26 Fevereiro 2014
Em um contundente relatório enviado ao Vaticano, Dom Robert Lynch, de São Petersburgo (Flórida), disse que mesmo os católicos mais regulares em sua diocese acham que a doutrina da Igreja sobre o uso de métodos contraceptivos artificiais não são mais relevantes.
A reportagem é de Jerry Filteau, publicada no National Catholic Reporter, 24-02-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“Sobre a questão da contracepção artificial, as respostas podem ser caracterizadas assim: ‘Isso já está em andamento e não há por que resistir’”, escreveu o religioso no dia 07-02-2014 a partir do seu relatório. “Os católicos decidiram-se sobre o assunto e o ‘sensus fidelium’ [o sentido dos fiéis] sugere a rejeição da doutrina da Igreja a respeito deste assunto”.
No texto, publicado em um blog hospedado no site da diocese, Dom Lynch disse que mais de 6800 católicos responderam ao questionário enviado pelo Vaticano às Igrejas locais para que dessem um retorno sobre assuntos pastorais tais como o casamento e vida familiar, em preparação para o Sínodo especial a ocorrer em outubro deste ano. Na postagem o religioso afirma ter enviado seu relatório ao Vaticano em meados de janeiro.
A maioria dos participantes na consulta concordou que a doutrina da Igreja segundo a qual o matrimônio – ou ao menos, o matrimônio sacramental – é estritamente uma união entre homem e mulher, disse. Porém, ao mesmo tempo muitos enfrentaram sérios problemas com a abordagem pastoral da Igreja relativa a casais divorciados e recasados assim como com casais homoafetivos.
No texto também se lê que os fiéis responderam a questões sobre a forma como a Igreja lida, em termos pastorais, com jovens casais que coabitam antes do casamento – fenômeno que tem crescido em anos recentes.
Lynch deu início à consulta em dezembro, quando pediu as respostas dos católicos de sua diocese sobre as questões levantadas pelo Vaticano e que foram disponibilizadas a partir de outubro em preparação para o Sínodo dos Bispos a ser convocado pelo Papa Francisco em outubro próximo.
Conhecido nacionalmente a partir do trabalho desempenhado como secretário geral da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, antes ainda de sua nomeação para a Diocese de São Petersburgo (Flórida) em 1995, Dom Lynch é um dos poucos bispos estadunidenses que levaram o questionário até as bases da Igreja em busca de um feedback mais amplo.
Bispos individuais ou conferências episcopais inteiras em alguns países – talvez de forma mais nítida na Alemanha, Suíça, Bélgica, Inglaterra e no País de Gales – responderam ao questionário por meio de amplas repostas vindas das bases diocesanas.
A Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, no entanto, no nível organizacional tratou o pedido do Vaticano por feedback das dioceses locais e paróquias como algo com o qual os bispos americanos pudessem lidar consultando junto de organismos consultivos existentes, tais como seus conselhos diocesanos sacerdotais ou grupos/coordenações pastorais.
Como resultado, apenas alguns bispos tomaram o caminho que Lynch adotou, convidando todos os católicos da diocese a expressarem suas opiniões sobre como a Igreja lida, em termos pastorais, com questões como o casamento e a família que eles – ou que outros católicos que eles conhecem – enfrentam.
As relatar as mais de 6800 respostas recebidas a partir do questionário, Lynch observou: “Em geral, as respostas da consulta refletem o ‘coro’, aquelas pessoas que participam fielmente na missa aos domingos e nos dias santos de obrigação, se não diariamente. Elas não representam os sentimentos daquelas outras tantas que se afastaram da prática de sua fé, que se encontram zangadas ou frustradas com a Igreja ou que se sentem negligenciadas por ela. Como eu desejaria ter ouvido as respostas destas pessoas também!”
O mesmo o “coro” – os 78% dos respondentes que disseram assistir à missa ao menos uma vez por semana e aos dias santos (incluindo os 9% que dizem ir à missa todos os dias) – afirmou, de forma esmagadora, que a maioria dos católicos que eles conhecem não aceita a doutrina da Igreja sobre o planejamento familiar natural e o controle de natalidade. Dos entrevistados, somente 13% concordou que os católicos que eles conhecem aceitam esta doutrina; 81% discordou; e 6% disse dos entrevistados disseram não ter certeza ou não quiseram responder.
A postagem no blog diocesano também incluiu um link para um resumo estatístico de 18 páginas contendo os resultados da consulta.
A consulta, distribuída nas igrejas da diocese no último mês de novembro e que estava disponível no site diocesano em inglês e em espanhol, reuniu 6.560 respostas em inglês e 255 em espanhol. Quase dois terços dos respondentes eram mulheres e cerca de três quartos eram de pessoas com 50 anos de idade ou mais.
Uma parcela equivalente a 9% descreveu-se como frequentadores diários da missa e 78% disse comparecer nela ao menos aos domingos e nos dias santos, incluindo 37% que disse também ir na missa em dias de semana. Outros 8% disseram ir à missa uma vez por mês ou mais, mas não a cada domingo. Somente 5% dos respondentes disseram ir à missa menos do que uma vez por mês, raramente ou nunca.
Sobre o estado civil, 11% estavam solteiros, 61% eram casados, 9% viúvas ou viúvos, 9% divorciados e nunca recasados, 4% divorciados e recasados na Igreja, e 4% divorciados e recasados fora da Igreja.
Apenas 1,7% dos que participaram na consulta responderam “outro” para a pergunta sobre o estado civil, uma resposta que, segundo o resumo, “inclui mas não se limita àqueles que atualmente vivem com outra pessoa do sexo oposto fora do casamento assim como àqueles em relações homoafetivas formais ou casuais”.
No texto publicado no blog, Lynch disse: “Houve um apoio muito forte para a noção de que o casamento – termo com o qual eles entendem, creio eu, como matrimônio sacramental – se dá entre um homem e uma mulher”.
“Dito isso”, acrescentou, “também ficou claro que os respondentes consideraram que a Igreja precisaria estar preparada para melhor responder à realidade dos casamentos homoafetivos”.
O texto diz que os respondentes pediram à Igreja para que ela seja “mais amável e gentil (...), menos crítica e mais acolhedora” para com aqueles que se identificam como gays ou lésbicas. Eles também “muito claramente afirmaram” que a Igreja deveria tratar as crianças adotadas de casais homoafetivos da mesma forma como trata todas as demais.
“De forma muito marcante os respondentes mostraram” que a Igreja precisa fazer algo mais para reconciliar os católicos divorciados e recasados e que seu atual processo de anulação é inadequado.
A respeito da questão relativa à coabitação, Lynch disse que os “respondentes claramente afirmaram que a Igreja precisa ‘despertar e prestar atenção ao que está acontecendo”.
A coabitação sem casamento é “lugar-comum e há algumas razões para isso que não podem ser sumariamente descartadas, tais como as realidades econômicas”, disse o religioso.
O questionário abordou uma variedade de outros assuntos a serem tratados no próximo Sínodo, entre os quais estão a adequação da preparação para o matrimônio, a adequação dos programas catequéticos para ensinar às crianças a fé e ajudar os pais a passar adiante seus credos e valores, além da adequação dos sistemas de apoio para famílias monoparentais.
Lynch disse acreditar, a partir de outros relatórios lidos por ele, que os católicos de outras partes do mundo partilham grande parte das opiniões expressas pelos católicos de sua diocese.
Há poucos dias a publicação de consultas feitas pelos bispos da Alemanha e da Suíça mostrou lacunas parecidas entre a doutrina da Igreja e o que os católicos, nestes dois países, acreditavam.
O relatório dos bispos alemães disse que tais diferenças ficam claras “sobretudo quando se trata de coabitação antes do casamento, [do status dos] casos e recasados, do controle de natalidade e da homossexualidade”. O relatório representou as opiniões dos católicos a partir das 27 dioceses alemãs e de cerca de 20 organizações católicas do país.
O site Catholic National Service afirmou que o relatório dos bispos suíços, com base nas respostas de 25 mil fiéis, reuniu resultados bastante semelhantes aos dos alemães.
No início de fevereiro, a Univisión [canal americano de televisão voltado ao público latino-americano que vive no país] divulgou os resultados de uma enquete realizada em 12 países com as maiores populações católicas do mundo, alcançado ao menos mil respondentes em cada um deles. Os resultados da pesquisa envolvendo os católicos europeus e americanos aparentemente acompanharam os relatos das respostas ao questionário do Vaticano.
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Questionário do Sínodo dos Bispos mostra que a maioria dos fiéis rejeita a doutrina sobre contraceptivos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU