14 Outubro 2014
Ilustração sobre possíveis efeitos do terremoto no Amazonas em pintura da artista Marlene Costa |
Um terremoto na Amazônia devastou há mais de 300 anos uma grande área na margem esquerda do rio Amazonas, a aproximadamente 45 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas. Fortes ondas no rio Amazonas alteraram o sentido da corrente de um de seus afluentes, o rio Urubu, e inundaram aldeias indígenas à semelhança de um tsunami de pequeno porte.
A entrevista é de Elaíze Farias, publicada pela Amazônia.org, 10-10-2014.
Relatado no diário do padre Samuel Fritz (1654-1725), que atuou na Amazônia durante 40 anos catequizando os índios, o terremoto de 1690 é atestado cientificamente pela primeira vez, com base em estudos sismológicos do pesquisador do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB), Alberto Veloso.
O estudo foi publicado recentemente na revista da Academia Brasileira de Ciências, em versão em inglês.
Em entrevista exclusiva concedida à agência Amazônia Real sobre sua pesquisa, Alberto Veloso diz que, após seus estudos, o terremoto de 1690 já pode ser considerado como o maior do Brasil. Ele estima que a magnitude do terremoto foi de 7 na escala Richter, sendo sentido a mais de mil quilômetros de seu epicentro, localizado na margem esquerda do rio Amazonas, a cerca de 45 quilômetros de Manaus, que na época era um ajuntamento de cabanas cobertas de palhas.
Alberto Veloso afirma em seu estudo que o Brasil não está imune a sismos fortes e potencialmente danosos. “Tremores parecidos poderão repetir-se, não somente na Amazônia, como em qualquer outra região brasileira”, disse o pesquisador.
Segundo Veloso, caso ocorra um novo tremor desta magnitude, os danos na região do epicentro serão generalizados. “Estruturas bem edificadas poderão sofrer estragos profundos e até colapsos parciais. Construções frágeis desabarão por completo, outras serão deslocadas de suas fundações, barragens de pequeno porte poderão romper, assim como tubulações subterrâneas facilitando a propagação de incêndios. Certamente haverá pânico, serviços básicos serão interrompidos. Pessoas cairão pelo chão, muita poeira se elevará dos desabamentos que fatalmente atingirão moradores e o número de mortos poderá ser elevado. Com menor intensidade isto poderá se repetir em localidades a dezenas de quilômetros do epicentro”, afirma.
Os dois maiores sismos registrados no Brasil foram 6.2 e 6.1 na escala Ritcher, respectivamente no Mato Grosso e a 360 km da costa, frente ao Espírito Santo. Nenhum deles ocasionou danos sérios porque um dos epicentros estava em área desabitada e o outro no mar, distante do litoral povoado, disse Veloso.
Para Alberto Veloso, não é incomum sismos fortes com epicentro no Peru serem sentidos na Amazônia, particularmente em Cruzeiro do Sul e Rio Branco (Acre) e, as vezes, Manaus.
Comparação entre as áreas estimadas de percepção dos abalos de 1690 e de 1955, esse último considerado o maior terremoto registrado no Brasil (31 de janeiro de 1955, no Mato Grosso, com magnitude 6.2) (Fonte UnB). |
José Alberto Veloso ao lado da ilustração sobre possíveis efeitos do terremoto no Amazonas (Pintura de Marlene Costa) |
Professor aposentado da UnB, Alberto Veloso chefiou por quase duas décadas a antiga Estação Sismológica e o Observatório Sismológico, do qual foi o idealizador. Atuou na Organização do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares, da ONU, em Viena, Áustria, onde dirigiu a seção de infrassom, por sete anos. É autor do livro “O terremoto que mexeu o Brasil”, sobre o tremor de magnitude 5.1 no município de João Câmara (RN), ocorrido em 1986.
Eis a entrevista.
De que forma seu estudo confirmou o relato de Samuel Fritz e qual foi sua metodologia?
O relato do padre Samuel Fritz já era conhecido no meio científico desde 1950 e depois foi citado em alguns artigos, inclusive por mim. Em todas essas situações repetia-se um pequeno trecho da narrativa do padre, especulava-se sobre a origem do fenômeno, mas ninguém se detinha para analisar o problema a fundo. E foi justamente isto o que fiz, começando por saber quem era Samuel Fritz, o que havia feito e quão precisas e confiáveis seriam suas narrativas. Após concluir pela veracidade das mesmas – foi um longo estudo – investiguei se o que ele havia descrito poderia ser produto de um terremoto acontecido fora do Brasil. Eliminando tal hipótese procurei dimensionar o evento de 1690 definindo, por exemplo, sua área de percepção e magnitude. Os valores encontrados são aproximados, como em qualquer estudo de sismicidade histórica. Mesmo sendo conservador em minhas considerações, o terremoto se mostrou grande, bem superior aos maiores já acontecidos entre nós. No entanto, ele se encaixa nos aspectos sismo-tectônicos da Amazônia e mostra, como em outros lugares do mundo, que a região intraplaca brasileira também está sujeita a sismos expressivos, embora com grandes períodos recorrência, isto é, demoram algumas centenas de anos para repetirem-se.
Durante quanto tempo o senhor desenvolveu seu estudo e o que lhe motivou a realizar essa pesquisa?
Dediquei boa parte de minha vida ao estudo da sismologia, incluindo o registro de terremotos. Quando me aposentei decidi pesquisar sismos históricos, aqueles que aconteceram antes de existirem estações sismográficas para registrá-los. Percorro o Brasil atrás dessas informações e, às vezes vou ao exterior, também. Já fiz outras boas descobertas, inclusive na Amazônia. A primeira versão do artigo do sismo de 1690 é do final de 2008. Mas não estava satisfeito, pois queria encontrar outra fonte de informação independente daquela de Samuel Fritz.
Fiquei muito feliz quando li os escritos de Felipe Bettendorf, um outro padre jesuíta que também visitou a área epicentral, um ano depois de Fritz, e ainda encontrou índios alarmados com o que havia acontecido. Apesar das informações de Bettendorf serem mais restritas, elas mencionam as agitações das águas dos rios, e isso ainda era desconhecido da comunidade sismológica brasileira.
Como o senhor chegou à conclusão de que o sismo ocorreu na área do que hoje é o rio Urubu.
O epicentro do sismo de 1690 indicado em meu trabalho é impreciso, mas o local escolhido é o mais provável segundo as narrativas dos estragos no terreno e observações a respeito da agitação das águas dos rios. Em vista das incertezas a gente diz que o epicentro é estimado. É difícil, mas não impossível, que se encontre alguma evidência no terreno deixada pelo tremor de 1690. Seriam marcas sutis presentes nas rochas, que, eventualmente poderiam ser encontradas em trabalhos dedicados a tal propósito, os chamados estudos de paleosismicidade. As margens do rio não as mesmas daquela época, mas percorri a suposta área epicentral quando o rio Amazonas estava muito baixo, em novembro de 2010. Nessa rápida inspeção não notei nenhum vestígio do antigo sismo, mas na ocasião o meu propósito era “ver e sentir” o ambiente do qual estava escrevendo.
É comum ocorrer um fenômeno hidrológico na bacia amazônica, que são as chamados “terras caídas”. Elas ocorrem periodicamente, com desbarrancamento que causam o desaparecimento de áreas inteiras depois de atingidas. Qual a diferença entre este fenômeno das “terras caídas” com um terremoto de grande dimensão como este de 1690?
Não considero os estragos vistos por Samuel Fritz, (na suposta área epicentral), como oriundos do fenômeno de terras caídas. A época que por lá passou não era a mais apropriada para tal. Fritz observou danos nas margens do rio por cerca de 20km, mas escreveu que terra adentro os estragos teriam sido bem mais extensos, ou seja, não se limitaram a faixas marginais do Amazonas, como normalmente acontece com as terras caídas. Ademais, com anos de vivência na selva, Fritz tornou-se um arguto observador da natureza e podia distinguir certos fenômenos naturais. Testemunhas situadas a vários quilômetros do “epicentro” ouviram grandes ruídos, perceberam a terra estremecer e notaram as águas dos rios se avolumando de forma incomum. Portanto não se tratou de um fenômeno localizado, mas algo que abrangeu grande extensão geográfica.
Terremotos fortes como o de 1690 podem durar vários segundos e sacudir a terra violentamente. Camadas sedimentares em subsuperfície saturados de água, como as das margens do Amazonas, quando chacoalhadas por terremotos fortes podem perder consistência e agirem como se fossem líquidas. Tudo que está na superfície do terreno é afetado; partes do chão afundam, outras sobem, árvores podem cair e mostrar suas raízes por completo. Pequenos lagos podem surgir e outros desparecerem. Tal fenômeno é chamado de liquefação e é isso que o terremoto de 1690 produziu, segundo minha interpretação.
Quais foram a magnitude e os impactos causados pelo terremoto na região?
Os valores estimados são: magnitude 7. Área de percepção superior a dois milhões de quilômetros quadrados. No epicentro a intensidade sísmica pode ter atingido IX, na escala Mercalli Modificada, escala que vai de I a XII indicando o grau crescente da severidade de um terremoto. Com tais parâmetros o evento de 1690 pode ser considerado como o maior terremoto conhecido no Brasil. O maior até agora registrado foi 6.2, no Mato Grosso, em 31/01/1955.
Por que não se teve mais registros de um terremoto desta magnitude na região próxima de Manaus ou na Amazônia?
Tremores como o de 1690 são extremamente raros em regiões intraplaca como a brasileira. Estima-se que eles ocorram a cada 500 anos, aproximadamente. Os dois maiores sismos próximos de Manaus aconteceram em 14 de dezembro de 1963 e no dia 8 de agosto de 1983 e atingiram magnitudes 5.1 e 5.5, respectivamente – o primeiro foi sentido em Manaus. Há outros sismos menores na região denotando a existência de atividade sísmica significativa no estado do Amazonas.
É possível um tremor desta magnitude voltar a ocorrer na Amazônia brasileira?
A movimentação de placas tectônicas cria tensões na crosta terrestre brasileira que vão crescendo com o passar do tempo e são elas que quebram as rochas e acabam provocando os nossos terremotos. Mas onde esperar sismos como o de 1690? Eles vão acontecer, predominantemente, onde a crosta é mais fragilizada, como nas bacias sedimentares, nas cercanias de grandes intrusões plutônicas e na intersecção de extensas falhas geológicas. Não se sabe exatamente onde aconteceu o tremor de 1690, mas seu epicentro foi relativamente próximo aos dois maiores sismos já registrados no Amazonas, e até poderia ter o mesmo tipo de falhamento inverso daqueles. Se correto, o grande tremor histórico moveu verticalmente um bloco de rochas em profundidade, o suficiente para mexer com as águas do rio Amazonas com energia para reverter a corrente do rio Urubu e provocar enchente em aldeias indígenas. Tal fenômeno, assemelhou-se a ondas de um pequeno tsunami em plena selva amazônica. Em resumo, acredito que a Amazônia é a terra dos grandes terremotos brasileiros.
Os círculos vermelhos no mapa representam os epicentros dos dois maiores tremores registrados no Amazonas, como também o do terremoto de junho de 1690. As duas setas externas representam a direção geral do esforço tectônico na região estudada.(Fonte UnB) |
Mapa mostra anel vermelho que indica o tamanho e localização do tremor no rio Urubu (Fonte UnB) Por: Elaíze Farias |
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Pesquisa atesta que terremoto na Amazônia em 1690 foi o maior do Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU