18 Março 2014
O certo é: em seus níveis mais elevados, a Igreja Católica está discutindo, talvez levando em consideração, a possibilidade de reformular suas práticas pastorais para católicos divorciados e recasados.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada pelo National Catholic Reporter, 14-03-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O ponto de discordância é: a forma como a reforma se parece – ou mesmo o que exatamente está sob consideração – depende inteiramente de com quem se está falando.
Diferentes propostas começaram a surgir após uma reunião em meados de fevereiro, no Vaticano, com cerca de 185 cardeais a respeito das práticas da Igreja sobre questões de família.
Também estão emergindo possíveis clivagens de debates específicos, principalmente sobre a maneira como a Igreja trata os indivíduos divorciados e recasados, os quais estão proibidos de receber a Eucaristia a menos que tenham condições de obter uma anulação do Vaticano declarando inválida sua primeira união matrimonial.
Uma perspectiva vem do cardeal Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé: “O dogma da Igreja não é uma teoria qualquer escrita por alguns teólogos”.
“A Doutrina da Igreja não é outra coisa que as palavras de Jesus Cristo”, afirmou Müller aos jornalistas em 25-02-2014 quando perguntado se os católicos recasados poderiam, no futuro, ter condições de participar na Comunhão. “As palavras de Jesus são bem claras [sobre este assunto]. Não posso mudar a doutrina da Igreja”.
No entanto, num discurso de duas horas dirigido ao grupo dos cardeais, que estavam reunidos no Vaticano nos dias 20 e 21 de fevereiro, o cardeal alemão Walter Kasper deu a entender que o que Müller pareceu dizer era impossível.
O Papa Francisco abriu a reunião pedindo ao grupo para “aprofundarem a teologia da família e o cuidado pastoral que devemos implementar nas presentes condições”.
Kasper, de 80 anos, teólogo e ex-presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, foi convidado pelo papa a abrir a reunião dos cardeais com uma reflexão sobre os ensinamentos da Igreja sobre a família. Embora o Vaticano não tenha disponibilizado uma cópia do texto à imprensa em geral, o jornal Il Foglio, em sua edição de 1º de março, publicou os apontamentos do cardeal, chegando a quase 12 mil palavras.
Citando vários outros teólogos, até mesmo o Pe. Joseph Ratzinger – que se tornaria o Papa Bento XVI –, Kasper dirigiu uma série de questões para seus companheiros cardeais; a certa altura até mesmo sugeriu que a Igreja poderia não ter a autoridade para limitar a Comunhão a católicos casados novamente.
Em particular, Kasper refutou um ensinamento da congregação doutrinal vaticana – feita em 1994 e reiterada por Bento XVI em 2012 – segundo o qual, embora os divorciados e recasados não possam receber a Eucaristia, eles receberiam uma “comunhão espiritual” da Igreja.
“Alguns sustentam que a não participação da Comunhão é, em si, um sinal da santidade do sacramento”, afirmou Kasper. “Não seria talvez uma exploração da pessoa que está sofrendo e pedindo por ajuda caso fizéssemos dela um sinal e um alerta para os demais?”, perguntou. “Em termos sacramentais, iremos deixar este indivíduo morrer de fome para que outros possam viver?”
O Vaticano falou que foram levantadas cerca de 45 respostas por parte dos cardeais durante as reuniões, mas o porta-voz jesuíta Pe. Federico Lombardi não entrou em detalhes quanto às observações.
Alguns dos cardeais minimizaram a ênfase de Kasper sobre o divórcio e o casamento pela segunda vez. O cardeal Daniel DiNardo, de Houston-Galveston (Texas), disse ao National Catholic Reporter no dia 23-02-2014 que as discussões se centraram, principalmente, sobre questões mais amplas coo dar apoio aos novos casais, e não sobre tópicos polêmicos.
“Quando as pessoas dizem que este assunto – o das famílias – tem que se focar sobre o divórcio e o recasamento, eu tenho certeza de que elas falarão sobre isso”, disse DiNardo, que também é vice-presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA.
“Mas há coisas mais importantes a se fazer quando se ouve a Igreja como um todo e quanto se percebe o que está acontecendo”, afirmou. “Na África, eles ainda lidando com a situação extremamente delicada da poligamia e do sentido de estrutura da família”.
DiNardo referia-se ao encontro mundial dos bispos em outubro, convocado pelo Papa Francisco a ocorrer entre os dias 5 a 19 daquele mês. Conhecido como o Sínodo dos Bispos, o evento deverá se focar no tema “os desafios pastorais para a família no contexto da evangelização”.
Numa conferência de imprensa no dia 24-02-2014, o cardeal Vincent Nichols, de Westminster (Inglaterra), também disse que os cardeais não se centraram tanto sobre a permissão de pessoas recasadas de receberem a Eucaristia, mas sim sobre o significado da Eucaristia na vida católica.
“Deve haver formas nas quais as pessoas possam viver uma vida muito frutífera na Igreja, mesmo se, por razões conhecidas, todos nós entendermos que elas podem não ter acesso à Eucaristia”, declarou Nichols, que foi um dos 19 prelados feitos cardeais por Francisco em 22 de fevereiro. No entanto, Kasper questionou a justificativa desta restrição.
Embora admitindo que a indissolubilidade do casamento seja “parte da fé vinculante da Igreja que não pode ser abandonada ou desfeita apelando a um entendimento superficial de misericórdia barata”, Kasper também citou o trabalho do Concílio Vaticano II (1962-1965), que, disse ele, “abriu portas” a certas situações “sem violar a tradição dogmática vinculante”. Baseando seus argumentos num texto de 1972, de Ratzinger, para analisar as primeiras práticas da Igreja, Kasper sugere cinco critérios para permitir pessoas recasadas novamente participar na Eucaristia:
– A pessoa se arrepende do fracasso de seu primeiro casamento.
– Ela “definitivamente descartou” voltar a este casamento.
– Ela “não pode abandonar sem prejudicar mais ainda” o seu segundo casamento.
– Ela está “dando o melhor de si” para viver o segundo casamento “com base na fé”.
– Ela “tem um desejo pelos sacramentos como uma fonte de fortalecimento”.
Se alguém estiver de acordo com estes critérios, pergunta Kasper, “devemos negar-lhe (...) o sacramento da penitência e, portanto, a Comunhão?”
Ao escrever às famílias de todo o mundo em 25-02-2014, Francisco prometeu que o Sínodo de outubro envolveria “todas as pessoas de Deus” e não somente os bispos.
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Posturas diferentes sobre a família entre os cardeais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU