29 Outubro 2014
Um tumulto eclodiu na semana passada durante uma palestra dada pelo arcebispo da Filadélfia, Charles Chaput (na foto com o papa), e patrocinada pela revista First Things, geralmente considerada o periódico mais inteligente da opinião conservadora católica dos Estados Unidos.
Em si mesmo, a palestra pode não parecer especialmente grande, mas é ilustrativa de algo mais amplo. Estamos entrando na fase dois do papado de Francisco, onde o período de bons sentimentos deu lugar a uma era fria.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 28-10-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Fonte: Paul Haring/CNS |
Antes de prosseguir, uma advertência: esta análise aplica-se, em grande parte ao Ocidente. Pessoas que estão, digamos, na Ucrânia ou na Nigéria e nas Filipinas - países com grandes populações católicas - não estão necessariamente tendo a mesma conversa.
Embora Chaput não tenha estado no Sínodo dos bispos de 2014, em Roma, ele teve que responder uma pergunta da audiência sobre o assunto.
Sublinhando que ele não tinha estado lá e que queria falar com os bispos antes de chegar a conclusões, Chaput, no entanto, disse que a "imagem pública" do evento tinha criado confusão, e que "confusão é coisa do diabo".
Um relatório intercalar do encontro continha uma linguagem ousadamente progressiva sobre a homossexualidade e outros temas polêmicos, mas o documento final aprovado no dia 18 de outubro foi consideravelmente mais contido.
Dois observadores de longa data da cena católica, David Gibson, do Religion News Service e Michael Sean Winters, do National Catholic Reporter, escreveram artigos sugerindo que Chaput tinha "detonado" com o sínodo. Winters foi mais longe, sugerindo que Chaput havia, por conseguinte, criticado o Papa Francisco já que o Sínodo era um evento do papa.
Em contrapartida, vários blogueiros e escritores católicos conservadores criticaram Gibson e Winters por distorcer o ponto de Chaput - e assim por diante.
De certa forma, o contratempo é uma reminiscência do que aconteceu com o cardeal alemão Walter Kasper, durante o Sínodo. Kasper é um herói progressista por defender uma mudança na proibição de católicos divorciados e recasados civilmente de receber a Comunhão. Uma linha fora do contexto dita por ele sobre os bispos africanos que "não deveriam nos dizer o que fazer" se tornou uma cause célèbre, impulsionada principalmente pelos meios de comunicação observados como conservadores.
Agora algo semelhante aconteceu com Chaput e a sua expressão "do diabo", dessa vez vindo de fontes vistas como inclinando-se um pouco para a esquerda.
Podemos fazer duas observações.
Em primeiro lugar, ambas as controvérsias, a de Kasper e a de Chaput ilustram a importância do contexto na apresentação de comentários de figuras públicas, neste caso, autoridades eclesiásticas.
Qualquer um que conheça Kasper percebe que ele é uma alma gentil que não iria deliberadamente insultar ninguém. Ele serviu como uma importante autoridade do Vaticano para as relações com os judeus e outras Igrejas cristãs, precisamente por causa de sua capacidade de conviver com praticamente todo mundo. Ele é o cara que você pode trazer para apagar incêndios, não para iniciá-los.
Colocada em seu contexto, a observação reconhecidamente mal pensada de Kasper sobre os africanos parecia significar que diferentes partes do mundo têm problemas diferentes, e elas devem ser autorizadas a desenvolver as suas próprias soluções. Essa nuance não se destacou muito na discussão - em parte, talvez, porque algumas pessoas não estavam interessadas em salvar Kasper de si mesmo.
Um ponto semelhante poderia ser feito com Chaput. Qualquer um que o conhece percebe que ele é um homem de opiniões fortes sobre os riscos de assimilar a cultura secular, e não hesita em manifestá-los. É legítimo suspeitar que ele possa estar um pouco desconfortável com alguns dos novos ventos que sopram na era Francisco.
No entanto, Chaput também é leal ao papa, e a ideia de que ele iria acusar publicamente um pontífice de promover o trabalho do diabo é implausível. Se você ler o texto integral da sua resposta, parece claro que ele estava falando sobre as apresentações do sínodo por parte da mídia, não necessariamente sobre o evento em si. (Se ele estava sendo justo com a mídia, isso é uma conversa para outra hora.)
Em segundo lugar, nós entramos na próxima fase do papado de Francisco.
Nós passamos de um período de lua de mel, em que a maioria dos católicos estava contente de aproveitar o fato de que o papa é a figura mais popular do planeta para uma era em que um número crescente de pessoas parece se incomodar rapidamente.
Para isso, temos provavelmente o Sínodo dos bispos para agradecer. Ele colocou em foco as linhas de batalha na era Francisco, pelo menos no que diz respeito à família e à moralidade sexual.
Essas linhas de batalha são:
Essas são perguntas incendiárias e ambos os lados trazem profunda paixão. O campo progressista tende a sentir-se encorajado, presumindo que o papa está com eles. Muitos conservadores se sentem alarmados exatamente pela mesma razão, temendo que Francisco pode não estar do seu lado.
Neste ambiente, muitos ativistas e pensadores parecem estar entrando em modo de batalha, prontos para atacar em qualquer deslize ou gafe percebidos da parte de seus adversários. Em outras palavras, a não declarada Guerra Fria do catolicismo, entre aqueles animados pelo novo tom do papa e aqueles ambivalentes sobre isso, está começando a esquentar.
De forma geral, Francisco navegou pela fase I brilhantemente. O que será necessário para ele passar pela fase II?
Uma solução pode estar em se aproximar dos conservadores que suspeitam que Francisco, ou seus aliados, tentaram empilhar o baralho contra eles no Sínodo, e que em geral são os que se perguntam se o pontífice aprecia as suas preocupações.
A este respeito, Francisco pode ter se ajudado na segunda-feira, quando ele participou da inauguração de um busto de bronze em homenagem a Bento XVI na Pontifícia Academia de Ciências, onde Francisco elogiou seu antecessor como um "grande papa".
Bento, disse ele, é grande "pela força e qualidade penetrante de sua inteligência, por sua importante contribuição para a teologia, por seu amor pela Igreja e pelos seres humanos, e por sua virtude e caráter religioso".
"Longe de se dissipar com o passar do tempo", Francisco disse, o espírito de Bento XVI "vai parecer cada vez maior e mais poderoso a cada geração que passa".
Sem dúvida, Francisco quis dizer cada palavra, mas de qualquer forma, tal tributo a um pontífice que ainda é um herói para ala mais tradicional da Igreja foi também uma boa política.
Como um pensamento final, aqui está uma previsão de quando a fase III da era Francisco vai começar: algum tempo depois de outubro de 2015, quando o processo de reflexão terminar com o próximo Sínodo dos bispos sobre a família e a bola chegar firmemente na mesa do pontífice.
Não há nada como algumas decisões de verdade para agitar as coisas novamente.