16 Abril 2014
"Em duas ocasiões Jesus fala de sua mãe, de sua esposa e de uma discípula, um das quais pode ser identificada como 'Maria', embora não esteja claro se seria Maria Madalena, como alguns especulam, ou uma outra Maria. Quando os discípulos discutem se Maria é digna, Jesus afirma que 'ela pode ser minha discípula', uma afirmação intrigante que pode desafiar a doutrina católica a respeito de mulheres ordenadas para o sacerdócio."
A reportagem é de David Gibson, publicado pelo National Catholic Reporter, 11-04-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Um ano e meio depois de apresentar um pedaço de papiro que apelidou de “O Evangelho da Esposa de Jesus”, a biblista Karen King, da Universidade de Harvard, divulgou na quinta-feira os resultados dos testes sobre o fragmento controverso que parece mostrar não se tratar de uma falsificação moderna.
Mas uma série de perguntas continuam sem resposta, com alguns especialistas ainda se questionando se o objeto é falso e com outros se perguntando quanto ao valor dos testes. Outros ainda estão se perguntando se o “evangelho” e suas proposições de que Jesus poderia ter tido uma esposa de carne e osso possui alguma relação com a doutrina cristã.
King disse se sentir segura porque os testes mostraram que o papiro, aproximadamente do tamanho de um cartão pessoal, e a escrita sobre ele são antigos e, portanto, autênticos.
“Estou esperando agora que nos afastemos da dúvida de falsificação e que conversemos mais, muito mais sobre a significação histórica do fragmento e precisamente sobre como ele se encaixa na história do cristianismo e nas dúvidas sobre a família, o casamento, a sexualidade e Jesus”, disse King aos jornalistas.
Tais questões teológicas têm, de fato, causado controvérsias desde que ela apresentou o fragmento numa conferência em Roma, no mês de setembro de 2012, e o mesmo aconteceu na esteira deste último anúncio.
“Praticamente todos os estudiosos acreditam que Jesus era solteiro. O mesmo penso eu”, escreveu o padre jesuíta James Martin, autor de um novo livro sobre Jesus, no site da revista America. “Minha fé”, acrescentou, “não repousa nele ter sido solteiro, mas minha razão me diz que ele era”.
Martin listou algumas das razões pelas quais Jesus provavelmente não era casado: uma delas é que é estranho, nos relatos sobre sua vida, não se mencionar uma esposa que ele teria tido, e que o papiro recém-descoberto fora escrito séculos depois dos Evangelhos originais.
O fragmento tem apenas oito linhas e 33 palavras de um diálogo interrompido, provavelmente extraído de um papiro maior.
Em duas ocasiões Jesus fala de sua mãe, de sua esposa e de uma discípula, um das quais pode ser identificada como “Maria”, embora não esteja claro se seria Maria Madalena, como alguns especulam, ou uma outra Maria. Quando os discípulos discutem se Maria é digna, Jesus afirma que “ela pode ser minha discípula”, uma afirmação intrigante que pode desafiar a doutrina católica a respeito de mulheres ordenadas para o sacerdócio.
King sublinhou que o fragmento não prova que Jesus foi casado, e diz que o texto, na verdade, não tem seu foco sobre este assunto.
“O principal tópico do fragmento é afirmar que mulheres que são mães e esposas podem ser discípulas de Jesus – assunto que foi muito debatido no início do cristianismo na medida em que a virgindade celibatária cada vez mais se tornava altamente valorizada”, explicou a biblista.
Mas além dos debates envolvendo fé e história, as últimas notícias sobre o papiro continuaram a levantar dúvidas sobre sua validade. Nem todos ficaram satisfeitos com as respostas.
“Este fragmento de papiro parece preparado para uma esquete do [grupo de comediantes] Monty Python”, escreve Leo Depuydt, egiptólogo da Universidade de Brown (EUA), refutando as afirmações de King. Sua análise encontra-se numa série de artigos sobre o papiro publicados na nova edição da Harvard Theological Review, revista teológica da Universidade de Harvard.
Depuydt também sustenta que a língua copta usada no papiro contém “alguns erros gramaticais fatais” que torna o papiro “patentemente falso”.
Críticos também dizem que o fragmento viola a regra do “é bom de mais para ser verdade” presente na arqueologia bíblica: aquela de que se uma relíquia que surge e parece se dirigir exatamente às inquietações de uma audiência moderna – tais como o sexo e as mulheres no cristianismo –, então o ceticismo é garantido.
Eles apontam para outras questões pendentes, tais como:
– a testagem indica que o papiro possa ser do ano de 859, que representa 400 anos depois do que aquilo que King primeiramente pensou e muito depois dos relatos do Novo Testamento;
– testes relativos à composição da tinta mostraram se tratar de um tipo usado entre 400 a.C e 800 d.C, ou seja, um período muito extenso;
– embora a tinta pareça ser do tipo e padrão usados pelos escritores antigos, a tinta propriamente não pôde ser testada que se destruísse o papiro;
– a linguagem que Jesus usa a respeito de sua esposa seria metafórica e poderia indicar que ele estivesse se referindo à Igreja como sua noiva, e não uma mulher real.
Falando a jornalistas na quinta-feira, King reconheceu estas críticas, mas disse que elas não influenciam na validade ou importância do fragmento.
Disse que a última datação não importa muito porque ela sempre acreditou que o escrito era uma cópia de um documento muito anterior, provavelmente do segundo ou terceiro século. Afirmou que uma análise da escrita mostrou inscrever-se na faixa do próprio papiro, e que há exemplos de erros gramaticais semelhantes em outros escritos antigos.
“Há uma quantidade limitada de coisas que se pode fazer a partir de algo tão pequeno”, acrescentou.
A historiadora também lamentou a origem incerta do documento. O proprietário do fragmento continua anônimo; ele apenas contou a King que comprou este e outros cinco papiros em 1999 de um colecionador que disse tê-los adquirido naquilo que era a Alemanha Oriental comunista em 1963.
Na quinta-feira King disse que a Faculdade de Teologia de Harvard possui o papiro e que, no fim de semana, o dono – que não irá revelar sua identidade – lhe enviara um email propondo que o achado permaneça aí por empréstimo permanente. A universidade está considerando a proposta, afirmou ela.
King apresentou originalmente o papiro durante uma conferência em Roma, no quintal do Vaticano, e ao chamá-lo o “Evangelho da Esposa de Jesus”, ela praticamente garantiu o tipo de cobertura viral que a descoberta receberia.
Mas disse que ainda se encontrava surpresa com o fascínio do público com o assunto e que não esperava a rapidez com que a “onda” midiática abraçou a história antes que fossem feitos todos os testes e deliberações. O seu artigo original a partir da pesquisa sobre o fragmento foi colocado em espera, tal como um documentário do Smithsonian Channel, que agora irá ao ar com informações atualizadas.
“Desde o início, minha intenção era fazer isto de forma responsável”, disse King. “Mas”, continuou, “não tenho certeza de que isso” – a controvérsia – “poderia ter sido evitada, na verdade”.
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Dúvidas persistem após a testagem do papiro da “Esposa de Jesus” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU