06 Mai 2014
É um desafio para nós reconhecer a desigualdade de todos e criar condições que refletem um compromisso total com a dignidade humana.
A maioria das formas de injustiça social – talvez todas elas – possui uma origem comum: a rejeição da igualdade humana e a influência desta rejeição nas relações humanas e instituições.
O comentário é de Robert Christian, editor do site Millennial.com e doutorando em Política, na Universidade Católica da América e membro da organização Democrats For Life of America, publicado pela revista Time, 02-05-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
As pessoas humanas são, fundamentalmente, iguais em seu valor e dignidade. O valor de uma pessoa não depende da linhagem da qual provém, ou de como ela se enquadra num esquema utópico, de quanto produz ou consome, nem de seu grau de autonomia e independência, de sua raça, inteligência, idade, religião, etnia, gênero, orientação sexual, e tampouco de seu status socioeconômico. O valor humano é inato e não pode ser perdido. Ele é igual em todas as pessoas.
Esta é uma noção radical. Ela não pode ser conciliada com o pensamento utilitarista. Tal noção entra em conflito com os desejos de muitas pessoas poderosas. Ela parece um absurdo caso o sujeito seja um materialista convicto. Ela não se baseia na capacidade de a pessoa sentir dor ou de se engajar no pensamento crítico, nem em algum outro padrão variável.
Esta crença na dignidade humana está enraizada no reconhecimento de que cada pessoa é feita à imagem de Deus. Cada um é um filho amado de Deus. Toda a pessoa é chamada à comunhão com Deus e com os demais.
Quando se reconhece esta verdade objetiva, o mal da desigualdade – de rejeitar o valor igual de todos e o tratamento que necessariamente corresponde a este reconhecimento – pode ser visto como o fundamento verdadeiro da injustiça social. Este reconhecimento define como vemos nossas relações com os outros e as estruturas sociais que existem (e que têm a capacidade tanto de promover o florescimento humano quanto a de perpetuar a injustiça). Ao se reconhecer esta verdade, acaba-se vendo que os males sociais têm origem na rejeição da igualdade.
Uma crença na igualdade humana leva a se reconhecer a obscenidade das pessoas que passam fome enquanto outras vivem em excesso. A partir dela consegue-se ver o mal nos seres humanos que são usados como objetos sexuais para saciar os impulsos individuais animalescos. Ocorrem e se multiplicam o orgulho, a luxúria, a inveja e outros pecados quando a igualdade é negada.
É aqui que acontecem as formas de se justificar “racionalmente” o uso de crianças como escudos humanos, terminando com a vida do próprio filho, permanecendo indiferente em relação aos que dormem nas ruas e vivem na extrema pobreza. As pessoas se tornam escravizadas, outras são estupradas, assassinadas, perseguidas e se encontram sujeitas a inúmeras outras formas de desumanização e despersonalização quando o igualdade fundamental de todos é negada.
E esta desigualdade e injustiça promove o maior dos males. As altas taxas de pobreza podem resultar em altos índices de crimes. A repressão e violência pode produzir ciclos intermináveis de conflitos. Tal como escreveu o Papa Francisco: “assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça”.
Seria isso o que o Papa Francisco tinha em mente quando tuitou que “a desigualdade é a raiz dos males sociais”, ou estaria ele mais centrado nos impactos específicos da desigualdade econômica?
Diferentemente de um considerável número de críticos (incluindo os que fingem não ser críticos), penso que o papa está sendo, quase sempre, bastante claro em suas mensagens. Fico feliz que a indústria do “o que o papa realmente quis dizer” esteja desaparecendo. Há, porém, uma leve ambiguidade no tuíte. Trata-se apenas de desigualdade econômica? Se sim, o tuíte ignora outras fontes possíveis da injustiça e dos males sociais? Será que está descartada a possibilidade de que algum nível de desigualdade econômica é inevitável e desejável, caso preferirmos não viver sob o comunismo de um regime totalitário?
Em última análise, isso não é particularmente importante, já que o Papa Francisco acredita nesta compreensão personalista da igualdade humana (daí sua oposição a uma “cultura do desperdício”) e, como seus predecessores, reconhece a atual realidade da desigualdade bruta econômica – tanto além das fronteiras quanto dentro dos próprios países (o que certamente inclui os EUA) – como um sério obstáculo à justiça social e ao bem comum. É um erro centrar-se na semântica em vez de se olhar para a mensagem principal.
No documento “Evangelii Gaudium”, o pontífice usa uma linguagem que é bastante semelhante à empregada em seu tuíte dentro do contexto econômico, ao dizer: “A desigualdade é a raiz de todos os males sociais”. E ele não está pensando em um hipotético livre mercado utópico, mas no estado do mundo atual. Condena a mentalidade libertária que enfatiza muito a autonomia e o individualismo e pede pela criação de estruturas sociais e políticas mais justas que abordem as causas estruturais da pobreza. Ele é explícito em sua rejeição da abordagem que se baseia demasiadamente nos livres mercados: “Não podemos mais confiar nas forças cegas e na mão invisível do mercado”.
Nada disso é novo na Doutrina Social Católica. O Papa Paulo VI condenava as “desigualdade flagrantes” tanto no gozo dos bens quanto no exercício do poder. No documento “Caritas in Veritate”, o Papa Bento XVI escreve: “A dignidade da pessoa e as exigências da justiça requerem, sobretudo hoje, que as opções econômicas não façam aumentar, de forma excessiva e moralmente inaceitável, as diferenças de riqueza”.
O tuíte do Papa Francisco deveria desafiar a todos ao longo do espectro político e ideológico. Ele nos desafia a reconhecermos, por completo, a igualdade de todos e criarmos condições que reflitam um compromisso total com a dignidade humana. Ele deveria, sobretudo, nos desafiar a confrontar a injustiça e a desigualdade econômica em nossa sociedade e no mundo. Embora o desafio possa ser maior aos conservadores e libertários que abraçam o libertarianismo econômico, os liberais e comunitaristas devem desejar abandonar fórmulas obsoletas e buscar estratégias inovadoras que assegurem que cada indivíduo tenha acesso àqueles elementos necessários para o florescimento humano.
Será a desigualdade econômica “a” raiz dos males sociais? Será o amor pelo dinheiro “a” raiz de todo o mal? Esta linguagem pesada não é uma afirmação empírica a ser tomada literalmente ou analisada do ponto de vista científico, mas um chamado para despertarmos, para abrirmos nossos olhos à gravidade da ameaça que a desigualdade econômica e a injustiça representam à dignidade humana e ao bem comum. Estaremos sendo sábios ao responder a este chamado com a ação, em vez de nos fixarmos no fraseado dos tuites do papa.
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Tuíte do Papa Francisco sobre a desigualdade: um chamado a despertar para a ação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU