03 Abril 2014
O desejo é de que a próxima visita papal à Terra Santa e o encontro na Jordânia de Francisco com os refugiados sírios representem um abalo positivo em uma situação bloqueada. Passaram-se oito meses desde que o padre Paolo Dall'Oglio desapareceu no nada.
A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada no sítio Vatican Insider, 01-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele estava na Síria, com toda a probabilidade em Raqqa, no norte, entre as primeiras cidades que acabaram sob o controle dos antigovernistas, que depois se tornou a fortaleza do Isis, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, liderada por al-qaedistas com relação cada vez mais tensas com os rebeldes sírios.
E é a eles que se atribui o sequestro do jesuíta de 59 anos, incansável tecelão do diálogo inter-religioso que havia escolhido a Síria como pátria adotiva desde os anos 1980. O Isis, no entanto, nunca reivindicou o rapto.
Domingo, na Sala Assunta, na Via degli Astalli, 17, em Roma, ocorreu um encontro lotado sobre o diálogo islâmico-cristão. O evento, promovido pela Fundação Magis e pelo Centro Astalli, foi a oportunidade de debate através da reflexão e dos testemunhos daqueles que escolheram o diálogo vivido na cotidianidade como o caminho, mais do que nunca atual e urgente, rumo à paz.
Os mais aplaudidos foram os familiares do jesuíta refém há oito meses de sequestradores sírios, cuja recordação atravessou toda a noite. Participaram do debate, moderado pelo jornalista da Radio Rai 1 Riccardo Cristiano, Marco Falcolini, da associação Calciosociale, Fatima Benbali, do Projeto Incontri do Centro Astalli, e Gian Maria Piccinelli, da Universidade de Nápoles.
"O Papa Francisco nos convida a viver cotidianamente o encontro com o outro, com o diferente, como única via para construir a paz", reiterou o padre Giovanni La Manna, diretor do Centro Astalli.
"Um apelo desesperado para que haja mais humanidade": essa é a mensagem que Francisco confiou a Dom Mario Zenari, núncio apostólico em Damasco, recebido no dia 31 de março em audiência. Ao pontífice, o núncio ilustrou a dramática situação que a população continua vivendo na Síria.
"O papa acompanha regularmente e traz no coração esses sofrimentos", informou Dom Zenari à Rádio Vaticano. "Eu fui ao seu encontro, porque percebo que, infelizmente, em nível internacional, o conflito na Síria está prestes a ser esquecido, e dói muito ver que esse sofrimento, não só o de alguns, mas de uma nação inteira, esse drama possa ser esquecido. Ver que o papa traz no seu coração o sofrimento do povo sírio me encorajou."
O núncio apostólico em Damasco informou que o Papa Francisco encarregou-lhe de "levar a sua proximidade a todos, indistintamente, aos cristãos e a toda a população. Todos admiram o papa, cristãos e muçulmanos, cidadãos comuns e autoridades", destaca Dom Zenari. "Todos têm uma grande admiração por Francisco."
O padre Paolo Dall'Oglio – desde 2011, quando Damasco começou a reprimir com a força as primeiras manifestações antigovernamentais – havia se posto do lado dos manifestantes e pedira em alta voz a intervenção da comunidade internacional em defesa de todo o povo sírio.
Mesmo nas entrevistas, ele nunca hesitou em usar palavras muito duras contra Bashar al-Assad. Foi justamente o seu ativismo não violento que o tornou impopular junto a Assad que, no dia 12 de junho de 2012, o expulsou do país.
Em fevereiro, ele havia entrado ilegalmente na Síria pelo Curdistão iraquiano, "em uma peregrinação da dor e do testemunho", como havia declarado. E, depois, novamente, pela última vez, "para encontrar a sociedade civil e para ouvir as exigências e as prioridades das pessoas", provavelmente também para negociar a libertação de um amigo capturado como refém.
Uma vida dedicada ao diálogo inter-religioso. Tendo entrado em 1975 na Companhia de Jesus, o padre Dall'Oglio, romano, deixou a Itália para os estudo universitários e escolheu Beirute. Em 1982, descobriu as ruínas do mosteiro católico-sírio de Mar Musa e decidiu se assentar ali para um retiro espiritual do mundo, em solidão.
Dois anos mais tarde, depois de ter sido ordenado sacerdote pelo rito católico-siríaco, decidiu reconstruir o mosteiro e, depois de dez anos, fundou a comunidade espiritual mista Mar Musa, trabalhando para promover o diálogo entre as religiões.
O compromisso com o diálogo está na base da vida do padre Paolo, destaca, em uma mensagem enviada para o encontro, o bispo Matteo Zuppi, diretor do Centro Missionário Diocesano. "O diálogo – escreve – se realiza nas pequenas e grandes exigências de todos os dias, no espaço da boa vizinhança, naquele tecido social que faz da proximidade o lugar de todo possível olhar sobre o outro."
São muitas as realidades capazes de testemunhar esse compromisso cotidiano. Paola Francesca, das Irmãzinhas de Jesus, deixou a Síria há alguns meses, depois de 36 anos em um bairro popular habitado por cristãos e muçulmanos. "Com a guerra, esse diálogo é vital para construir uma sociedade nova na Síria.
Mas o mais bonito é que "não somos só nós os que querem isso. Muitas vezes os muçulmanos também tomam a iniciativa". Como quando, no hospital, um bebê chorava nos braços da mãe com o véu completo: "Depois que eu comecei a lhe falar, ele se acalmou – conta a religiosa – e, depois, a mãe me dirigiu a palavra, tornando-se amigável".
Ou ainda quando uma idosa cristã acolheu na sua casa uma família muçulmana, desalojada com quatro crianças. Certamente, "nem sempre é fácil", mas "esses pequenos gestos lançam pontes para a construção de um mundo diferente".
A abertura aos outros também está na base da associação Calciosociale. Uma "realidade pequena, mas significativa, nascida há nove anos para reescrever as regras do futebol – explica Marco Falcolini – e permitir que jovens particularmente difíceis também participem".
A associação organiza um torneio de futebol que dura um ano e há cinco anos também está presente no distrito de Corviale. "Antes de cada jogo – conta Falcolini – reza-se o Pai Nosso, mas também outras orações muçulmanas, porque os rapazes querem compartilhá-las conosco. O meu testemunho é que é possível".
A mesma opinião é compartilhada pela jovem argelina Fatima Bembali, muçulmana, que trabalha com o Centro Astalli para fazer com que a realidade dos refugiados na Itália seja conhecida nas escolas.
"Agradeço ao povo italiano em nome de todos os muçulmanos que aqui encontraram hospitalidade", declara Fatima, acrescentando que, "para ser uma boa muçulmana, é preciso trabalhar pela paz, que nasce na alma de cada um de nós."
Gian Maria Piccinelli ensina direito comparado na Universidade de Caserta. Para ele, o objetivo é "transmitir aos seus estudantes um Islã diferente daquele veiculado pelos meios de comunicação, do qual se tem medo" em uma das províncias da Itália com o maior número de imigrantes muçulmanos, muitas vezes irregulares.
"Acredito que o grande desafio para todos nós – conclui – é olhar para um Islã livre das ideologias, encontrar os irmãos muçulmanos e fazer pequenas experiências de diálogo com eles, que marcarão o nosso futuro."
Na mesa redonda, também intervieram Ambrogio Bongiovanni, professor da Urbaniana, Cenap Aydin, professor do Instituto Tevere de Roma, e o padre jesuíta Federico Pelicon, da comunidade de Trieste.
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''A viagem à Terra Santa poderia desbloquear o caso Dall'Oglio'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU