas espanholas e vaticanas. Esta é a história de Daniel, tal e como temos podido reconstruir a partir de conversações com diversas fontes, algumas delas especialmente próximas da vítima, durante as últimas semanas. Um relato que nos mostra o apoio e o carinho do Papa a uma das vitimas destes lobos disfarçados de pastores, que não duvidam em destroçar a vida dos mais débeis.
Domingo, 16 de agosto, 17,23 horas. Daniel (nome fictício) conduz devagar pelas ruas da cidade que o viu crescer. Aos seus vinte e poucos anos, está passando um verdadeiro calvário. Vítima de brutais abusos sexuais por parte de vários sacerdotes em sua adolescência, após vários anos de silêncio, se decidiu denunciar.
O semáforo fica vermelho e soa um telefone móvel. Na tela só aparece “número desconhecido”. ”Quem é?”, contesta Daniel. “Falo com o senhor Daniel?” responde, do outro lado do telefone, uma voz estranhamente conhecida. “Sim, sou eu. Quem chama?” “Boas tardes, filho, sou o padre Jorge”. “Perdão – responde Daniel – deve ter-se equivocado. Não conheço nenhum padre Jorge”. E escuta assombrado: “Bem, o Papa Francisco”.
Durante vários minutos Daniel não acerta articular som algum. Do outro lado, seu interlocutor crê que acertou. “Continua aí?” Seu tom de voz é inconfundível. É o Papa!
“Filho, acalma-te. Li tua carta várias vezes. Não pude mais que emocionar-me e sentir uma dor imensa ao ler teu relato. Quero pedir-te perdão em nome de toda a Igreja de Cristo. Perdoa este gravíssimo pecado e gravíssimo delito que sofreste. Perdoa, filho meu, tanta dor ocasionada e tanto que terás sofrido. Estas feridas fazem que a Igreja se ressinta por completo”. As lágrimas correm pelo rosto de Daniel, que não pode parar de chorar, nem dizer uma só palavra.
Fazia apenas alguns dias, depois de anos de ter tentado enterrar todo aquele horror no vazio do olvido, e impelido pelo possível dano – similar ao que ele teve que vivenciar – que poderiam estar sofrendo outros meninos e meninas. Daniel esvaziou sua alma em cinco amplas, angustiantes e incontestáveis folhas, que enviou, quase sem pensar, à atenção de Sua Santidade Francisco. Destino? Secretaria de Estado, Palácio Apostólico Vaticano, 00120 Città del Vaticano.
Agora, o próprio Papa de Roma pegava o telefone e o chamava. A conversação durou apenas alguns minutos, mas fez desaparecer de uma penada a sensação de angústia com a qual havia vivido tantos anos.
“Contas com todo o meu apoio, filho meu, e o apoio de toda a Igreja. Eu tenho próxima a viagem à Coréia, mas já há gente trabalhando para que tudo isto se possa resolver. Dou graças a Deus porque conservas a fé e continuas na Igreja. Reza por mim, filho meu, de modo igual como eu o farei, sem dúvida por ti, tua família e o restante de vítimas deste grave delito cometido por sacerdotes. Envio-te minha bênção e o apoio da Igreja por completo. Um forte abraço, filho”.
Francisco prometeu “tolerância zero” ante os pederastas e seus cúmplices. Dias depois da chamada, o bispo da diocese onde se produziram os abusos recebeu uma chamada da Santa Sé na qual ele era impelido a tomar cartas no assunto e colaborar, eclesial e penalmente, para que os presumidos pederastas – a investigação da Polícia judicial, que nestes momentos conclui seus trabalhos – sintam o peso da Justiça, bem como assegurem a proteção de todas as possíveis vítimas. Porque Daniel não foi o único objetivo dos lobos.
Nos últimos dias, Daniel recebeu outra notícia vinda de Roma: Francisco quer convidá-lo a participar na comissão de vítimas de abusos por parte de sacerdotes, presidida pelo cardeal O’Malley e que voltará a reunir-se no início de dezembro. Dita comissão ajudará o Papa a continuar trabalhando para que a “tolerância zero” frente à pederastia seja uma autêntica realidade.
É que as coisas estão mudando em marcha forçada. A “primavera da Igreja” também está sendo realidade no modo de enfrentar os pederastas e seus encobridores. A petição de perdão do Papa, “em nome de toda a Igreja de Cristo” por “este gravíssimo pecado e gravíssimo delito que sofreste”, é uma “sacudida nas consciências dos católicos”, e um puxão de orelhas nos que, durante anos, sustentaram que a Igreja, para poder ser fiel à mensagem de Cristo, deve colocar-se sempre do lado dos que mais sofrem. Doa a quem doer.
O mesmíssimo cardeal O’Malley, presidente da comissão de abusos, reiterava neste mesmo fim de semana que a Santa Sé “aplicará a tolerância zero contra os sacerdotes pedófilos e aqueles que os encobrem’. As autoridades vaticanas, recalcou o capuchinho, “estão pensando na idéia de estabelecer protocolos, para saber como responder quando um bispo não assegura a proteção das crianças de sua diocese”.
A atitude, e a tomada de decisões do Papa e de seus colaboradores, também calou no episcopado de nosso país. Daniel já não está só. Quem poderia ser assinalado é o bispo da diocese onde se produziram os abusos, quem após a reprimenda papal, formalizou a denúncia ante o Juizado, e afastou alguns dos implicados de suas paróquias, suspendendo-os a divinis, mas colocando em seus postos outros sacerdotes investigados pelos mesmos delitos. Semanas após, a diocese em questão, afirmam fontes vaticanas, “não está colaborando com o que se solicitou”.
A Assembléia Plenária do Episcopado, que inicia nesta segunda-feira, falará deste assunto em sessão reservada. A aposta pela total transparência do Papa Francisco conta com o respaldo do cardeal Antonio Cañizares e do arcebispo de Madri, Carlos Osoro, os quais estão informados do desenvolvimento dos acontecimentos praticamente a cada minuto.
Ambos os prelados abordarão este escândalo em sessão reservada, dando nomes e sobrenomes dos responsáveis por estes abusos – algo que, para não entorpecer o bom término da investigação judicial, não pode realizar esta informação -, e exigindo ao prelado responsável da diocese – que o seguia estando na hora de elaborar este texto – que tome medidas exemplares e sem atenuantes, para evitar que os abusos continuem se produzindo.
E é que, por sorte, as coisas estão mudando também no seio da hierarquia eclesiástica. Com o Papa na ponta, as vítimas estão recuperando sua dignidade e seu caráter no interior da Igreja. O caso que nos ocupa pode marcar um antes e um depois acerca da atitude da Igreja espanhola frente ao escândalo dos abusos sexuais. Uma atitude decidida de acolhida às vítimas e de perseguição dos culpados, sejam sacerdotes, leigos ou religiosos.
Como afirmava em sua biografia o vice-presidente do Episcopado – primeiro bispo espanhol em denunciar ante as autoridades espanholas um caso de abusos-, Carlos Osoro, “a pederastia é um pecado, e também é um delito. Disse-o o Papa e eu creio que é assim. Não se pode permitir que uma pessoa anule a dignidade de outros”, afirma o arcebispo de Madri, que sustenta que o principal é “acompanhar a pessoa que foi vítima e sua família. A vítima é quem mais marcado está, e é preciso estar com ela em todas as circunstâncias. E não é fácil, porque muitas vezes esta pessoa se sente dolorida e não quer saber de nada com a instituição, porque relaciona – e é lógico – a pessoa que lhe causou tanto dano com a instituição à qual pertencia”.
Não é este o caso de Daniel, o qual conserva sua fé como um tesouro que lhe permitiu sobreviver a esta tragédia. E com o Papa Francisco como principal aliado é uma luta que, agora, cada vez está mais próximo de vencer, e que só concluirá com a condenação, penal e também eclesial, de todos e cada um dos lobos implicados.
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Francisco força uma investigação sobre abusos sexuais numa diocese espanhola - Instituto Humanitas Unisinos - IHU