Por: André | 22 Abril 2014
Assassinado no dia 07 de abril em frente à sua residência em Homs, o padre Frans van der Lugt deixa a lembrança de uma personalidade fora do comum.
A reportagem é de Marie Kostrz e publicada no sítio da revista francesa La Vie, 15-04-2014. A tradução é de André Langer.
Fonte: http://bit.ly/QsNfh8 |
“Como eu poderia partir? É impossível. Se os sírios sofrem, eu posso compartilhar o seu sofrimento e seus problemas. Estar com eles, oferecer-lhes um pouco de consolo, de empatia”. O padre Frans manteve sua palavra. Nunca deixou Bustan al-Diwan, bairro de Homs bombardeado e assediado há mais de dois anos pelo exército do regime sírio. Ele permaneceu até o final entre os poucos milhares de habitantes – somente cerca de 20 eram cristãos – que se encontram entrincheiraram nesta parte da cidade ocupada pelos rebeldes. No dia 07 de abril, o padre Frans foi assassinado perto da residência dos padres jesuítas. Sempre aberto ao diálogo, o padre foi para acolher este homem que pediu para conversar, mas que, ao contrário, fez dois disparos na sua cabeça.
A notícia da sua morte desencadeou uma grande onda de emoção: aos 75 anos, 50 dos quais passados na Síria, o padre Frans van der Lugt era um símbolo da paz e da solidariedade num país dilacerado por uma guerra civil sem concessão. Desde o começo do conflito, em 2011, esse jesuíta originário da Holanda ia diariamente ajudar os habitantes de Bustan al-Diwan, proporcionando-lhes alimentos e ajuda moral.
Em um vídeo, ele fez, em janeiro de 2014, um apelo à comunidade internacional, denunciando as condições da vida desumana dos moradores da cidade velha de Homs. O homem, visivelmente cansado, declarou: “Não há nada mais difícil do que ver os pais procurando comida pelas ruas para os seus filhos”. Então, numa risada mostrando mais tenacidade do que fatalismo, concluiu: “É impossível que o mundo não faça nada, nós queremos viver!”
Ele sofreu a pressão dos dois lados
A dedicação do padre Frans aos habitantes desse bairro onde vivem muçulmanos e cristãos garantiu-lhe uma certa imunidade. Revelava-se ao mesmo tempo frágil: “Eu lhe telefonei em meados de março, lembra-se Lama, uma das suas grandes amigas originária de Damasco. Ele me disse que tanto o regime como os rebeldes o pressionavam para que deixasse o local, mas ele se recusava; apenas as pessoas contavam para ele”.
Quando as tensões entre prós e anti-regime e entre cristãos e muçulmanos se exacerbaram na Síria, o padre Frans não desistiu de defender a ideia da coexistência. “Desde o começo do conflito, ele abrigou na residência famílias muçulmanas cujas casas foram destruídas pelas bombas”, testemunha Fadi, um jovem cristão que deixou Bustan al-Diwan em abril de 2011 para ir ao Líbano. “É nesta atmosfera de tolerância que eu cresci: ele ouvia todo o mundo e todo o mundo o ouvia; ele não fazia diferença entre as pessoas em função da sua religião.” Instalado na residência dos jesuítas de Bustan al-Diwan desde 1993, o padre Frans acompanhava a vida do bairro: “Era um homem muito simples, que sempre andava de bicicleta”, conta Fadi.
Um guia espiritual
Frans van der Lugt chegou à Síria em 1972. Falando correntemente o árabe, ele tornou-se rapidamente o guia espiritual de muitos cristãos. Artista originária de Aleppo, Lina Boghossian o conheceu em 1987, por ocasião de um retiro semi-silencioso organizado em um convento das irmãs carmelitas do oeste do país. “Foi ele que começou a fazer retiros segundo a espiritualidade inaciana”, explica ela. Esta meditação, que coloca o acento no encontro pessoal entre o fiel e Deus, contribuiu muito para Lina e seu marido: “Nos ajudou a encontrar a fé, ele queria ajudar cada um a experimentar o amor de Cristo para viver plenamente e encontrar a paz”. O recolhimento era para ele um meio de ir ao encontro do outro. “Era um homem de amor”, explica o padre Louis Taoutel, que morou três anos com ele. “Procurava sempre ver o bem no outro, como cada pessoa é amada por si mesma por Deus”.
Toda a sua vida, o padre Frans esteve a serviço das pessoas. Além dos retiros espirituais, ele abriu, em 1992, o Al-Ard, um centro perto de Homs onde as pessoas com necessidades especiais são acolhidas. “Sua fé era muito prática, ele não pregava apenas com as palavras, mas também com as ações”, explica um amigo do padre Frans que passou muitas vezes por Al-Ard. O padre organizava também grandes caminhadas pela Síria. “Nós estávamos indo para Maaret al-Nouman, uma cidade do noroeste muito conservadora onde as pessoas se admiravam ao ver homens e mulheres caminharem juntos!”, lembra-se seu amigo. Esta vontade de abertura ao outro não era, entretanto, unanimidade. “Ele foi acusado de facilitar os casamentos mistos entre cristãos e muçulmanos, acrescenta. É por isso que ele nunca pôde trabalhar em Aleppo, onde a comunidade cristã é muito conservadora”.
Viver seus valores
Apesar de tudo, o padre Frans tinha boas relações com a Igreja e era muitas vezes convidado por diversas paróquias do país. Formado em psicologia, deu muitas conferências. “Nós não estávamos habituados a ver um padre especialista nessa área, era revolucionário”, afirma seu amigo. Foi, por outro lado, em uma dessas conferências que Lama, hoje enóloga na Suíça, o encontrou. No espírito do padre Frans, ela constituiu um grupo de diálogo para reunir os sírios tão divididos sobre o conflito que dilacera seu país. “Ele me disse que existe em cada um de nós uma fonte de água que quando sai irriga tudo; é o amor de Deus e deve ir o mais longe possível, para o outro, quer se pareça conosco ou não”.
A morte desse homem de paz, prossegue ela, é um golpe duro para um país que afundado na violência: “Mas, nós a relativizamos, porque seu espírito está em nossos corações”. O importante, acrescente Lama, é continuar a viver os seus valores. “Não temos escolha, devemos continuar a viver”. Certamente, como o padre Frans tinha o costume de dizer, indo sempre em frente: “Ila al-amam!”
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Homenagem a Frans van der Lugt, um homem de paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU