25 Abril 2014
Nos últimos anos a Conferência dos Bispos Católicos dos EUA se focou, de forma mais acentuada, na luta contra a medida governamental controversa dos métodos contraceptivos e na luta contra a legislação em favor dos casamentos homoafetivos, questões que se alinham às ideias do Partido Republicano.
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada por National Catholic Reporter, 22-04-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Por duas vezes os bispos mobilizaram uma “Quinzena para a Liberdade” para chamar a atenção à liberdade religiosa, mas conseguiram acordar um manifesto sobre a pobreza. A conferência até conseguiu produzir uma carta se opondo aos cortes orçamentários em programas que auxiliam os pobres. Mas os dias em que os bispos católicos se encontravam na vanguarda da luta por justiça social parecem uma memória distante.
No entanto, no dia 30 de abril a Conferência apoiou um evento – “a nossa Lampedusa” – na fronteira entre os EUA e o México, em Nogales, Arizona. Os bispos da Comissão de Migração se juntaram ao cardeal de Boston Sean O’Malley, presidente da Comissão Pró-Vida, para uma ida à fronteira, após o que eles serviram um jantar em um abrigo para migrantes no lado mexicano. No dia 1º de abril, os religiosos celebraram uma missa junto ao muro que divide os dois países, passando a Comunhão através das barras de ferro a católicos mexicanos que tinham se reunido do outro lado. Os religiosos lançaram uma coroa de flores por todos os que morreram na travessia. As imagens foram poderosas, e na manhã seguinte o Google Notícias listava 194 artigos sobre o evento.
“As pessoas se perguntam: ‘Quando veremos o efeito Francisco?’, e nós o vimos na fronteira quando nossos bispos, corajosamente, agiram e falaram como o Papa Francisco fez e falou”, disse John Carr, que trabalhou por 25 anos na Conferência dos Bispos e que agora preside a Iniciativa sobre o Pensamento Católico Social e Vida Pública, da Universidade de Georgetown.
Referindo-se à ilha italiana de Lampedusa por onde migrantes tentam entrar na Europa ilegalmente e que Francisco visitou no ano passado, Carr continuou: “Este deserto e este muro é nossa Lampedusa, é a nossa ‘ilha dos prantos’. O cardeal O’Malley e os demais bispos romperam com a mentalidade de ‘essa é a forma como sempre fizemos’ e apresentaram para o nosso ensino, para o nosso povo, o melhor dos valores de nosso país de uma forma nova e atraente”.
O evento na fronteira pode ter marcado um ponto de inflexão para a Igreja nos EUA, um retorno a um não partidarismo combinado com um tipo de defesa pública que se baseia no testemunho mais do que em ações judiciais.
“No espaço de uma semana, tivemos uma criança de 10 anos de idade pedindo ao papa pela libertação de seu pai, tivemos o Papa Francisco solicitando ao presidente Obama para agir, de forma mais veemente, em busca de justiça aos imigrantes e tivemos o cardeal O’Malley na fronteira apresentando o aspecto moral e humano para a reforma da lei de imigração enquanto pessoas se aproximavam da cerca para receber o corpo de Cristo”, falou Carr. “Não se trata simplesmente de uma defesa criativa. Trata-se de uma Igreja sendo Igreja no dia a dia. Esta iniciativa apontou para um problema, transformou uma controvérsia política em uma disputa moral, fez as desculpas de Washington parecerem pequenas e vazias e fez que a demora parecesse mesquinha e partidária”.
A pergunta permanece: Isso fará alguma diferença? Quando a Conferência dos Bispos se recusou a apoiar a Lei do Seguro Saúde Acessível (Affordable Care Act), muitos democratas no Capitólio pensaram que esta decisão fez a Conferência perder parte de sua credibilidade. O problema com a reforma da imigração é diferente: Pensam os republicanos que poderão ter o apoio dos bispos? Pensam eles que uma decisão de não aprovar a reforma de imigração irá lhes custar caro?
Após as eleições de 2012, quando o candidato presidencial do Partido Republicano ganhou apenas 27% do voto latino, seus representantes prometeram estar prontos para dar levar adiante a reforma da imigração. A matemática simples indica que não se vencem eleições nacionais quando se recebe menos de um terço dos votos daquele grupo demográfico que mais rapidamente cresce no país.
No ano passado, o Senado aprovou um projeto de lei bipartidário e abrangente de imigração com uma margens grande de 68 votos a favor para 32 contra. Um dos pais da proposta, o Sen. Marco Rubio, da Flórida, rapidamente se afastou de sua própria ideia quando o “tea party” [movimento ultradireitista americano] manifestou sua oposição de forma veemente. Rubio, o mais destacado republicano latino nos EUA, conquistou bastante apoio para outros senadores republicanos ao apoiar o projeto de lei. Duvida-se que um projeto de lei similar pudesse, agora, ser aprovado sem seu apoio e no que, provavelmente será, um senado mais conservador após as eleições intercalares.
O projeto de lei do Senado está parado na Câmara, que é controlada pelo Partido Republicano. Ao longo dos últimos meses, John Boehner, de Ohio, indicou que preferiria abordar a questão com uma série de pequenas e discretas reformas, aprovando uma de cada vez. Noutras vezes, ele indicou que o assunto está acabado. Outras ainda, parece aberto a aprovar um projeto de lei abrangente. Uma coisa porém é certa: os votos estão lá para aprovarem o projeto do Senado. Todos os 200 democratas prometeram apoiar e mais de 25 republicanos indicaram estar de acordo com a proposta. A quantidade necessária é de 218 votos.
A aprovação da reforma de imigração “demonstraria que tanto Boehner quanto o Partido Republicano estão dispostos as abordar um dos principais problema de política pública que desafia o país”, disse Matthew Green, professor de política na Universidade Católica da América.
Mas Green, especialista em assuntos que envolvem o Congresso, alerta: “A imigração é uma questão difícil de se resolver sem acabar irritando certos eleitorados”. Boehner tem lutado com a convenção local de seu partido quanto a desperdiçar projetos de lei e votos para aumentar o teto da dívida do país, mas até agora ele não entrou em confronto sobre um assunto como a reforma da imigração, à qual grande parte da base do partido é hostil.
A decisão de permitir um voto força Boehner a considerar os interesses de curto e longo prazo do partido. “No curto prazo, duvido que isso irá fazer muita diferença para o Partido Republicano, case ele ajude a aprovar uma reforma de imigração”, afirmou Green. “Provavelmente o partido irá ficar com a Câmara em novembro e irá controlar facilmente o Senado também. Porém, no longo prazo não vejo como o partido possa vencer as eleições nacionais – ou aumentar o número de eleitores latinos – sem mostrar liderança na questão da imigração”.
Em Washington, infelizmente as considerações de curto prazo tendem a predominar, em especial na Câmara, que se prepara para as reeleições a cada dois anos.
É difícil prever o efeito que o evento dos bispos irá ter na decisão de Boehner. De todo modo, ele leva o seu catolicismo a sério e a missa na fronteira foi poderosa. “A Igreja não pode e não vai jogar o mesmo jogo de sempre”, disse Carr. “Não faremos campanha. Não ofereceremos apoio. No melhor das hipóteses, reuniremos orações fervorosas, ideias poderosas, a experiência diária, nossos líderes corajosos e nossa paixão pelos pobres e fracos. Tudo isso foi reunido na fronteira de forma poderosa e urgente”.
Se a abordagem habitual ainda não conseguiu levar até o final a reforma das leis de imigração, talvez as orações dos bispos conseguirão. Vidas de 11 milhões de pesoas estão em jogo.
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Missa dos bispos americanos na fronteira pode ter caracterizado um retorno ao testemunho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU