Por: Caroline | 24 Junho 2014
A onda de menores sem documentos coloca em evidência a falta de uma política migratória. Os Estados Unidos mantêm milhares de crianças alojadas em ambientes superlotados e sem uma alimentação adequada.
A reportagem é de Gustavo Veiga, publicada pelo jornal Página/12, 23-06-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/OM5kTU |
Nos Estados Unidos mencionam-se duas palavras para definir a crise humanitária que desencadeou uma onda de menores sem documentos que ingressaram no país: desastre e tragédia. São 46.188 crianças e adolescentes que cruzaram a fronteira sul entre outubro de 2013 e maio deste ano, vindos da América Central. Não é a primeira vez que ocorre, mas sim a primeira na qual o governo de Obama se vê sobrecarregado pelo problema. A tal ponto que mantém alojados milhares destes pequenos migrantes em condições de superlotação, sem uma alimentação adequada e em locais como centros de refugiados e bases militares.
A situação é tão crítica que o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, viajou para a Guatemala, na sexta-feira passada, onde se reuniu com o presidente local, Otto Pérez Molina, seu colega Salvador Sánchez Cerén, de El Salvador, e funcionários de Honduras e México. São dos três primeiros países a maioria dos menores atingidos. De todos esses países há crianças e adolescentes que vão para os Estados Unidos para buscar seus pais, também sem documentos, ou buscando fugir da violência e da miséria.
Biden disse: “Nós reconhecemos que esta situação não é sustentável, é inaceitável e temos uma responsabilidade compartilhada em tomar atitudes significativas para poder abordar este tema”. Citado pelo jornal guatemalteco La Hora, acrescentou que “é um problema compartilhado principalmente entre os Estados Unidos, México e toda esta região”.
As imagens que tomaram a mídia daqueles que adentraram os centros de Brownsville (Texas) e Nogales (Arizona) amplificaram a dimensão do conflito migratório. Milhares de crianças que dormem no chão, envoltos em cobertores de alumínio, assemelhando-se a aviários iluminados por tubos florescentes, os menores descansam uns sobre os outros. Também é possível ver bebês com suas mães, banheiros químicos, integrantes das patrulhas fronteiriças e muitos adolescentes desacompanhados. Esse é o principal problema, pois viajam sem a companhia de um responsável ou com irmãos menores de idade para os Estados Unidos, e agora a grande maioria espera pela deportação.
Biden assinalou após a reunião com Pérez Molina que “as crianças serão tratadas humanamente e com justiça em nosso país antes de serem devolvidas para a Guatemala, tal qual gostaríamos que fossem tratados nossas crianças”. A União Americana de Liberdades Civis do Arizona (ACLU), uma ativa ONG que denuncia os atropelos contra os imigrantes em processos de deportação, desmentiu ao vice-presidente dos EUA: “Registramos a forma terrível de como os menores estão sendo abusados sexual e fisicamente, com agressões verbais; não lhes dão tratamento médico e obviamente as crianças estão sob condições terríveis e não humanas. É um problema que temos registrado por anos”, explicou Alessandra Soler, diretora executiva da ACLU.
“Havia, por exemplo, uma menina de 16 anos com um bebê de 02, e não queriam permitir que ela desse leite ao menino. Outra menina sofria com ataque asmático e não era atendida”, acrescentou a representante da ONG em declarações publicadas pelo jornal Prensa Libre, da Guatemala. Onze mil crianças detidas nos EUA são oriundas daquele país.
Honduras é outra das nações mais afetadas pela migração de seus menores sem documentos. A embaixada estadunidense em Tegucigalpa, Lisa Kubiske, distante de apontar uma solução civilizadora, declarou: “Não têm status legal para ficarem nos Estados Unidos. E ponto. Não importa se são crianças ou adultos, serão deportados”. A diplomata também lamentou que o presidente hondurenho, Juan Orlando Hernández, não tenha se reunido com Biden na Guatemala para tratar do conflito migratório. O presidente está assistindo ao Mundial de Futebol no Brasil. Contudo, pelo menos falou por telefone com o vice norte-americano. Em uma visita recente a Washington, Hernández havia definido aos pequenos migrantes como “deslocados pela guerra” e disse que os EUA “têm que fazer mais”.
O consulado de El Salvador em Tucson, Arizona, revelou que nessa cidade havia 1.154 menores sem documentos, dos quais 379 eram desse país. Em um comunicado, a chanceler salvadorenha assinalou: “Fizemos o mais firme chamado para os meninos, meninas e adolescentes, independente de sua situação migratória, pois são sujeitos de direitos e todos os Estados devem assegurar seu bem-estar, cuidado, segurança e proteção em todo momento, sem distinção alguma. A vice-ministra para salvadorenhos no exterior, Liduvina Magarín, constatou que em ao menos um centro de recepção, os menores “estão em uma condição deprimente e de total falta de espaço, higiene e alimentos. É no Centro McAllen da Patrulha Fronteiriça”.
As estatísticas indicam que o problema se agrava com o passar dos anos. Principalmente, nos locais orientados pelo senador de origem cubana Ted Cruz, um republicano da ala mais direitista do partido que questiona Obama por suposta permissividade.
“Em 2011, havia aproximadamente 07 mil menores não acompanhados que foram detidos. Em 2012, esse número aumentou para 14 mil. Em 2013, elevou-se para 24 mil. E em 2014, calcula-se que chegarão a 90 mil, e em 2015, o governo está estimando que irá subir até chegar a 154 mil”, descreveu Cruz, de 43 anos e um possível candidato a presidência em 2016. Nos Estados Unidos já o comparam com Joseph McCarthy, o senador republicado que fez escola com seu anticomunismo nos anos 50. Robert Menéndez, outro senador de origem cubana, embora parte do Partido Democrata, falou em “tragédia”. E propôs atacar o problema em várias frentes, não excluindo a da segurança nacional.
Os menores capturados na fronteira – estima-se que por dia aproximadamente 400 tentam entrar nos EUA – geralmente são detidos por 72 horas em centros como os de Brownsville e Nogales (foto). Muitos deles, com o vencimento desse prazo, são enviados para bases militares na Califórnia, Oklahoma e Texas. E 60% acabam deportados, de acordo com a ONG Crianças que Necessitam de Defesa (KIND). O México, por onde necessariamente devem passar os menores sem documentos, também deporta: 8.577 foram expulsos do país em 2013. Nos primeiros quatro meses deste ano, os Estados Unidos tomaram uma medida semelhante com as crianças mexicanas. Rejeitaram cerca de seis mil.
É um círculo vicioso, que relatou de maneira acentuada o escritor hondurenho Roberto Quesada, um especialista em temas migratórios e autor do livro “Nunca entres por Miami”: “Os Estados Unidos devem lembrar que a América Latina não é o Afeganistão, nem o Iraque, nem esses países distantes aonde vai para promover o caos, mas sim vizinhos inevitáveis, e frente a catástrofe local, o destino se chama Estados Unidos. Se continuarem patrocinando e respaldando a antidemocracia, as fraudes eleitorais, a impunidade, irão abrir espaços que massivamente se moverão dos centro-americanos para os Estados Unidos”.
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O drama das crianças que cruzam os EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU