21 Fevereiro 2014
Representante do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti entre 2009 e 2011, o doutor em relações internacionais Ricardo Seitenfus, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), é um crítico da atuação das Nações Unidas no país centro-americano. De férias em Santo Domingo (país vizinho ao Haiti), Seitenfus lançará em breve o livro Haiti – Dilemas e Fracassos Internacionais.
Por telefone, Seitenfus elogiou ontem o artigo em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs a retirada da missão humanitária até 2016. Na sua opinião, trata-se de “uma das piores missões de paz da história da ONU”.
A entrevista é de Léo Gerchmann, publicada no jornal Zero Hora, 20-02-2014.
Eis a entrevista.
Qual é a sua opinião sobre o artigo publicado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no jornal The New York Times, em que ele defendeu o fim da missão da ONU no Haiti em 2016?
Gostei muito do que Lula disse, principalmente porque vem dele. O artigo do ex-presidente é muito positivo, pois contém três elementos fundamentais. Em primeiro lugar, acena com a necessidade de ser restaurada a soberania haitiana e, por conseguinte, de se colocar um termo à presença das forças militares estrangeiras da Minustah (missão da ONU). Também demonstra respeito à autodeterminação do povo e do Estado haitiano com o processo de apropriação de seu país. Em terceiro lugar, apela para que haja continuidade e incremento da ajuda internacional, especialmente a dos países avançados. Embora sua interpretação de fatos políticos recentes se revele muito mais pelo não dito do que pelo declarado, a tomada de posição do ex-presidente constitui um divisor de águas, pois foi dele a iniciativa de lançar o Brasil nessa complexa empreitada em 2004.
O não dito é um recado de que a missão não foi boa?
Claro que sim. Por que mandaram tropas? Até quando? Por que não mandaram a outros países, como o Paraguai, a Venezuela?
Na sua opinião, quando a ONU deveria deixar o Haiti?
Em 2009, discutíamos um modelo de saída de crise. O terremoto de 12 de janeiro de 2010 jogou o debate para as calendas gregas. Agora se retorna a ele, felizmente. Mais do que uma data-limite o que importa são as condições da saída, ou seja, como sair. As exigências securitárias já foram cumpridas. Não esqueçamos que foram enviados soldados para onde não havia e não há guerra. Portanto, o desafio haitiano é socioeconômico e institucional. Não há como estabilizar um país com 80% de desemprego e com um Estado que é muito mais uma ficção do que uma realidade. É importante a ONU deixar o Haiti. O país precisa ter tempo para construir a democracia deles. Querem democracia perfeita em um país onde há 50% de analfabetismo?
Como o senhor avalia a Minustah?
A missão no Haiti é uma das piores missões de paz da história da ONU. Se saírem em 2016, deixarão um país pior do que encontraram em 2004. Saí do Haiti porque me opunha à intervenção na política interna do país, me desentendi por causa disso. Até o cólera foi levado para lá. Essa intervenção foi triste e pesarosa. E nada melhorou. Em termos de autodeterminação, o que o Haiti conseguiu foi manter suas relações com Cuba e Venezuela. Recebe petróleo subsidiado da Venezuela, tem uma dívida de US$ 1,3 bilhão, e muitos chavistas querem rever esse acordo. É um problemão que eles têm.
O Brasil deveria se antecipar e sair antes?
Não. Deve, antes de tudo, liderar o debate com seus parceiros por uma rápida solução. Caso não ocorra, o Brasil deveria renunciar imediatamente ao comando militar da Minustah e, depois, retirar seu contingente.
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“Missão no Haiti é uma das piores da ONU” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU