Por: Caroline | 16 Abril 2014
“Há quem diga que o Papa Francisco (foto, à direita) terá um pontificado curto, que talvez não dure mais de seis anos, esperamos que não. Todavia, quando seu pontificado acabar, nada mais será como antes”. É o que afirma Elisabetta Piqué (foto, à esquerda), vaticanista e biografa de Jorge Mario Bergoglio, que o conhece pessoal e profissionalmente há mais de uma década (seus filhos foram batizados por ele), durante uma reunião informal com jornalistas, muitos dos quais são correspondentes no Vaticano, e que assistem de maneira uníssona a sua afirmação.
A reportagem é de Iván Gil, publicada por El Confidencial, 11-04-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/enNHfe |
A esta altura ninguém tem dúvidas de que o Papa Francisco tenha revolucionado Igreja, tanto da porta para fora como internamente, ainda que a tal transformação, por hora, esteja mais nas formas, principalmente estéticas e linguísticas, que em profundidade. “A porta do sacerdócio está fechada para as mulheres”, declarou Francisco no verão do ano passado fazendo referência à formulação de João Paulo II. Tudo ainda está por vir, as pressões vem de diferentes lados, contudo a amargurada oposição do forte setor da cúria reflete algo que já está se movendo.
Com um título perspicaz “Francisco. Vida e revolução” (Esfera), a biógrafa e compatriota do Papa centra o debate no novo rumo imposto pela máxima autoridade da Igreja católica. Trata-se da “revolução copernicana de seguir a Jesus”, palavras que foram pronunciadas pelo novo Papa. Isto é, uma mudança radical frente a qual, o caminho cristão passa, inexoravelmente, pela exaltação dos votos de pobreza e caridade.
Posicionamentos inéditos: autenticidade ou estratégia comunicativa?
Desde sua eleição no dia 13 de março de 2013, os gestos carregados de simplicidade, normalidade e espontaneidade vem ocorrendo dia após dia. Para começar, destaca Piqué, ele se autodenomina como “bispo” e não como “Papa”, o que destaca que se trata do primeiro papado que não se representa como uma monarquia absoluta.
É o primeiro Papa que não se apresenta como um monarca absoluto. A partir desse posicionamento, seguem muitos outros, também inéditos, como enumera a jornalista argentina: foi o primeiro que se atreveu a se chamar Francisco, mostrando assim seu respeito as normas de pobreza ditadas por Francisco de Assis; é o primeiro a rechaçar os luxos de viver no Palácio Apostólico Vaticano; o primeiro em mencionar a palavra “gay” (“quem sou eu para julgar os gays?”); o primeiro jesuíta...
Trata-se, definitivamente, de simplicidade, simplicidade e simplicidade, que têm sido as palavras mais repetidas nas conferências da imprensa do Vaticano desde sua eleição. Alguns encontros informativos que com este Papa, de acordo com Piqué, nem mesmo fariam falta visto que ele se “comunica muito bem, é muito claro e tudo o que diz não tem filtros prévios. Não deixa que o assessorem, o que o torna mais autêntico, espontâneo e livre”.
E consentem, mais uma vez, os vaticanistas e correspondentes presentes no encontro celebrado no Escritório da Prelazia do Opus Dei, na Espanha (nestas ocasiões, o contexto tem mais importância do que possa parecer).
Do anticomunismo ao anticapitalismo
Aposta-se na abertura da Igreja e na sua adaptação aos novos tempos, nos quais a crise vocacional e de fiéis é patente, e encontrou-se resistências internas, cuja dimensão depende do vaticanista que as valore. Também não é necessário estar nos corredores do Vaticano para dar-se conta disso, basta observar aos episcopados nacionais que o chamam de demagogo e populista.
Muitos tentam derruba-lo com uma artimanha ideológica, acusando-o de defender posturas mais de esquerda ou progressistas, e vice-versa. Ele rechaça que o classifiquem e, com certa resignação, assegura que transita entre ambos, mesmo que já tenha declarado que “jamais foi de direitas”, em resposta a aqueles que criticavam seu suposto autoritarismo na tomada de decisões.
Na era da imagem, da imediatez e da escassa reflexão, o Twitter se transformou em uma de suas melhores ferramentas de difusão. Por outro lado, célebre também foi sua resposta quando o perguntaram se era de esquerda pelo fato de ter convivido com as crianças pobres de rua, na Argentina: “Eu não sigo a Marx, mas ao Evangelho, a Jesus, que sinto corporificado na minha opção pelos pobres. Meu compromisso é com a pobreza a partir da religião, não da política”. E acrescenta: “eu lhe direi algo mais, São João Crisóstomo, que viveu no século III, tem alguns textos audazes, ao lado dos quais, Marx não seria ninguém”, tal e como reproduz Armando Rubén Puente no ensaio “A vida oculta de Bergoglio”, recentemente publicado por Libros libres.
O neoliberalismo econômico, ou o capitalismo selvagem se assim o preferirem, também tem estado em sua mira. “O desequilíbrio resulta de ideologias que defendem a absoluta autonomia dos mercados e a especulação financeira, que negam o direito de controle aos Estados, que são os responsáveis pela promoção do bem comum”, respondeu em seu primeiro discurso sobre temas econômicos, ao mesmo tempo que condenou a “ditadura de uma economia sem rosto”. Se João Paulo II combateu e foi um ator importante na queda do comunismo, como destacou Piqué, as críticas do papa Francisco contra o neoliberalismo não deixam dúvidas de sua aversão ao atual sistema econômico.
O teólogo do povo
Posições que, para alguns jornalistas argentinos, que têm Rubén Puente à frente, forjaram-se a partir de seu “compromisso” ideológico com o peronismo. Desde que celebrou o funeral de Néstor Kirchner, ao qual se referiu em diversas ocasiões através do termo “companheiro” (algo próprio entre os peronistas), esta tese não parou de circular. Até o ponto de que não são poucos os líderes e jornalistas hispânicos que afirmam que o sumo pontífice tem ligação direta com a presidenta Cristina Kirchner.
“Isso é um bluff (blefe), não tem nenhum fundamento”, respondeu Pique frente à insinuação de outra jornalista argentina. Em troca, o que assegurou não ser um blefe é sua participação ativa na elaboração das bases doutrinais da chamada Teologia do Povo. De acordo com o próprio Bergoglio, essa “distingue-se tanto das análises marxistas como da ideologia do capitalismo neoliberal. Pois consideramos que os pobres não são meros objetos de uma liberação ou de uma educação, mas sujeitos capazes de pensar com suas próprias categorias, capazes de viver legitimamente a fé a sua maneira, capazes de criar caminho a partir de sua própria cultura popular”.
O que a correspondente do jornal La Nación disse estar certa é de que Bergoglio quer “fazer uma limpeza”, e fazê-la rapidamente, porque não tem muito tempo (os rumores de que poderá renunciar antes de sua morte são cada vez mais constantes). Por hora, segue combatendo a Igreja internamente, a partir de seu próprio exemplo. Os gestos importantes e as imagens comunicam mais que as grandes palavras. E, não é em vão, que o Twitter se transformou em uma de suas melhores ferramentas de difusão.
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Francisco e seu papado inédito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU