Por: Jonas | 14 Mai 2014
Imigração, nacionalismo, críticas massivas ao modelo da União [Europeia] e sua gestão marcam uma eleição que pode aumentar o poder daqueles que sonham em restaurar muitas das heranças sombrias do passado.
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada por Página/12, 11-05-2014. A tradução é do Cepat.
Fronteiras, imigração, eurofobia, partidos social-democratas em plena mudança liberal, sacudida à extrema direita, medos e rejeição das diretrizes da Comissão Europeia. As eleições europeias que ocorrerão, entre os dias 22 e 25 de maio próximos, tem um ar de muitas incertezas. Na França, uma pesquisa publicada na primeira semana de maio oferece uma prova clara da desconfiança instaurada entre os cidadãos e o projeto da comunidade europeia. Somente 51% dos franceses são favoráveis à integração da França na União Europeia. Dez anos atrás, a porcentagem era de 67%. Em termos de correntes políticas, os que são entusiasmados com a Europa estão no Partido Socialista, os centristas do Modem e a direita da UMP. Por outro lado, os eurofóbicos são maioria nos setores à esquerda da esquerda e na extrema direita da Frente Nacional, sendo que 80% de seus eleitores consideram ruim a integração da França na União Europeia. Desde meados de 2013, as hostilidades contra a ortodoxia liberal de Bruxelas e as políticas nacionais aplicadas em seu nome deram lugar a um transtorno profundo das geometrias eleitorais. A Europa comparece às urnas com dois adversários do projeto: o primeiro, identificado há décadas: a extrema direita, o outro, mais recente: os contrários às políticas de austeridade.
Na Alemanha, o partido contrário à zona do euro, AFD (Alternativa para Alemanha), há vários meses passa por um notável avanço, o mesmo ocorre com a extrema direita austríaca do FPÖ, Partido pela Liberdade, com os eurofóbicos do britânico Nigel Farage, os ultra-húngaros do Jobbik e as extremas direitas escandinavas. Assim como na França, com a extrema direita da Frente Nacional, a formação de Farage, o UKIP, lidera as pesquisas de intenções de voto para as eleições europeias. Em 2014, foram se somando novos ingredientes ao coquetel de eleitores que antes marcavam a consulta europeia: ao tradicional voto anti-imigração ou anti-Bruxelas, adveio uma nova categoria de eleitores que fez crescer a onda de eurocéticos: os que são contra a Alemanha e a troika: Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão de Bruxelas. O compasso repetido de planos de austeridade, ditados pelos imperativos orçamentários da Comissão Europeia, aumentou a oposição ao projeto de construção europeia da forma como está concebido hoje, ou seja, liberal e antissocial. A pesquisa realizada na França volta a ser decisiva para entender os sentimentos temerosos que desperta agora o que, há uma década, era um sonho: 70% dos entrevistados diz temer as consequências econômicas e sociais derivadas do projeto europeu, 63% teme que se sacrifique a proteção social em nome da Europa, 60% tem medo de que a Europa signifique mais imigração e 52% que a identidade nacional se dissolva. Um dado eleitoral também funciona como ponte entre a alta porcentagem de eurocéticos e a desconfiança que inspira a Comissão Europeia. Durante as eleições municipais realizadas em Portugal, em setembro de 2013, o PSD, partido governista de centro-direita, que executou um dos mais fortes planos de austeridade conhecido pelo Velho Continente, foi punido duramente nas urnas em benefício da oposição socialista. Na França, após dois anos no poder e de uma série de ajustes de corte liberal, o PS sofreu também uma das piores derrotas de sua história nas eleições municipais de abril. Sendo assim, cada partido cujo programa se vê associado às políticas neoliberais ou aos programas de austeridade teledirigidos, a partir de Berlim ou Bruxelas, paga o preço nas urnas.
Há uma espécie de dupla rebelião: a primeira é a dos já conhecidos movimentos de extrema-direita e de suas plataformas neonacionalistas, que promovem a saída do euro e a restauração das fronteiras; a segunda é a dos indignados com a austeridade. A Europa é, em seu conjunto, uma espécie de caixa onde se expia todos os males e as responsabilidades locais. Todo mundo atinge a Velha Europa: os reacionários da direita, a esquerda da esquerda, a direita e, em menor medida, a social-democracia. A Europa é culpada de quase tudo. Alain Lamassoure, eurodeputado francês do Partido Popular Europeu (direita), esmiúça com acerto essa contradição: “Desde a crise da dívida, os países do Sul estão persuadidos de que Berlim tem a culpa pelo que lhes ocorre, ao passo que os países do Norte estimam que a culpa seja de Bruxelas, que precisa dar dinheiro aos do Sul”. Dessa forma, o projeto europeu aparece estagnado, sem outra direção mais profunda que não seja as políticas liberais. Christophe Barbier, diretor da redação do semanário de direita liberal L’Express, explica: “A União está podre da cabeça. E se não tem nem estratégia monetária, nem ambição industrial, nem programa social, nem harmonia orçamentária, nem eficácia diplomática, nem existência militar, nem sonho cultural, nem projeto educativo, deve-se ao fato de que sua governabilidade é ruim, ao fato de que os tratados (europeus) inventaram uma aberração: o poder impotente”.
Quase todo o discurso que circula é escatológico. Muitas vezes, não lhe falta razão. O grande projeto cultural, o grande sonho, ficou sepultado sob a mecânica da união monetária (o euro), os ditames do Banco Central Europeu e o remédio maior que consiste no controle dos déficits públicos (máximo 3% do PIB) em detrimento de um projeto social. Ninguém propõe uma alternativa que não seja a do duplo medo: de que a Europa seja promovida como uma ameaça, e o medo daqueles que argumentam que sem a Europa não há outra coisa a não ser o abismo. Em uma coluna publicada pelo vespertino Le Monde, o presidente francês, François Hollande, escreveu: “Sair da Europa é sair da história”. Para o chefe de Estado, abandonar o euro equivale a “cair na armadilha da decadência nacional”. Outra vez o medo. Anni Podimata, vice-presidente do Parlamento Europeu (partido grego Pasok) reconhece que “o projeto europeu se encontra diante de um grande perigo. O sentimento antieuropeu se agrava cada vez mais”.
Na realidade, a verdade é bem mais complexa e ambígua. Mais do que sentimento há reivindicações verdadeiras. Em grande medida, os cidadãos reprovam os dirigentes europeus por se ocupar mais dos bancos do que deles, assim como por deixar envolver em uma interminável tecnocracia ou estar submetidos aos grupos de pressão. Como demonstram as sucessivas pesquisas, que são feitas regularmente em escala continental, o ideal europeu não morreu, mas, sim, a confiança naqueles que detém os destinos da Europa. Existe, de fato, a suspeita de que uma espécie de tecno-oligarquia europeia opere contra as democracias que compõem a União e, por conseguinte, contra os povos. No entanto, o exercício eleitoral é altamente democrático e paradoxal. Cerca de 380 milhões de pessoas escolhem um Parlamento cujos poderes foram sendo reforçados com os anos. Ou seja, também elegem uma enorme contradição. Uma pesquisa de opinião, solicitada pelo Parlamento Europeu à organização independente Vote Watch Europe, mostra que são os partidos eurocéticos ou eurofóbicos, que se manifestam radicalmente contra a UE, que serão os grandes vencedores da consulta europeia. Os eleitores identificam os que estão no governo como os responsáveis pela estagnação, ou seja, a direita do Partido Popular europeu, social-democratas do SD e os liberais. Se estas previsões se cumprirem, o perigo que se está correndo é significativo. No caso das extremas direitas e os eurofóbicos confirmarem nas urnas as porcentagens das pesquisas, haverá enormes dificuldades para se avançar nas políticas comuns. A extrema direita europeia pode duplicar seu número de deputados. Com 150 eurodeputados, estaria em condições de derrubar qualquer projeto de integração.
Imigração, nacionalismo, críticas massivas ao modelo da União e sua gestão marcam uma eleição que pode aumentar o poder daqueles que sonham em restaurar muitas das heranças sombrias do passado.
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Crise e rebelião antes da eleição na Europa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU