Por: Cesar Sanson | 17 Outubro 2014
O rodízio é algo necessário que já devia ter começado há muito tempo. A afirmação é do presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sintaema) do Estado de São Paulo, Rene Vicente dos Santos. Segundo ele, atualmente existe um rodízio disfarçado. “O que nós temos que discutir é um rodízio oficial”, afirma.
“O governo de São Paulo, devido à questão eleitoral, segurou o que pôde e ainda vai segurar, mas pelo que nós estamos vendo, logo mais vai vir uma pressão grande, ele vai acabar assumindo”, afirma.
O sindicalista acredita que essa medida tem que ser tomada, nem que seja por intervenção do Ministério Público, uma vez que o governo não assume suas responsabilidades.
Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, 16-10-2014, o sindicalista culpa o governo pela atual crise hídrica. “Na nossa opinião, faltou investimento ao longo desses últimos 20 anos, investimentos de busca de água, de reserva de outros mananciais”.
Eis a entrevista.
São Paulo vive hoje uma crise do sistema hídrico. A partir de quando o Sintaema tomou conhecimento dessa realidade e da possibilidade de faltar água em São Paulo?
Em outubro, novembro do ano passado já se apontava uma escassez hídrica que ia afetar a região metropolitana. A partir daquele momento, já deveria ter sido colocado em pauta por parte do governo do Estado e da empresa a necessidade de um racionamento. Fazer algum programa, um debate maior com a população na questão de economizar, de se consumir menos água, coisa que não foi feita.
Você acha que o Sintaema tem algum papel nesse tipo de discussão? Vocês têm feito alguma coisa para que isso aconteça?
Acho que pela experiência que temos junto a classe trabalhadora do setor de saneamento, teríamos muito a contribuir no diálogo com os trabalhadores e com a empresa, com a população. Acho que o Sintaema é um instrumento de interface nesse diálogo, propositivo, de fazer o debate. E é um debate que tem que ser feito e não é a curto prazo. Qualquer uma das soluções que sejam apontadas, nenhuma é pra amanhã. É uma solução que tem que ter investimento a longos anos, tem a questão da economia de água, do uso racional, a busca em outros mananciais para o abastecimento da região metropolitana. É uma discussão profunda que envolve a sociedade de maneira geral, as entidades representativas, as empresas e os entes federais que são o governo federal, estadual e municipal. Todos têm que debater porque é um problema que transcende as fronteiras geográficas dos municípios e do estado.
E existe alguém ou algo que você responsabiliza referente a essa crise no abastecimento?
Na nossa opinião faltou investimento ao longo desses últimos 20 anos, investimentos de busca de água, de reserva de outros mananciais. Temos o problema da devastação das matas ciliares e enormes plantações de eucaliptos em torno dos reservatórios que ajudam nessa seca. Sabemos que o eucalipto é um grande consumidor de água. Também faltou investimento por parte do governo na questão do assoreamento das represas. Se você consegue aprofundar o leito das represas – e isso tem que ser um investimento constante – você tem uma capacidade de reservação maior. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) tem investido, mas os investimentos são feitos na área de ampliação e captação de recursos, que é a cobrança de água e tratamento de esgoto. Ela tem ampliado cada vez mais, mas é no sentido de levar o hidrômetro para a casa dos moradores, de levar o sistema de coleta de esgoto para poder cobrar. Os investimentos feitos são dentro dessa lógica de rentabilidade que a empresa vive hoje.
Na última campanha eleitoral que reelegeu Geraldo Alckmin como governador do Estado, ele disse que não ia ter racionamento de água em SP. Você acredita nessa possibilidade?
O governo e a empresa vêm insistindo nessa tecla. O rodízio é algo necessário que já devia ter começado há muito tempo. Há meses deveria ter sido implantado um rodízio oficial, não da maneira como a Sabesp vem fazendo, que é diminuindo a pressão nas redes à noite. Isso é também uma situação que tem que ser feita porque você diminui a pressão, os vazamentos e a demanda. Você tem uma economia em escala, mas o que nós defendemos é o rodízio aberto e um debate com a população de que é necessário racionar, porque da maneira que o governo do Estado está atuando corre o risco de secarmos, literalmente, o sistema Cantareira, que abastece 9,5 milhões de habitantes. O governo de São Paulo, devido à questão eleitoral, segurou o que pôde e ainda vai segurar, mas pelo que nós estamos vendo, logo mais vai vir uma pressão grande, ele vai acabar assumindo e jogando a culpa do rodízio no Ministério Público, em ações públicas civis, para poder tirar a responsabilidade que ele deveria ter frente a esse problema.
Numa entrevista que o Laércio Benko [presidente da CPI da Sabesp] deu para a TVT ele disse que a Sabesp tem feito, sim, racionamento, só que o disfarça usando o nome de “diminuição da pressão”. Qual a diferença entre esses dois termos?
Na verdade é algo que deve ser feito mesmo, é inegável porque se você mantém a pressão na rede à noite com um consumo baixo o que acontece? Aumenta a pressão na rede e por consequência aumenta o desperdício de água através de vazamentos – que hoje está em torno de 25% do que é produzido. É um processo que a Sabesp deveria assumir. Na verdade, é um rodízio disfarçado e o que nós temos que discutir é um rodízio oficial. Tem que cortar a água e tem que fazer o debate com a população, não tem outra saída. A população foi educada dentro de uma lógica de que nunca iria faltar água, que a água é um bem infinito. Tem um sentimento que permeia a sociedade que é o seguinte: eu pago, eu faço o que eu quiser. E não é assim. Se nós não agirmos e não pensarmos coletivamente, vai sobrar pra todo mundo. Então tem que ser feito o rodízio oficial, até durante o dia se for preciso. A Sabesp deveria apresentar um plano de contingência, de abastecimento de escolas, hospitais. Tem que fazer esse debate com a população e o rodízio deve ser aplicado.
E como seria esse rodízio? Explica um pouco.
Seria você parar um tempo do dia, como teve em outros momentos. Você fica 10 horas sem abastecimento, depois volta. Tem que ter um rodízio programado, avisando a população que em determinados bairros da Zona Norte, por exemplo, vai faltar água das 7 da manhã às 7 da noite e depois no outro dia na Zona Sul nos mesmos horários. Programar e mostrar para a população os horários em que faltará água, para segurar a demanda, que é o meio mais eficaz de manter os reservatórios minimamente abastecidos para que não venham a secar literalmente. Quanto mais você retira do Sistema e mais ele seca, mais tempo demora para se repor.
Sobre a ação civil pública que você falou, que pede a revisão imediata da retirada da água do Sistema Cantareira, por que você acha que chegou a esse ponto?
Sinceramente, acho que eles estão enxergando. Quem esteve visitando o Sistema Cantareira viu que se continuar nessa onda – e eles estão apostando na chuva que não está vindo – é inegável o fator da escassez hídrica. As chuvas quando caem não caem onde deveriam cair que é na cabeceira do rio. Então o que acontece? Com esse cenário, eles entraram com ação e estão tentando brecar a retirada de água, porque do jeito que está vai secar o reservatório e isso vai causar um dano enorme para a população a longo prazo. Então a ideia é o quê? Segura agora, entra com a ação. Porque na verdade, na hora que o governo vir que não tem jeito, ele vai ter que decretar o rodízio, porque água não tem. Mesmo que através do debate apontem soluções, não virão do dia pra noite ou de uma semana pra outra. Tem que torcer muito para chover também.
Eles estão agindo de uma maneira que vai ter que, uma hora ou outra, discutir a necessidade do racionamento da água, porque senão isso daí vai ser uma reação em cadeia que vai começar a afetar outros sistemas, como o Alto Tietê, o Rio Claro, o Riacho Grande, Guarapiranga. Para abastecer uma região, como o sistema é integrado, eles acabam desviando mais água de outras regiões, como eles estão fazendo agora com o Sistema Alto Tietê. Porque está tirando um pouco mais desse Sistema para suprir a demanda da região central. Então é algo necessário que tem que ser feito, nem que seja por intervenção do Ministério Público, uma vez que o governo não assume suas responsabilidades.
De acordo com um dos promotores do Ministério Público que moveu a ação, a Sabesp sabia desde 2011 da possibilidade de faltar água e, em 2013, vários órgãos estavam sendo alertados de que isso poderia acontecer. Qual você avalia que seria a responsabilidade da Sabesp nesse caso?
Tem alguns estudos que apontavam para uma escassez hídrica muito grande nesse período. Mas a Sabesp apostou no imprevisível, que a chuva viria, a verdade é essa. Devido à falta de investimento também, que não foram feitos, ela teve que assumir uma posição e manter até o fim. Diante de um cenário de eleição, em momento nenhum ela poderia assumir essa possibilidade de falta, tanto é que o governador insiste na tese de que não vai faltar água. Quem visitou o reservatório do Sistema Cantareira viu que a história é outra. Você vai lá e aquilo está virando um deserto. Um deserto próximo à região metropolitana. Diante desse cenário, já deveria ter começado fazer investimento e apontado, se não para resolver, para amenizar a situação que vivemos hoje.
Como garantir o abastecimento se essas previsões de chuva para os próximos dias não se concretizarem ou se não chover o suficiente para abastecer os reservatórios?
Na verdade, não tem como garantir. É por isso que nós achamos que é necessário, antes de mais nada, precaução. O rodízio vem nesse sentido de você consumir o mínimo possível diante dessa crise. A Sabesp tem um sistema integrado de abastecimento que envolve os reservatórios em torno da região metropolitana, ela consegue fazer manobras e enviar água de reservatórios como Billing, Guarapiranga, Alto Tietê, fazendo com que o essencial seja mantido. Ela consegue, através dessa integração, manter o abastecimento, mas como eu disse, se você começa a tirar mais do que vem sendo reposto em outros reservatórios, vira a reação em cadeia. Então, se a chuva não vier, vai faltar água. A população também tem que se preparar para esse cenário ruim. Tem que ser feito esse debate franco e aberto com a população.
Você tem alguma consideração que gostaria de fazer?
Hoje a Sabesp é também uma empresa pública de abastecimento, só que ela vem atuando em bolsas de valores e mercado de ações. Nesse momento, se expõe a contradição de uma empresa que tem que levar saneamento e saúde à população, universalizar a captação e o tratamento de esgoto, universalizar o abastecimento de água potável e conscientizar a população de consumir de maneira racional. Ao mesmo tempo, ela trabalha com bolsa de valores e mercado de ações. Nós sabemos que no mercado de ações, para você ter lucro, você tem que vender e incentivar o consumo da sua mercadoria. Quanto mais consumir, mais lucro vai ter a empresa, mais lucros vão ter os acionistas. Então nesse momento também se expõe a contrariedade que ela está vivenciando por ter ações em bolsas de valores e mercado de ações. Acho que esse é um ponto fundamental que deve ser explorado nesse debate.
Foto: Alesp
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“Na hora que o governo de SP vir que não tem jeito, vai ter que decretar o rodízio, porque água não tem” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU