09 Outubro 2014
De repente, no Sínodo dos Bispos sobre a família de 2014, o "gradualismo", um conceito tanto da teologia moral católica quanto da prática pastoral, que não muito tempo atrás parecia à beira de ser retirado do léxico oficial, está de volta para se vingar.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 08-10-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Houve várias referências até agora a respeito da "lei da gradualidade", mais conhecida pelos teólogos ao longo dos anos como "gradualismo". Sua aparente popularidade pode oferecer uma pista de como as coisas estão evoluindo no debate intensamente vigiado pelos divorciados católicos e novamente casados, mas entender o porquê requer um pouco de contexto.
De certa maneira, o gradualismo nada mais é do que a observação do senso comum onde virtudes como honestidade e coragem não são proposições do tipo tudo ou nada, e que as pessoas se movem em direção a elas por meio de estágios e em diferentes velocidades. Isso implica que só porque a situação atual de alguém fica aquém da perfeição não significa que ela não tem nenhum valor moral, e é muitas vezes melhor encorajar os elementos positivos na vida de alguém do que punir seus defeitos.
Foi, provavelmente, esse senso de gradualismo que o Papa Bento XVI tinha em mente em 2010, quando disse em uma entrevista com um jornalista alemão que se um prostituto utiliza um preservativo para tentar evitar infectar as pessoas com HIV/AIDS, isso pode ser "um primeiro passo em um movimento em direção a uma maneira diferente, uma maneira mais humana de viver a sexualidade".
Bento XVI não estava revogando a oposição da Igreja ao uso de preservativos, mas ele estava dizendo que há momentos que sugerem uma preocupação com os outros que, em si, é louvável.
Onde o gradualismo se torna um ponto de discórdia é quando ele é invocado para justificar uma abordagem permissiva às regras morais.
Por exemplo, alguns teólogos e até alguns bispos, ao longo dos anos, têm utilizado o gradualismo para defender os católicos que praticam o controle de natalidade, argumentando que, embora o ensinamento do Papa Paulo VI, em 1968, na Humanae vitae, reafirme a proibição tradicional, ele representa um ideal, e que pode haver razões válidas para que muitas pessoas não o adotem totalmente no momento.
Para aqueles interessados em defender a tradição, este segundo sentido do gradualismo pode fazê-lo soar como outra palavra para "relativismo", que significa diluir as normas objetivas da moralidade. Pelo mesmo motivo, isso também faz do gradualismo o refúgio favorito dos moderados que aceitam o conteúdo do ensinamento da Igreja, mas que não querem entrar em guerra por causa dele.
O fermento sobre o gradualismo, e as suas implicações, tende a crescer quando a Igreja Católica pondera sobre a moralidade sexual.
A última vez que o Vaticano organizou um Sínodo dos Bispos sobre a família, há quase 35 anos, em 1980, a conversa sobre o gradualismo também pairava no ar. O Papa João Paulo II estava suficientemente preocupado com o que aconteceria com a inclusão de um aviso em uma homilia que pronunciou durante a missa de encerramento do Sínodo, uma linha que, em seguida, ele também colocou no documento final do encontro, Familiaris consortio.
"O que é conhecido como 'a lei da gradualidade'", disse João Paulo, "não pode ser identificado com 'gradualidade da lei'". A essência era a de que há apenas um conjunto de regras para todos, e as regras não vão mudar.
Desde aquela época, o Vaticano tem ocasionalmente circulado em volta do tema. Quando o Conselho Pontifício para a Família lançou um guia para os sacerdotes que ouvem confissões sobre questões que têm a ver com a vida de casado, em 1997, ele advertiu que a "lei da gradualidade" não deve induzir sacerdotes a enviar um sinal de que o pecado não é mais pecado.
Especialmente nesse contexto, é surpreendente como, muitas vezes, a "lei da gradualidade" já veio à tona na edição de 2014 do Sínodo.
Em seu discurso de abertura na segunda-feira, o cardeal Péter Erdö, da Hungria, argumentou que a Humanae vitae deve ser lida à luz da gradualidade. Em uma sessão com os repórteres da Rádio Vaticano na noite de ontem, o cardeal Reinhard Marx, de Munique, invocou a gradualidade como uma chave para ajudar a Igreja a desenvolver uma nova forma de falar sobre sexo.
Em uma coletiva de imprensa para os repórteres na terça-feira, um porta-voz do Vaticano descreveu a gradualidade como um dos temas emergentes do sínodo e o cardeal Vincent Nichols do Reino Unido disse que a ideia de gradualidade "permite que as pessoas, todos nós, demos um passo de cada vez na busca da santidade em nossas vidas".
Aqui está o porquê da importância do vocabulário: todo mundo sabe que a questão mais quente neste Sínodo é a questão da possibilidade dos divorciados e católicos recasados civilmente receberem a comunhão. Os moderados apoiam que a mudança precisa encontrar uma maneira de ser justificada que não pareça pôr em causa o princípio de que o casamento é para toda a vida.
"A lei da gradualidade" poderia ser uma maneira de solucionar a questão, e, portanto, as referências a ela poderiam ser entendidas como uma mostra de força inicial para a posição moderada.
Também é, talvez, um indicativo de como as coisas mudaram com o Papa Francisco já que os bispos se sentem liberados a usar a frase sem uma carga de qualificação, dado o tom de aumentada desaprovação da maioria das declarações do Vaticano sobre ele no passado recente.
Em outras palavras, o retorno repentino do gradualismo pode ser uma parte central do enredo sobre o Sínodo 2014.
Veja também:
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A reviravolta chave do Sínodo: o retorno repentino do gradualismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU